SR. DIRECTOR!
Agradeço antecipadamente a publicação deste ponto de vista no matutino que dirige. Recentemente realizaram-se as quartas eleições gerais do país. Paralelamente, testemunhou-se o ‘pontapé de saída’ das eleições provinciais. Ao todo foram três processos eleitorais (legislativas, presidenciais e provinciais) antecedidos pelas eleições autárquicas de 2008.
Apesar de todas as sinuosidades e contestações, como sempre, o país é considerado um exemplo de sucesso no desenvolvimento da democracia. A condução de processos eleitorais e o ritmo de crescimento (e desenvolvimento???) têm sido referenciados como exemplos.
Como um ‘país democrático’, apesar da (pré) dominância de um partido – Frelimo, muitos partidos concorreram nestas eleições. As promessas não faltaram. A partir da velha cantiga de “acabar com a pobreza”, aos “mais empregos”, “mais oportunidades para juventude” até a “repartição equitativa de poder”.
Com os prós e contras, méritos e fraudes, venceram os que se comprometeram em acabar com a pobreza. Este slogan, “o acabar com a pobreza”, irá parametrizar as ‘estratégias de desenvolvimento’ do país nos próximos cinco anos, daí o interesse em me debruçar sobre ele e, sobretudo, sobre as estratégias de desenvolvimento do país e alguns males que flagelam a nossa sociedade.
Se antes da assinatura dos Acordos de Paz de Roma (em 1992) a guerra dos dezasseis anos (ou guerra civil) foi usada como um dos principais argumentos para o fracasso dalgumas estratégias (como o PPI) e, consequentemente, para justificar a prevalência de altos índices de pobreza no país (o mais pobre do mundo em 1992), o que justifica que, dezoito anos depois, o país continue tão pobre?
Se exploram-se as nossas praias e parques, constroem-se ‘Mozais’, descobrem-se areias pesadas de Moma, gazes de Pande (e ignoram-se as pedras preciosas de Namanhumbir), porque somos pobres?
Para Guebuza, os moçambicanos são pobres porque falta-lhes atitude. Para ele, “tem que se acabar com a mentalidade miserabilista de continuar a ser pobre […] é uma mentalidade ultrapassada, é uma mentalidade a combater. Deve ser varrida das nossas cabeças […] temos que cultivar a auto-estima” (Domingo, 28 de Novembro de 2004, págs. 20-21).
Se o problema está identificado (falta de atitude), o que é feito para colmatá-lo? As estratégias são consistentes?
Apesar de se enfatizar o combate a pobreza nos discursos de Guebuza, pouco ou nada se diz sobre as estratégias (Brito, 2009). Fala-se de falta de atitude, os moçambicanos tem que abandonar a mentalidade miserabilista e cultivar auto-estima mas não se diz como, que estratégias o Governo adopta para fazer face a este problema que constitui o seu “inimigo número um”.
Autores que, como Guebuza, defenderam que a pobreza é uma questão de atitude também advogam que só a educação, a cultura e a informação podem desenvolver um povo (Pigou, 1982; Schumpeter, 1972). Só com informação é que o povo pode estar consciente de que a sua condição não é uma dádiva ou castigo divino, mas é uma conquista e, para tal, o esforço é tanto individual como colectivo.
Embora tenhamos que nos engajar todos, sem que haja um real comprometimento político, nenhuma estratégia seria eficaz. Da mesma forma que a pobreza é uma questão de atitude, é também uma questão de acção de todos e de cada um individualmente. Tem que haver um guia (o Governo) e uma estratégia concreta; Pigou já nos dá: educação, cultura e consciencialização.
Não basta a retórica sobre “acabar com a pobreza” e “desenvolver Moçambique”, não bastam as estratégias que são quinquenal, anual, semestral e até mensalmente desenhadas. Precisa-se de comprometimento e acções concretas e consistentes.
No combate a criminalidade em Moçambique, por exemplo. É comum ouvir o Ministro do Interior, Pacheco e com maior intensidade o seu vice, Mandra, a dizerem: “os criminosos, os assassinos que se cuidem. Estamos a aumentar o efectivo, vamos intensificar as nossas acções, seremos mais duros, vamos despojá-los…” (Notícias, 2005). Advoga-se que “sendo mais duro”, aumentando o efectivo acaba-se com a criminalidade.
Por mais que se aumente o efectivo de Polícias, aumentem-se armas, as patrulhas, etc, jamais poderá se acabar com a criminalidade. Os criminosos estão na sociedade. São filhos, irmãos, país, primos, maridos, etc. A sociedade é que os cria e os alberga. Ela é que pode combatê-los mas, para o efeito, precisa-se de consciencialização. Os pais, filhos, esposas, … tem que perceber que os criminosos são um mal para eles próprios e para o país como um todo e que cabe a eles, como cidadãos, como país, como filhos, como esposas, … combatê-los.
Por mais que a Polícia seja mais agressiva e que haja um polícia para cada cidadão, o que é quase impossível, os criminosos terão sempre subterfúgios. Irão existir e coabitar sempre connosco.
A questão do lixo que é quase que endémico nas nossas cidades. Embora seja da responsabilidade dos Governos Municipais, traz-nos algumas lições sobre a importância da atitude, da consciencialização dos cidadãos. Na Inglaterra, França e outros países ocidentais e não só (EUA) a consciência cidadã é forte e tem sido decisiva no combate a estes e outros problemas. Quem chupa um pequeno rebuçado sabe e sente, por si mesmo, que tem que procurar uma lata de lixo para depositar o resíduo e fá-lo. Não precisa de alguém que o controle e coaja, embora exista indivíduos destacados para o efeito.
Por mais que se aumentem contentores de lixo, de que tanto carecem as nossas cidades, aumente-se o efectivo de varredores de rua e de todo o pessoal de limpeza, o lixo, tal como a criminalidade anteriormente referida, jamais acabará.
A estratégia básica e fundamental é o reforço da cidadania e da consciência cidadã e isto só é possível com educação e cultura. É importante que isto esteja bem claro e patente nos curricula desde os primeiros anos de escolaridade. Importa reforçar as campanhas de educação cívica e esta deve ser constante e não em períodos eleitorais.
Tem que se abandonar “estratégias de bombeiro”. Tem que se deixar de ser reactivo e agir antes que os problemas aconteçam. Tem que haver maior comprometimento político e disso, o país carece.
Até breve!
* EGÍDIO ESTÊVÃO CHAIMITE, Maputo, Notícias, 12/01/10
NOTA: Este leitor do Notícias aborda de forma muito lúcida e concreta algumas questões que nos preocupam.Penso que esta carta também pode servir de contributo para um debate interessante no blog do presidente Armando Guebuza. Confira aqui.
Agradeço antecipadamente a publicação deste ponto de vista no matutino que dirige. Recentemente realizaram-se as quartas eleições gerais do país. Paralelamente, testemunhou-se o ‘pontapé de saída’ das eleições provinciais. Ao todo foram três processos eleitorais (legislativas, presidenciais e provinciais) antecedidos pelas eleições autárquicas de 2008.
Apesar de todas as sinuosidades e contestações, como sempre, o país é considerado um exemplo de sucesso no desenvolvimento da democracia. A condução de processos eleitorais e o ritmo de crescimento (e desenvolvimento???) têm sido referenciados como exemplos.
Como um ‘país democrático’, apesar da (pré) dominância de um partido – Frelimo, muitos partidos concorreram nestas eleições. As promessas não faltaram. A partir da velha cantiga de “acabar com a pobreza”, aos “mais empregos”, “mais oportunidades para juventude” até a “repartição equitativa de poder”.
Com os prós e contras, méritos e fraudes, venceram os que se comprometeram em acabar com a pobreza. Este slogan, “o acabar com a pobreza”, irá parametrizar as ‘estratégias de desenvolvimento’ do país nos próximos cinco anos, daí o interesse em me debruçar sobre ele e, sobretudo, sobre as estratégias de desenvolvimento do país e alguns males que flagelam a nossa sociedade.
Se antes da assinatura dos Acordos de Paz de Roma (em 1992) a guerra dos dezasseis anos (ou guerra civil) foi usada como um dos principais argumentos para o fracasso dalgumas estratégias (como o PPI) e, consequentemente, para justificar a prevalência de altos índices de pobreza no país (o mais pobre do mundo em 1992), o que justifica que, dezoito anos depois, o país continue tão pobre?
Se exploram-se as nossas praias e parques, constroem-se ‘Mozais’, descobrem-se areias pesadas de Moma, gazes de Pande (e ignoram-se as pedras preciosas de Namanhumbir), porque somos pobres?
Para Guebuza, os moçambicanos são pobres porque falta-lhes atitude. Para ele, “tem que se acabar com a mentalidade miserabilista de continuar a ser pobre […] é uma mentalidade ultrapassada, é uma mentalidade a combater. Deve ser varrida das nossas cabeças […] temos que cultivar a auto-estima” (Domingo, 28 de Novembro de 2004, págs. 20-21).
Se o problema está identificado (falta de atitude), o que é feito para colmatá-lo? As estratégias são consistentes?
Apesar de se enfatizar o combate a pobreza nos discursos de Guebuza, pouco ou nada se diz sobre as estratégias (Brito, 2009). Fala-se de falta de atitude, os moçambicanos tem que abandonar a mentalidade miserabilista e cultivar auto-estima mas não se diz como, que estratégias o Governo adopta para fazer face a este problema que constitui o seu “inimigo número um”.
Autores que, como Guebuza, defenderam que a pobreza é uma questão de atitude também advogam que só a educação, a cultura e a informação podem desenvolver um povo (Pigou, 1982; Schumpeter, 1972). Só com informação é que o povo pode estar consciente de que a sua condição não é uma dádiva ou castigo divino, mas é uma conquista e, para tal, o esforço é tanto individual como colectivo.
Embora tenhamos que nos engajar todos, sem que haja um real comprometimento político, nenhuma estratégia seria eficaz. Da mesma forma que a pobreza é uma questão de atitude, é também uma questão de acção de todos e de cada um individualmente. Tem que haver um guia (o Governo) e uma estratégia concreta; Pigou já nos dá: educação, cultura e consciencialização.
Não basta a retórica sobre “acabar com a pobreza” e “desenvolver Moçambique”, não bastam as estratégias que são quinquenal, anual, semestral e até mensalmente desenhadas. Precisa-se de comprometimento e acções concretas e consistentes.
No combate a criminalidade em Moçambique, por exemplo. É comum ouvir o Ministro do Interior, Pacheco e com maior intensidade o seu vice, Mandra, a dizerem: “os criminosos, os assassinos que se cuidem. Estamos a aumentar o efectivo, vamos intensificar as nossas acções, seremos mais duros, vamos despojá-los…” (Notícias, 2005). Advoga-se que “sendo mais duro”, aumentando o efectivo acaba-se com a criminalidade.
Por mais que se aumente o efectivo de Polícias, aumentem-se armas, as patrulhas, etc, jamais poderá se acabar com a criminalidade. Os criminosos estão na sociedade. São filhos, irmãos, país, primos, maridos, etc. A sociedade é que os cria e os alberga. Ela é que pode combatê-los mas, para o efeito, precisa-se de consciencialização. Os pais, filhos, esposas, … tem que perceber que os criminosos são um mal para eles próprios e para o país como um todo e que cabe a eles, como cidadãos, como país, como filhos, como esposas, … combatê-los.
Por mais que a Polícia seja mais agressiva e que haja um polícia para cada cidadão, o que é quase impossível, os criminosos terão sempre subterfúgios. Irão existir e coabitar sempre connosco.
A questão do lixo que é quase que endémico nas nossas cidades. Embora seja da responsabilidade dos Governos Municipais, traz-nos algumas lições sobre a importância da atitude, da consciencialização dos cidadãos. Na Inglaterra, França e outros países ocidentais e não só (EUA) a consciência cidadã é forte e tem sido decisiva no combate a estes e outros problemas. Quem chupa um pequeno rebuçado sabe e sente, por si mesmo, que tem que procurar uma lata de lixo para depositar o resíduo e fá-lo. Não precisa de alguém que o controle e coaja, embora exista indivíduos destacados para o efeito.
Por mais que se aumentem contentores de lixo, de que tanto carecem as nossas cidades, aumente-se o efectivo de varredores de rua e de todo o pessoal de limpeza, o lixo, tal como a criminalidade anteriormente referida, jamais acabará.
A estratégia básica e fundamental é o reforço da cidadania e da consciência cidadã e isto só é possível com educação e cultura. É importante que isto esteja bem claro e patente nos curricula desde os primeiros anos de escolaridade. Importa reforçar as campanhas de educação cívica e esta deve ser constante e não em períodos eleitorais.
Tem que se abandonar “estratégias de bombeiro”. Tem que se deixar de ser reactivo e agir antes que os problemas aconteçam. Tem que haver maior comprometimento político e disso, o país carece.
Até breve!
* EGÍDIO ESTÊVÃO CHAIMITE, Maputo, Notícias, 12/01/10
NOTA: Este leitor do Notícias aborda de forma muito lúcida e concreta algumas questões que nos preocupam.Penso que esta carta também pode servir de contributo para um debate interessante no blog do presidente Armando Guebuza. Confira aqui.
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