Tuesday 26 January 2010

Marco do correio, de Machado da Graça

Bom-dia, Jacinto

Desejo que continues de saúde, bem como todos os teus. Do meu lado tudo bem, felizmente.

Só que ando já com dores nos ouvidos, por causa de todas as sirenes que percorrem a cidade, em todas as direcções, em altos berros.

Ao longo de todo o dia e, muitas vezes, à noite lá vão as sirenes, pó-pi, pó-pi, pó-pi, a quebrar o nosso sossego e a fazer chegar a adrenalina onde ela não é minimamente necessária.

É claro que não sou contra o uso das sirenes em casos de necessidade. Uma ambulância com um doente grave, que precisa de chegar urgentemente ao hospital, está perfeitamente justificada ao usar a sua sirene. Os bombeiros, a caminho de apagar um fogo, podem e devem usar da sirene.

Até mesmo um dirigente, por qualquer motivo com urgência de chegar a um qualquer destino, pode usar desse instrumento para conseguir o seu objectivo.

O que já não concordo é que qualquer dirigente, seja a que nível for, tenha urgência ou não tenha, sinta que, pelo facto de ser dirigente tem o direito de nos sirenar o juízo.

Na zona da Malhangalene, diariamente, uma coluna de veículos da Polícia passa em direcção à

Polana-Caniço e, mais tarde, de regresso. Vão lentamente, sem nenhum sinal de que esteja a ocorrer uma emergência (de resto, muito mau seria se houvesse, todos os dias, uma emergência naquele ponto da cidade). Mas vão todos eles com as sirens a tocar. Uma barulheira louca.

Creio, portanto, que alguém deve tornar claro que o uso da sirene é um meio excepcional, utilizado para atingir algum objectivo, também ele excepcional. Não é algo para ser usado no dia-a-dia apenas para que quem vai no veículo principal se sinta uma pessoa importante.

Ou, no caso da coluna policial, para que os seus componentes sintam o poder que lhes dá esse meio posto à sua disposição para outros fins.

Creio que era útil sair uma qualquer orientação geral sobre este assunto, porque tenho a impressão de que, neste momento, é cada dono de sirene que decide se e quando a deve ligar.

E dá a impressão que há cada vez mais donos de sirenes. Todos eles com vontade de nos sirenarem a paciência.

Como se devem sentir bem, refastelados nos seus cómodos bancos, a circularem pelas ruas, enxotando para os lados os pacatos concidadãos, mesmo sem terem pressa nenhuma de chegar a qualquer lado.

Se o país avançasse à velocidade a que avançam esses sirenudos dirigentes já nós estávamos a par da Suécia em termos de desenvolvimento.

Só que já estive duas vezes na capital sueca e não me lembro de ter ouvido nenhuma sirene.

Costuma-se dizer que “cão que ladra não morde”.

Será que isto se pode traduzir por algo como “sirene não quer dizer eficiência”?

Estamos no início de um novo mandato presidencial.

Talvez seja boa ocasião para Armando Guebuza dar o recado aos membros do seu governo no sentido de calarem as suas sirenes e darem paz aos ouvidos dos moçambicanos.

Recado que, ao que suponho, só será necessário para alguns deles. Outros há que tenho visto passar sem nenhum estardalhaço desse tipo.

Porque, se isto continua assim, qualquer visitante estrangeiro vai pensar que está numa cidade em pé de guerra ou debaixo de uma enorme calamidade, tal o gritar das sirenes que a cruzam.

E, um dia que elas se possam justificar a sério, ninguém lhes vai ligar a mínima importância.

Recordo, a-propósito, que, no dia em que rebentou o paiol, andei a fazer reportagem nas zonas afectadas, quando os projeécteis ainda caíam. Só encontrei um dirigente deste país: o Ministro da Saúde, que andava de hospital em hospital a ver como estavam a responder à emergência.

E andava sem sirenes.

Os outros dirigentes, quer militares, quer policiais, brilhavam pela ausência total. Deviam estar em casa, debaixo da cama, que é onde se esconde o meu gato quando há trovoada.

E, nesse sítio, também não precisavam de sirenes...

Um abraço para ti do

Machado da Graça


(Correio da Manhã, 22/01/10)

2 comments:

Anonymous said...

Caso para se dizer: "Há mais marés do que marinheiros" - e fica sempre bem 'provar' que se está a responder a uma emergência, nem que seja só 'fogo de vista' ou 'para Inglês ver'.
Um verdadeiro espectáculo de 'show off'
Maria Helena

JOSÉ said...

Na maioria dos casos é mesmo um grande show off, eu já tive oportunidade de observar este espalhafato e fiquei estupefacto!