Thursday 6 January 2011

2011 é ano novo?


O homem é o único animal que é intrinsecamente descontente; daí o seu sentimento de vergonha – porque ele sabe que pode ser livre”, Osho.

A salada de acontecimentos esteve bem recheada em 2010, apenas não conseguiu aguçar o meu apetite para dela me degustar aspirando prosperidade. Meu olhar atento apenas captou inquietações cada vez que procurava o nexo de cada acontecimento. Aflições nascidas da incerteza do futuro.
Ano novo! Ano novo! Ano novo! (...). Na memória fresca do meu passado, não muito distante, ecoa este lúbrico grito que sempre soltava na passagem de um ano para o outro, com uma euforia desmedida. Era um grito inocente e cheio de esperança vindo de uma criança despreocupada com os problemas da vida e da nação. O tempo passou e, pouco a pouco, a frenética emoção de menina arrefeceu com o aproximar da vida adulta. As cores do mundo perderam-se entre o preto e branco num cinza indecifrável e hoje o grito é mais baixo. O verde da esperança já não está acessível aos meus sonhos e a cada ano que passa mais no horizonte ele se coloca e sem bússola para me direccionar. Estou triste.
Este é o sentimento que hoje adia o meu alegro. Em claras palavras, a minha tristeza nasce por não perceber em que direcção caminha o meu país. Falo de um país que acaba de deixar um ano marcado por fortes acontecimentos. Inaugurado pela crispação entre o Governo e doadores, culminou com desembolso e com a histórica redução para menos da metade a dependência do nosso orçamento em relação aos recursos externos; a inflação chegou a atingir dois dígitos ao fixar-se acima de 14% no princípio do segundo semestre, roendo com o poder de compra dos moçambicanos, que viram o custo de vida agravar-se para além do suportável; a conjuntura internacional denunciou, uma vez mais, as nossas fraquezas na produção, ao fortificar as principais moedas com as quais transaccionámos, deixando a nossa sem muito valor; os dados da pobreza que se esperava virem a fixar-se nos 45% saído dos 54.1% agravaram 0.6%, passando para 54.7%; também foi no ano 2010 que se descobriu mais reservas de carvão em Tete e outros minérios de alto valor internacional, como ouro e cobre capazes de catapultar o crescimento da nossa economia; também descobriu-se ao longo do ano a ocorrência de gás e petróleo na Bacia do Rovuma, província de Cabo Delgado; foi também em 2010 que assistimos à reedição das manifestações de 5 de Fevereiro de 2008, a 1 e 2 de Setembro em reacção ao elevado custo de vida e, na sequência disso, testemunhámos a pseudo-austeridade do Governo, etc.
Enfim, a salada de acontecimentos esteve bem recheada, apenas não conseguiu aguçar o meu apetite para dela me degustar aspirando prosperidade. Meu olhar atento apenas captou inquietações cada vez que procurava o nexo de cada acontecimento. Aflições nascidas da incerteza do futuro. Infelizmente, a felicidade do ser humano não depende apenas do bem estar do presente, mas da certeza de que o encontrará também no futuro. E este prognóstico o homem não precisa que lhe seja feito, apenas precisa ter ao ser dispor um conjunto de informações que lhe permitam chegar a essa conclusão.
A explicação menos feliz que recebi foi a de que “a nação estava no bom caminho, rumo à prosperidade”, dada pelo Chefe do Estado no seu informe anual, proferido na Assembleia da República em Dezembro último. Bonito foi ouvir, mas difícil foi assimilar. Afinal, tratava-se de um discurso político, minuciosamente idealizado para soar de forma aprazível. E a réplica desta conveniente convicção foi dada pelo primeiro-ministro, Aires Ali, numa entrevista à STV e ao “O País” quarta-feira última, explicando que no ano passado as bases foram lançadas e que nos próximos anos vamos sentir o voo rumo à prosperidade.
Este analgésico não fez efeito em mim porque ao largar a forma e descer à essência o discurso perdia a franqueza. Em que bom caminho, rumo à prosperidade, estamos? O que é bom caminho quando se permanece sete anos nos mesmos níveis de pobreza? Quem discursa é a medida da probreza no país? Como estão articuladas as acções encentadas para alimentar esta convicção segundo a qual as bases estão criadas. Que eu saiba só na multiplicação e adição é que a ordem dos factores não altera o produto.
Ao longo de 2010 esteve em voga o tema de pobreza em várias conferências. Ainda que se questione a qualidade do debate, é indubitável que o tema se revestia de uma inequívoca relevância. A começar pelo facto de 35 anos após a independência e 18 após os Acordos Gerais de Paz os níveis de pobreza ainda estarem acima dos 50%. Este indicador é dos mais preciosos para radiografar a forma como somos governados. Paradoxalmente, esta pobreza é de ano em ano escamoteada pelos dados macroeconómicos que apontam para um crescimento da nossa economia sempre muito acima das previsões. Como pode, sermos um país das marravilhas com tanta pobreza?
O primeiro-ministro dizia na entrevista, acima citada, que os dados do Inquérito do Orçamento Familiar sobre a pobreza não reflectem toda a realidade do país e que devíamos fazer um estudo que se aproximasse mais ao senso comum, que reconhece que muita coisa mudou na vida das pessoas. De facto, muita coisa mudou no país. Mas se essas coisas conduziram a mudanças na vida das pessoas não sei. Mais estradas, escolas e hospitais foram construídos, mas não sei se nessas escolas há professores para leccionarem, se nos hospitais há técnicos de saúde e equipamentos para servir a população, se a maioria das infra-estruturas servem os interesses da população naquilo que são as suas necessidades prementes de produzir e ter acesso aos mercados. Quem monitora e avalia o impacto dessas infra-estruturas? Que estudos são feitos para definir a prioridade de uma ou outra infra-estrutura? E mais ainda, até que ponto há participação comunitária na definição das estratégias adoptadas. E quando há auscultação quem é ouvido?
A factura de tudo que está mal é sempre depositada na conta do Executivo que, aliás, democraticamente elegemos. E isto não acontece à toa. O Governo é o representante do povo e tem poderes para conduzir o nosso destino, pelo menos enquanto se mantiver legítima a sua posição. Se padecer de alguma anemia governativa cabe a si renunciar e deixar quem se sente capaz tomar a vez. Nós não queremos ser chefiados, queremos ser liderados e conduzidos a bom porto. Queremos caminhar sempre longe da doença económica mais temida: hiperinflação. Queremos preparar o pior para poder evitá-lo, transformando as riquezas que o país dispõe em riquezas de facto. Queremos deixar de ser muito ricos no discurso e muito pobres na prática.
A abundância de recursos naturais alimenta um optimismo muito grande em relação ao futuro, mas se não definimos hoje o caminho a seguir, certamente que caminharemos sempre ao lado de uma grande oportunidade na história do tempo, alimentado o ego com discursos armadilhados. Não queremos ser ricos por ter muitos recursos valiosos e uma posição geográfica estratégica, mas por usufruir de tudo que temos e tornarmo-nos valiosos e parceiros estratégicos. Que 2011 seja o ano da esperança renovada. Que o Governo seja mais transparente na gestão do destino do país e que saiba emprestar os ouvidos à nação. Que 2011 seja um ano novo na superação dos desafios.
Feliz 2011!

Olívia Massango, O País

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