Sunday, 16 August 2009

Saudades do Jardim Zoológico

SR. DIRECTOR!

Agradeço a V. Excia o obséquio de mandar inserir esta carta na página dos leitores do jornal, que dirige. João “Tocuene” é o nome pelo qual sempre chamamos o macaco chimpanzé, que foi o nosso entretenimento e ponto alto de todo o espectáculo que se podia ver, viver e sentir no Jardim Zoológico de Maputo. Resolvemos um belo dia matar saudades desse grande amigo, que na nossa infância deu o seu melhor para nos alegrar. Podíamos estar nos baloiços ou à frente de jaulas de outros amiguinhos como macaco-cão, leões, o hipopótamo – o abre a boca Marracuene (o nome pelo qual a criançada chamava o hipopótamo), mas bastava ouvirmos o grito de alegria e dança que soava por todo o recinto do “zoo” já sabíamos que era o João, o “Tocuene”, e corríamos para ver o João a dançar. E nem nos cansávamos de fazer isso sempre. Depois é que voltávamos para ver o “abre a boca Marracuene”de novo ao lado da jaula dos crocodilos. Ainda havia o “olá”, falo do papagaio. Ainda lembramo-nos das cobras jibóias e mambas. As impalas e pala-pala. Das hienas e girafas apenas ouvimos os mais velhos a contarem as suas histórias.
Hoje estamos a contar as histórias do João, o “Tocuene” e lá estávamos com os rapazinhos mais novos a contar estas histórias perante jaulas e gaiolas vazias. Que triste, mas triste cenário mesmo. O senhor que limpa as jaulas dos crocodilos estava a tocar na cauda do crocodilo e isto criava arrepios e até saltávamos e admirávamos tanta coragem que ele tinha, segundo entendíamos.
Depois passamos para o palco dos espectáculos para ver Zaida e Carlos Chongo e as suas bailarinas sem deixarmos de lado os comentários sobre se o senhor das jaulas dos crocodilos usava “remédio” (magia) para domar os crocodilos ou se estes olhavam para ele como um amigo. Dentre todos quem sempre ultrapassou as nossas expectativas, foi o João, o Tocuene, pela sua dança e forma superior de estar. Ele sempre foi o mais civilizado e sábio que todos. Pedia a banana, o cigarro e depois de ser-lhe oferecido não esquecia de dar o retorno – uma dança e saltos de alegria. Uma volta giratória acompanhada de gritos de alegria e palmas. Mas parece que estamos a contar histórias do passado, que jamais se repetirão. Aos mais novos, é uma pena que estamos a falar do que não viram mas que seria bem merecido verem, hoje sem ter que viajar para muito longe! Afinal onde está o Tocuene!
Onde está o Tocuene? – perguntámos a todos com quem nos cruzávamos. Mas, onde está João Tocuene, Choramos por todo o canto. Os animais morrem por falta de comida no Jardim Zoológico. Os leões também morreram. Os macacos-cão Deus sabe o que lhes faz continuar a viver. O hipopótamo “abra a boca Marracuene” tem sorte porque vive de capim. Come capim e bebe água da sua jaula, ele anda bem disposto e gordinho. Aqueles que vivem de carne não podem sobreviver. “Os funcionários do jardim não vivem de carne, vivem de capim. Eles comem capim, comiam carne na altura em que os que vivem de carne comiam carne, hoje só Deus sabe o que eles comem”, assim falou um visitante do “zoo” que, como nós, sentia pelas suas palavras o desabafo de quem sentia a mesma dor que a nossa.
E continuou: “mesmo agora que se fala do Mundial na África do Sul, onde se diz que temos que atrair turistas, mas sobre o nosso “zoo” ninguém tem esperança. Turismo é levar pessoas para o Bazaruto para comerem o nosso peixe e camarão. As pessoas não sabem oferecer a matapa, a xiguinha e tihove aos turistas, só frango. Frango assado na brasa! Isto de Jardim Zoológico nem foi feito para turistas, é para nós. Mas somos nós que destruímos”, afirmou o mesmo visitante.
Acrescentou que os arames das jaulas são levados para fazer carrinhos de arame pelos miúdos. Os pais levam para amarrar ripas nos seus quintais de madeira e zinco. Os que vem para o “zoo” hoje vem por causa da sombra e frescura que ainda resta um pouco para os dias quentes. Um vem fumar o seu cigarro.
Uma outra voz irrompeu – antigamente os animais que morriam eram levados ao cemitério. Há um cemitério aqui no jardim. Mas se formos para lá hão-de ver que são poucos os animais que estão enterrados. Talvez haja quem comeu o leão, rimo-nos. Afinal come-se carne de leão? Perguntámos. “Vocês ainda são crianças, não sabem o que o homem pode e não pode”, respondeu.


( F. Tanguene, Notícias, 14/08/09 )

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