Participei consideravelmente das celebrações em torno da passagem de mais um ano do assassinato de Siba Siba Macuacua. Os eventos foram simples e públicos. Muito concorridos pelo Corpo Diplomático acreditado em Moçambique que pelos próprios concidadãos da vítima. O CIP, Centro de Integridade Pública organizou uma boa parte das actividades.
Um certo grupo cultural, que apresentou cantos e danças em frente ao Teatro Avenida, onde estava colocado o Banco Siba Siba chamou a atenção dos presentes com líricas que ilustravam o desespero que é da maioria da população moçambicana: aqui na terra não há justiça, teremos justiça quando formos ao céu!
De tudo que aconteceu, fiquei intrigado com somente duas questões: uma primeira que tinha a ver com o perfil dos participantes no evento e outra segunda a ver com o desespero que as pessoas vivem em busca de paz, justiça e soceguidade.
Voltei a repisar uma das ideias que sempre norteou o meu pensamento: são os regimes ou os sistemas corruptos, obscuros, segregacionistas, divisionistas, tribalistas, entre outros, que criam os rebeldes que nós conhecemos. As pessoas não são rebeldes em si. Elas são tornadas rebeldes. Há quem lhes provoca o espírito de rebeldia.
E a maior de todas as rebeldias é aquela em que os rebeldes vêm em busca de justiça, igualdade, paz e riqueza. Essa é a rebeldia justa, a que pretende destronar o império das desigualdades sociais e do saque da coisa pública em beneficio de determinadas elites. Garanto que essa rebeldia sempre vence.
Voltando às minhas questões, acho muito curioso que a justiça sobre o caso Siba Siba, excluindo a família, seja exigida mais pela comunidade internacional que pelos moçambicanos. Como disse antes, a cerimonia foi dominada por representantes do corpo diplomático. Praticamente só brancos é que estavam no local. Os poucos negros eram representantes de algumas ONGs tipo LDH e OSISA, ou então jornalistas.
Será que os moçambicanos não sentem a dor da injustiça no caso Siba Siba? Penso que sentem e se preocupam, mas a questão é seguinte: afirmar-se e preocupar-se com o caso é estar do outro lado, do lado dos apóstolos da desgraça. Do lado daqueles que só conseguem enxergar coisas ruins e não coisas boas. E essa posição não agrada a muitos moçambicanos.
Eu pelo contrário, vejo o caso Siba Siba como um caso de todos nós. Não tem diferença com todos outros casos em que a justiça nunca chegou a ser feita, com o agravante de haver simulações que não abonam ao Estado de Direito. Exigir que a justiça seja feita no caso Siba Siba, é exigir que a justiça seja feita em todos outros casos mal parados e é isso que pretendemos: que a justiça funcione no país.
Também vejo o caso Siba Siba com determinada particularidade em relação aos defensores de Direitos Humanos, aos activistas da verdade e em relação aos homens que monitoram e questionam os critérios de governação. É que se a justiça não é feita no caso Siba Siba, todos aqueles activistas ficam numa situação de vulnerabilidade absoluta. E ficam sabendo perfeitamente que se infelizmente a mesma sorte lhes sobrevier, as suas famílias e os seus amigos nunca saberão a verdade, porque não há garantias de justiça.
Não me consola o facto de termos uma sociedade que vive no medo e na desconfiança. Não me agrada o cenário em que as pessoas não conseguem se firmar e afirmar claramente qual o seu lado. Nunca nos manifestamos, nunca opinamos e nunca exigimos. Isso não é bom e me inquieta. Independentemente das motivações colectivas ou particulares que levam a esse curioso comportamento, a sociedade não merece esse tipo de cidadãos.
E qual o resultado disso tudo? O resultado é esperarmos sentados em nossas casas que a justiça seja feita no céu. Eu sou cristão e acredito na justiça divina, mas também acho que é injusto que uma geração inteira viva na esperança de ver os seus problemas resolvidos no céu. Só uma sociedade corrompida é que cria cidadãos que esperam a sua realização pessoal no céu.
Cristo dizia para dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus, esse é o mais perfeito conceito de justiça: dar a cada um o que é seu. Cristo também se preocupou com os doentes, com os famintos, com os pobres, com os sem tecto, com os desempregados e com os explorados. Chegou a multiplicar pão, a curar os enfermos e a pescar numa clara alusão de que a sociedade humana deve ser abundante material e espiritualmente.
É de chorar quando vemos pessoas a conformarem-se com a realidade acreditando que cedo irão para o céu onde viverão em paz. Penso que uma coisa não tem nada a ver com a outra, e que independentemente de sermos pobres ou ricos, o Céu é uma outra dimensão da existência humana. Cabe na dimensão espiritual e na não física. Mas quando pessoas assim cantam numa cerimonia que pretende lembrar e homenagear Siba Siba Macuacua percebemos logo o que vai nas suas cabeças.
A justiça é um direito fundamental dos cidadãos, mais do que um ideal é algo que deve fazer parte de tudo que circunda a vida das pessoas. Dai que, a exigência de garantias que em última instancia, também constituem direitos fundamentais, seja um imperativo de sobrevivência da sociedade.
Já escrevi e volto a dizer: uma justiça demorada é injustiça. Mesmo que os homens acreditem que a justiça divina sempre chegará, eles não tem a certeza de que a justiça de homens chegará, ainda mais quando as garantias fundamentais sejam fracas como no cenário em que hoje vivemos.
Quero concluir o meu argumento sublinhando que acredito na justiça moçambicana e espero que as outras pessoas, aquelas que nela também acreditam, principalmente as que labutam no sector, possam dar o seu melhor para que cedo possamos ver melhorias. Viver na incerteza é a pior coisa que se pode dar a um povo, porque cedo ele pode se fartar e buscar a certeza usando meios pouco recomendados.
Mais não disse!
( Custódio Duma, em www.athiopia.blogspot.com )
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