Da Capital Do Império
Por Jota Esse Erre*
As teorias da conspiração servem para explicar o que não podemos compreender, clarificar ou aceitar. Explicar um acontecimento azarento ou a morte de um ente querido a “mau feitiço” é exemplo disso. Ao fim e ao cabo não há significado nenhum no acaso e o acaso tira-nos o sentido que nós temos de controlar os acontecimentos. Por isso para um governo totalitário detentor da “verdade histórica” isso é também inaceitável. Nada como uma boa conspiração para o explicar.
Ao mesmo tempo as teorias da conspiração servem também para se evitar assumir responsabilidades. Daí que os regimes totalitários detentores da tal “verdade histórica” e das certezas da sua infalibilidade, procurassem inimigos onde eles não existiam, buscando culpados para falhanços inerentes do sistema, definindo mesmo alguns “o inimigo” antes de ele existir. Ou muitas vezes procurando conspirações pelo acaso ou simples erros humanos ou por aquilo que acontece frequentemente mas que a natureza do regime –respirando conspirações , incapaz ainda de poder aceitar responsabilidades por erros cometidos - impede de aceitar.
Isto duplica-se quando dois regimes da mesma natureza estão envolvidos num evento que tem consequências trágicas e que é produto de um erro trágico, mas humano, mas que os dois regimes - pela sua natureza - são incapazes de aceitar por verem no erro humano o exemplo inaceitável das suas limitações e insuficiências e por temerem infantilmente as consequências disso. Mbuzini é exemplo claro de tudo isto.
O que é espantoso é que 24 anos após a morte de Samora Machel, e numa altura em que a liberdade de expressão torna por exemplo possível esta coluna, as figuras (directas e próximas) do “ancient regime” continuem a insistir (pelo menos em público) que o desastre de Mbuzini foi resultado de uma conspiração sul africana que colocou um rádio farol falso para enganar o piloto soviético. Conspiração essa que pela natureza técnica do rádio farol (não faz levantar ou baixar aviões) teria que envolver poderes mágicos para levar o piloto a pensar que não havia luz no Maputo, forçar o piloto a ignorar outros instrumentos para saber onde estava, a não levar a caos os “checks” requeridos, a baixar o avião e ignorar os avisos de aproximação de terreno. Não é de admirar que dado o ridículo desta teoria “à la James Bond” a mesma se alastre agora para afirmações que membros do regime estariam também envolvidos na conspiração. Ou que a morte de Samora foi uma conspiração dos soviéticos e sul africanos. Presumo que nestas vastas teorias os peritos internacionais que participaram na investigação estarão também envolvidos bem como a Organização Internacional de Aviação Civil que aceitou o relatório final. Os russos, que começam agora publicamente a reconhecer que tudo não passou de erro humano, estarão também, claro está, envolvidos na conspiração.
O que é de admirar é que 24 anos após a morte de Samora Machel se continue a insistir oficialmente numa teoria que embaraça todos, incluindo as autoridades na África do Sul, que anualmente têm que repetir a fita de que as investigações prosseguem. Não prosseguem porque do outro lado da fronteira todos sabem que não há nada para investigar. A realidade tem a tendência de não se conformar a presunções ideológicas ou infantilidades políticas.
O que é de admirar é que 24 anos após a morte de Samora Machel não haja ninguém ligado às estruturas do poder moçambicano que tenha a coragem de afirmar que - no mínimo - chegou a altura de “virar a página”. Isso bastaria creio eu.
Ao fim e ao cabo, um destacado dirigente da Frelimo teve a coragem de dizer isso quando interrogado no estrangeiro por moçambicanos sobre as mortes de Urias Simango e Joana Simião. Para bom entendedor meia palavra basta.
Uma nação - disse alguém - é um grupo de pessoas unidas por uma visão errada do passado. E todos nós sabemos que a história oficial está toda ela cheia de mitos (senão mentiras descaradas), muitas vezes difíceis de desvendar. Só que neste caso é um insulto a todos os moçambicanos persistir com uma teoria de conspiração (a do rádio farol que teria causado o acidente) que qualquer técnico com os mínimos conhecimentos de aviação sabe não ser possível.
Mas pensando bem, isso talvez não seja de admirar. Ao fim e ao cabo, muitos do partido no poder acreditavam que a função do povo não é pensar. “Quem pensa é o comité central”, disse uma vez um deles.
Talvez continuem a pensar assim.
SAVANA – 15.10.2010, citado no Diário de um Sociólogo
Por Jota Esse Erre*
As teorias da conspiração servem para explicar o que não podemos compreender, clarificar ou aceitar. Explicar um acontecimento azarento ou a morte de um ente querido a “mau feitiço” é exemplo disso. Ao fim e ao cabo não há significado nenhum no acaso e o acaso tira-nos o sentido que nós temos de controlar os acontecimentos. Por isso para um governo totalitário detentor da “verdade histórica” isso é também inaceitável. Nada como uma boa conspiração para o explicar.
Ao mesmo tempo as teorias da conspiração servem também para se evitar assumir responsabilidades. Daí que os regimes totalitários detentores da tal “verdade histórica” e das certezas da sua infalibilidade, procurassem inimigos onde eles não existiam, buscando culpados para falhanços inerentes do sistema, definindo mesmo alguns “o inimigo” antes de ele existir. Ou muitas vezes procurando conspirações pelo acaso ou simples erros humanos ou por aquilo que acontece frequentemente mas que a natureza do regime –respirando conspirações , incapaz ainda de poder aceitar responsabilidades por erros cometidos - impede de aceitar.
Isto duplica-se quando dois regimes da mesma natureza estão envolvidos num evento que tem consequências trágicas e que é produto de um erro trágico, mas humano, mas que os dois regimes - pela sua natureza - são incapazes de aceitar por verem no erro humano o exemplo inaceitável das suas limitações e insuficiências e por temerem infantilmente as consequências disso. Mbuzini é exemplo claro de tudo isto.
O que é espantoso é que 24 anos após a morte de Samora Machel, e numa altura em que a liberdade de expressão torna por exemplo possível esta coluna, as figuras (directas e próximas) do “ancient regime” continuem a insistir (pelo menos em público) que o desastre de Mbuzini foi resultado de uma conspiração sul africana que colocou um rádio farol falso para enganar o piloto soviético. Conspiração essa que pela natureza técnica do rádio farol (não faz levantar ou baixar aviões) teria que envolver poderes mágicos para levar o piloto a pensar que não havia luz no Maputo, forçar o piloto a ignorar outros instrumentos para saber onde estava, a não levar a caos os “checks” requeridos, a baixar o avião e ignorar os avisos de aproximação de terreno. Não é de admirar que dado o ridículo desta teoria “à la James Bond” a mesma se alastre agora para afirmações que membros do regime estariam também envolvidos na conspiração. Ou que a morte de Samora foi uma conspiração dos soviéticos e sul africanos. Presumo que nestas vastas teorias os peritos internacionais que participaram na investigação estarão também envolvidos bem como a Organização Internacional de Aviação Civil que aceitou o relatório final. Os russos, que começam agora publicamente a reconhecer que tudo não passou de erro humano, estarão também, claro está, envolvidos na conspiração.
O que é de admirar é que 24 anos após a morte de Samora Machel se continue a insistir oficialmente numa teoria que embaraça todos, incluindo as autoridades na África do Sul, que anualmente têm que repetir a fita de que as investigações prosseguem. Não prosseguem porque do outro lado da fronteira todos sabem que não há nada para investigar. A realidade tem a tendência de não se conformar a presunções ideológicas ou infantilidades políticas.
O que é de admirar é que 24 anos após a morte de Samora Machel não haja ninguém ligado às estruturas do poder moçambicano que tenha a coragem de afirmar que - no mínimo - chegou a altura de “virar a página”. Isso bastaria creio eu.
Ao fim e ao cabo, um destacado dirigente da Frelimo teve a coragem de dizer isso quando interrogado no estrangeiro por moçambicanos sobre as mortes de Urias Simango e Joana Simião. Para bom entendedor meia palavra basta.
Uma nação - disse alguém - é um grupo de pessoas unidas por uma visão errada do passado. E todos nós sabemos que a história oficial está toda ela cheia de mitos (senão mentiras descaradas), muitas vezes difíceis de desvendar. Só que neste caso é um insulto a todos os moçambicanos persistir com uma teoria de conspiração (a do rádio farol que teria causado o acidente) que qualquer técnico com os mínimos conhecimentos de aviação sabe não ser possível.
Mas pensando bem, isso talvez não seja de admirar. Ao fim e ao cabo, muitos do partido no poder acreditavam que a função do povo não é pensar. “Quem pensa é o comité central”, disse uma vez um deles.
Talvez continuem a pensar assim.
2 comments:
Claro que não houve conspiração alguma.
Isto tudo cheira a muito 'esturro'.
Existe a hipótese de que o piloto e membros da tripulação estivessem embriagados.
Quando S. Machel morreu, nasceu uma nova luz em Moçambique e soprou o vento da liberdade para a maioria do povo.
Abençoado seja a Entidade que tornou o sonho da maioria do povo em realidade, o sonho do fim da ditadura e do começo de um amanhã com cheiro a liberdade.
Maria Helena
Penso que nunca iremos saber a verdade sobre Mbuzini.
Acho muito estranho o mito que se criou à figura de Samora!
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