Quem é Daviz Simango?
Daviz Simango é moçambicano. Hoje, exerce várias funções, com destaque para as de presidente do Movimento Democrático de Moçambique (MDM) e presidente do Conselho Municipal da Cidade da Beira. Pai de dois filhos, sendo o mais velho Urias Simango e o mais novo Luís Simango. Sou casado com Clara Simango, que terminou o curso de Direito na universidade Jean peaget. Vou fazendo a minha vida feliz com a minha família.
Como caracteriza a sua infância?
A minha infância é igual à de toda a criança moçambicana, mas com a particularidade de ter sido filho de Urias Simango e da Celina Simango, pessoas que participararam e estiveram envolvidas no processo de luta de libertação nacional, a luta armada, e cujo destino quis que nós nascéssemos em terras alheias.
O meu irmão mais velho nasceu no Zimbabwe, eu, em Dar-es-salam, quando ainda se estava a preparar a luta de libertação nacional, e o mais novo, que foi assassinado em portugal, nasceu em Goa.
Portanto, o destino dos nossos pais de se movimentar de um lado para o outro, à procura da liberdade e a libertação do país, bem como a sua indepedência, fez-nos nascer em diferentes frentes.
Para mim, foi uma infância de patriotismo, pois viámos aquelas movimentações todas, convivendo com pessoas que hoje são ministros, algumas já presidiram à República. Trata-se de pessoas compatriotas, que tinham a tarefa de libertar o país. Era normal conviver com elas, tendo em conta que eram muito mais velhas.
E com a família, como é que viviam?
Na família, vivemos muito bem. o nosso pai era alguém que pouco parava em casa, aliás, quando eu nasci, ele não estava em casa e a minha disse que eu seria Daviz Mbepo Simango, um nome que vem da minha língua materna, uma coincidência com o nome do meu bisavô.
Qual era a relação entre o seu pai e os outros membros da Frelimo?
Como deve saber, o meu pai era vice-presidente da Frente de Libertação Nacional. Portanto, a relação era profissional, eles iam visitar-nos. Era uma relação de amizade, de trabalho e, de certeza, nós aparecíamos lá como os filhos do vice- presidente e, quando batíamos a porta, cumprimentavamo-nos. Era uma vida de compatriotas.
Infelizmente, muitos deles morreram. Refiro-me, por exemplo, a Silvestre Nungo, que morreu assassinado; ao próprio Eduardo Mondlane, que gostava de passear com Lutero, meu irmão mais velho; Covane; ao próprio ex-presidente Joaquim Chissano, que gostava de conviver connosco.
Perdeu os seus pais quando tinha 20 anos. Como é que encarou essa situação?
Não, eu perdi os meus pais quando tinha 10 anos. Até que, quando vivíamos na Tanzania, o meu pai fez uma coisa muito interessante: preparou-nos politicamente. Lembro-me perfeitamente que, muitas vezes, ele nos chamava e dizia: meus filhos, isto é uma pistola e mata. E, esta pistola é manejada desta forma.
Começou a ensinar-nos como usar uma pistola e, depois, dizia: nunca devem fazer aquilo que vos ensinei, senão matam-se entre vocês, ou matam pessoas inocentes.Qualquer dia que apanharem uma pistola, por favor, não a manobrem. Portanto, estávamos treinados politicamente para manejar a arma e para a convivência política no mundo.
Relativamente à situação política da altura, lembro-me que o nosso pai conversava muito connosco e ensinava-nos, de facto, o que era ser comandante e como liderar, pois isso era muito importante para os comandantes. Depois, explicava-nos ainda a respeitar as diferenças política da altura.
Depois da morte de Eduardo Mondlane, o seu pai viveu momentos difíceis na Frelimo. Chegou a explicar o que estava a acontecer?
Bom, Eduardo Mondlane morreu numa altura muito turbulenta. Certa vez, quando fomos a Cairo, o nosso pai explicou-nos o que estava a acontecer, na altura. Infelizmente, há muita informação que ainda não foi revelada neste país. Entretanto, penso que à altura própria muitos terão que contar.
Seja como for, sentimo-nos amparados por ele e vimos nele um homem com muita coragem, determinação. Vimos, enfim, um homem que tinha os seus ideiais. Ele achava que tinha de defender os seus ideiais, não concordava com muitas situações negras que aconteciam na altura, desde os assassinatos que tinham lugar nas frentes às mortes de pessoas inocentes. A morte de eduardo mondlane não nos agradou, mas ele fazia parte da lista, pois havia uma encomenda também para si. Eram situações da época.
Havia mesmo uma encomenda para ele?
Sim, havia! Na altura, ele não estava em casa e não foi possível fazer essa encomenda. Seja como for, na altura, nós tinhamos de dizer que ninguém tinha de tirar a vida ao outro. Independemente daquilo que as pessoas pensam ou têm na mente, é importante que se respeite e que haja amor pelo próximo. E, sobretudo eu sou de cariz relegiosa e defendo essa posição.
DEPUTADOS TOMAM POSSE
Deputados do MDM vão tomar posse ou vão seguir o caminho da Renamo?
Sou presidente e o que nós fizemos em três meses demonstrou ao mundo que é possível alcançar a vitória em Moçambique, e é isso o que vamos fazer. Todos aqueles que votaram no MDM tinham a consciência de que este iria criar roturas e que iria estar na Assembleia da república evitando qualquer tipo de conflito. Avançamos para que todos apostassem no MDM como uma alternativa. Estamos na ARAR e demonstraremos que estamos lá.
Olhando para as ambições do MDM, vai concorrer às eleições autárquicas de 2013 e gerais de 2014?
Vamos avançar com este próposito de concorrer, pois o MDM existe exactamente para concorrer e responder aos desafios do país. Devemos ter a consciência de estar nas assembleias provinciais e nas autárquias de modo a criar uma representatividade ainda maior do MDM.
Daviz Simango em discurso directo
Agora como adulto, que interpretação faz dos argumentos usados para condenar os seus pais à pena capital?Hoje, certamente que as pessoas que assinaram as sentenças não o podiam fazer. Tivemos o caso da África do Sul sob o regime do apartheid e vimos Mandela, Mbeki e outros que, na altura, tinham sido condenados naquele país, mas não foram assassinados. E, hoje, a África do Sul vive um momento de reconciliação, onde todos podem participar no desenvolvimento do país. Se isso tivesse acontecido em Moçambique, não teríamos tido a situação da luta pela democracia, pois já teríamos compreendido que era necessário e possível conviver entre todos os moçambicanos, apesar das diferenças ideológicas.
Será que, alguma vez, um membro do regime pediu-vos desculpas?
Antes, nós compreendemos que a justiça deve ser feita pelo tribunal e a sentença deve ser feita nos órgão apropriados. Não é uma regra aceitável condenar os outros, visto que nenhuma pessoa por iniciativa própria pode matar. Nós tivemos um país, na altura, com campos de concentração, onde as pessoas eram assassinadas. Chamava-se a população para assistir ao fuzilamento. Trata-se de situações que, hoje, julgo eu, não se iam admitir. Houve moçambicanos que não queriam acreditar no que estava a acontecer e não concordavam com a forma de governar o país. Por conseguinte, decidiram entrar para as matas e lutar para a democracia, para a liberdade de expressão, de organização e de todos os demais direitos fundamentais do homem.
Ora, indo especificamente à sua questão, a resposta é “não”. Talvez alguns farão um dia. E, as pessoas que assinaram para que isso acontecesse devem evitar abrir esses dossiers. Contudo, a forma como algumas pessoas têm encarado esse assunto acaba pondo em perigo as nossas crianças, que poderão começar a interpretar isso como algo normal. Alguns aparecem a dizer, por exemplo, que foi uma cultura da época ou porque na altura era justicável. São coisas que podem pôr em perigo a consciência das nossa crianças.
Como é que encararam a morte dos vossos pais?
Como disse, nós fomos bem formados politicamente, mas deve imaginar como é que uma criança fica quando vê seus pais serem assassinados. Em todo o caso, nós fomos pessoas maduras, pessoas que sabem que devem construir a nação moçambicana e que essa contrução da nação moçambicana é um processo. Portanto, o importante, neste momento, é que temos de ter a consciência de que não devemos matar os outros por divergência políticas ou ideológicas, pois há uma necessidade de reconcialiação.
Nos manuais de história de Moçambique, diz-se que Urias Simango foi reaccionário e que, por conta disso, lhe foi aplicada a pena capital. Como encarou essa matéria na escola? Qual era a reacção do professor e dos seus colegas?
Eu não passei por essa altura, mas também quando nós estávamos a estudar, os professores sabiam quem éramos e evitavam falar, tendencialmente, dessas coisas. Tivemos muito amor dos professores. Sempre nos diziam que a nossa preocupação deviam ser os estudos e não aquilo que estava a acontecer. Diziam também que eles eram somente professores, funcionários que estavam a cumprir às ordens e que nunca nos iriam ofender, porque sabiam o que estava a acontecer. E, fomos estudando. Ora, quem passou por isto foi o meu filho mais novo.
Não teve receio de dar nome do seu pai ao seu filho?
Bem, nós tivemos familiares que não deixavam o apelido Simango aparecer nos documentos, porque naquela altura era motivo de prisão e até para ir ao campo de reeducação. E, no nosso caso, nós dissemos que não havia nenhum problema em usarmos o nosso apelido, pois era aquilo e é isso o que nós herdámos. Pensamos que isso não nos afecta em nada.
Terão recebido apoio de algumas figuras proeminentes da Frelimo, naquele momento, ou foram abandonados à vossa sorte?
Olha, naquela altura, reinava medo no seio deles porque havia interesses eventuais que cada um tinha. Outros tinham medo de ser fuzilados, de ir ao campo de reeducação. E, nós pensamos que muitos escondiam-se. Portanto, vivemos à custa dos familiares, que foram muito fortes, pois sofreram perseguições e passaram por várias situações.
E, hoje?
Bem, hoje já conversámos abertamente com muitos deles. Mesmo quando Chissano era presidente, conversávamos e sentavámo-nos à mesma mesa para convivermos. Mesmo com Guebuza e com vários outros antigos combatentes temos conversado. Esses antigos combatentes a que me refiro dizem desconhecer as reais causas do aconteceu. Mais: dizem que não tinham voz para reclamar e negar e, se o fizessem, entravam no mesmo saco. Seja como for, as coisas tem melhorado.
Quantas figuras lhe fazem recordar os antigos momentos? Joaquim Chissano, Guebuza...
Bom, é preciso dizer que não éramos tão crianças, éramos crianças adultas. Como dizia, éramos crianças muito bem formadas, sabíamos de muita coisa que estava a acontecer ali, inclusive escondíamos muitos guerrilheiros em nossa casa. Éramos crianças muito bem informadas. No fundo, todos recordam-me, mas de diferentes formas.
Como é que Daviz Simango aparece na arena política?
É uma situação que vem de há anos. só para lembrar, o meu bisavô paterno, Mbepo, estava associado ao regulado, pois ele era o ancião da igreja. Mais tarde, foi-lhe dada a oportunidade de ser régulo e ele aceitou. posteriormente, o regulado passou para a família Cumbaza, que são nossos primos. Meu avô já caminhava com Ngungunhane e, em casa, existem fotografias onde ele aparece com Ngungunhane.
Ainda é preciso compreender que a primeira revolta contra os portugueses aconteceu em Machanga e o meu avô estava envolvido nessa revolta. Foi por isso que parou em São Tomé, deportado no âmbito de trabalho forçado. Mesmo cá, ele foi vítima de trabalho forçado.
A minha mãe foi a primeira mulher que liderou as mulheres na luta de libertação nacional. Uma mulher muito combatente e era descedente dos Muchangas, que eram guerrilheiros.
Portanto, esse sangue todo criou em nós uma vontade política, mas a nossa mãe advertiam-nos que nos formássemos, primeiro e, só depois, passássemos para a política. E, de facto, acatámos esse comamdo. Era preciso estudar. Quando fui à faculdade de engenharia, indicaram-me para o curso de Engenharia Química, mas eu queria engenharia civil. Quando pedia para mudar de curso, não me deixavam e diziam que eu era miúdo. Só depois, quando o reitor era o Dr. Ganhão, consegui mudar de curso. E, durante o percurso estudantil, no “Self”, a vida era difícil, comia-se mal e acabamos fazendo aquela primeira manifestação de estudantes. Fui uma das pessoas que estavam a liderar o grupo. Tratou-se da primeira manifestação na universidade. E, assim, continuámos a fazer política, embora não de forma tão activa.
Voltaria à Renamo?
Não!
Nem que Afonso Dhlakama e o partido Renamo lhe peçam desculpas?
Não, não voltaria à Renamo.
Porquê?
É preciso compreender que o que estamos a fazer hoje, como MDM, é um chamamento de uma parte de moçambicanos. Esse chamamento puxa-nos às responsabilidades que nos exigem uma formação política séria. Nós precisamos de um partido que possa ser alternativa nesse país, daí que avancemos com o MDM, com o galo. É isso o que estamos a fazer, cumprir com aquilo que é o anseio de muitos moçambicanos.
De quem veio o conselho de concorrer à presidência da República?
Quando nós criámos o MDM, a nossa intenção era evitarmos os dois terços do partido Frelimo, mas depois dos resultados das eleições autárquicas apercebemo-nos que estavam criadas as condições para que a Frelimo conseguisse os tais dois terços. Nós achámos que isso era mau para a democracia em Moçambique.
A candidatura de Daviz Simango à presidência, à partida, era para puxar o galo. Se verificar bem, vai notar que entre o MDM e Daviz Simango há pessoas diferentes, e era necessária a força de Daviz Simango para conseguir introduzir o máximo possível de deputados na Assembleia da República.
Não esperava algo melhor do que conseguiu?
Em quatro meses, Daviz Simango não podia concorrer como tal, mas era preciso puxar o partido, era preciso criar condições para que o próprio Daviz Simango e MDM façam um exercício a nível nacional. O que fizemos foi um muito bom exercício de aquecimento. Era preciso conhecer bem o país, porque não o conhecia tão bem assim. era preciso entrar no país, lançar Daviz Simango e preparar a semente para o futuro.
Quanto é que o MDM investiu nestas eleições?
Nós investimos muito. Através das quotas dos membros, colocámos uma viatura em cada província. Mantemos algumas sedes operacionais até hoje. temos algumas dívidas de sedes e ainda temos que pagar algumas viaturas. O dinheiro da CNE não foi nada. O MDM a nível nacional lançou só 50 mil camisetas, que custaram de 1.4 milhão de meticais. Se formos a falar de material de propaganda, todo o dinheiro que recebemos foi para este efeito.
Não tem outras fontes de rendimento?
Nós gostaríamos de ter doadores, amigos estrangeiros, milionários a apoiar o partido mas, infelizmente, não temos. Lembro-me que alguém me perguntava se recebiamos dinheiro da Europa, não recebemos dinheiro de nenhum lado, o que temos é boa-fé, temos a nossa capacidade de gestão.
Qual vai ser a sustentabilidade do MDM nos próximos tempos para penetrar no país real?
Nós temos a consciência de que estámos a fazer política, e isso vai precisar de muitos recursos quer financeiros quer humanos e, sobretudo, a nossa disponibilidade como membros seniores do partido para levar avante aquilo que são as nossas pretensões. O MDM não vai olhar muito para os meios provenientes da Assembleia da República, para poder organizar-se e trabalhar. Vai, sim, olhar para uma possibilidade de uma filosofia empresarial. Portanto, o que nós queremos é que o MDM a partir dos seus quadros possa identificar algo, no âmbito duma filosofia empresarial, que possa garantir que haja recursos financeiros provenientes do trabalho e do suor dos próprios membros.
Quais vão ser as áreas?
Já temos, pelo menos, quatro áreas identificadas, mas por questões de ética partidária não convém falar neste momento.
Os resultados das eleições passadas mostram que o MDM tem força nas zonas urbanas do que nas rurais, onde a Frelimo está cada vez mais forte. Como pensam em penetrar nessas zonas?
Temos agora cinco anos de trabalho nas zonas rurais. A estratégia do partido faz questão de ser uma coisa interna, mas terão a oportunidade de ver os quadros do MDM a circular de lés-a-lés nas zonas rurais. Nós vamos trabalhar e vamos conseguir conquistar as zonas rurais e vamos conseguir consolidar a zona urbana.
Vai concorrer na Beira?
São tipos de perguntas que sempre relego aos órgãos do partido. Quando chegar a vez, os órgão do partido vão decidir quem é que vai concorrer. O tempo dirá o que vai acontecer, é uma questão de esperarmos. Há quem diga que uma das soluções para o actual cenário político é a união dos partidos de oposição, Renamo, MDM e PDD (...). Unificar para fazer o quê? O importante é que cada partido trabalhe arduamente e que cada partido conquiste espaço. Cada organização política terá de fazer o máximo de si, buscar confiança das e nas pessoas. O MDM não vê uma vantagem clara em se unir aos outros partidos. Uma coisa é os partidos defenderem lugares na AR, outra é apresentar um projecto de dimensão nacional, uma tese que convença os moçambicanos. Isto é que é mais importante. Sempre apresentaremos argumentos que levem os moçambicanos a reflectir.
( O País, 07/01/10)
5 comments:
O pais: "Vai concorrer na Beira?"
Daviz: "São tipos de perguntas que sempre relego aos órgãos do partido. Quando chegar a vez, os órgão do partido vão decidir quem é que vai concorrer."
hehehehehe, granda piada.
Quando a Renamo decidiu não recandidatar-lhe, ele rebelou-se contra a decisão dos órgãos do partido e decidiu candidatar-se como independente.
Caso para perguntar: será que desta vez vai aceitar se o actual partido optar por um candidato que não seja ele?
Carlos
Excelente entrevista!
Acho muito bem que MDM ou qualquer outro partido tenha surgido para evitar os 2/3 da Frelimo na AR, pois esta já mamou e abusou o suficiente.
Maria Helena
Carlos, vamos recordar o que realmente aconteceu.
A Renamo tinha decidido que Daviz seria o candidato da Renamo mas um grupo de intriguistas influenciou Afonso Dhlakama para que mudasse a sua decisão. A decisão de retirar a candidatura de Daviz foi tomada á revelia das bases e não houve consenso, a maioria dos notáveis do Partido não concordaram com essa decisão.
Esta é a verdade, o resto é pura especulação.
Maria Helena, espero que também tenha lido a entrevista inserida no Magazine Independente.Lendo com atenção as duas entrevistas ninguém pode ficar com dúvidas de que está ali um projecto muito credível.
Li, sim, obrigada.
Acredite que estou por cima do acontecimento...
Maria Helena
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