Friday, 1 October 2010

E se nos esquivássemos do tiro de Chipande e nos concentrássemos na pobreza que nos está a fragilizar?

A este ritmo da perda de consciência, não tenho dúvidas que, daqui a 10 anos, assistiremos a um festival de revelações sobre o que aconteceu na luta de libertação.
Afinal, é contradição entre o discurso e a realidade. É isso mesmo. É que mais do que fragilizarmos a pobreza, conforme tenta demonstrar o discurso político, ela está a fragilizar-nos. Este discurso vem provar aquilo que tenho vindo a dizer, que apostamos muito nos discursos políticos de bradar os céus, pela beleza e pela facilidade da sua reprodução. Discursos mais empíricos do que científicos, baseados na percepção aérea sobre a pobreza do que na investigação e pesquisa nas zonas rurais e urbanas.
Ora, a questão é: com que bases o Governo vem dizendo que “estamos a fragilizar a pobreza”? A redução da desnutrição? A taxa de escolarização primária líquida e taxa de escolarização secundária líquida? Acesso a um posto de saúde em menos de 55 minutos a pé?
Contudo, o relatório (oficial) do Governo, chancelado pelo Ministério da Planificação e Desenvolvimento, apresenta não só uma realidade preocupante, como também dura, nua e crua. Nos últimos seis anos, a pobreza nacional, além de baixar, subiu, passando dos anteriores 54.1% para 54.7%.
Se de acordo com o relatório, nos últimos seis anos, conseguimos reduzir a pobreza urbana em - 0.7%, já não podemos dizer o mesmo da pobreza rural, que, no mesmo período, cresceu 1.4%, o que faz com que a pobreza nacional esteja nos 54.7%. Isto faz com que se questione o impacto dos 7 milhões de meticais drenados anualmente em nome do projecto “Distrito como pólo de desenvolvimento”. É que se esse projecto tivesse um impacto muito forte, o orçamento familiar também iria melhorar. No entanto, ao invés de melhorar, mesmo com esse dinheiro, o orçamento familiar não registou melhorias nos distritos.
Coisa interessante é que desde que o actual Governo começou, em 2005, a investir forte no discurso político de combates (1) à pobreza, (2) ao deixa-andar, (3) ao burocratismo, (4) à corrupção, (5) à preguiça - com cultura de trabalho - e (6) à pobreza mental, a pobreza nacional também atacou fortemente o nosso tecido social, fragilizando-o cada vez mais. Daí as manifestações populares.
Na verdade, o que aconteceu nos últimos seis anos (2002/3 – 2008/9) foi uma contradição entre o discurso político e a realidade que se vive no país em que esse mesmo discurso era difundido, como, por exemplo, dizer que “Estamos a fragilizar a pobreza”, quando, na verdade, é a pobreza que nos está a fragilizar.
Não restam dúvidas, até porque os dados provam isso, que fragilizamos substancialmente a pobreza no período entre 1996/7 e 2002/3, quando saímos de 69.4 para 54.1%, uma redução na ordem de -15.3%. Curiosamente, foi no período do “espírito de deixa-andar”, do burocratismo e de corrupção. Infelizmente, ao invés de discutirmos o problema da pobreza, que é o mais grave, estamos a discutir, nestas alturas, a autoria do primeiro tiro da luta de libertação nacional. Aliás, a grande virtude do Governo (da Frelimo) reside no facto de, nos momentos de crises sociais, inventar polémicas para desviar a atenção de muitos do essencial: a crise económica-financeira e social em que vivemos.
A discussão sobre a autoria do primeiro tiro faz-me lembrar a teoria de que o ser humano, à medida que a sua idade avança, a sua mentalidade regride, chegando ao estágio em que essa mentalidade roça a infantilidade. Creio que é o que está a acontecer, neste momento. À medida que os libertadores da pátria atingem a terceira idade, vão perdendo a consciência do que dizem e revelam segredos que há 46 anos estavam fechados a sete chaves.
A este ritmo da perda de consciência, não tenho dúvidas que, daqui a 10 anos, assistiremos a um festival de revelações sobre o que aconteceu na luta de libertação. Ninguém quer morrer com o seu segredo, com um nó na garganta.
Não bastou a revelação de que Eduardo Mondlane morreu em casa de Bety King e não no seu gabinete, conforme está plasmado na nossa história.

Lázaro Mabunda, O País

No comments: