Tuesday, 18 August 2009

Porquê Chipande perdeu a cabeça?

Tendo sido convidado, participei na segunda-feira da semana passada, dia 3 de Agosto, no encontro em que foi anunciada publicamente a nova estrutura accionista e de direcção do Corredor de Desenvolvimento do Norte (CDN), e devo dizer que saí totalmente desiludido.
Devastado, se há algum termo mais forte.
Devastado porque para mim, aquilo que me havia sido dado a entender como tratando-se de um encontro para o anúncio de uma transacção económico-financeira de rotina para qualquer economia normal e razoavelmente saudável, acabou sendo transformado num acto político, no qual se tentou pregar uma doutrina quanto a mim retrógrada, reaccionária e que entra completamente em choque com a ideologia do desenvolvimento sustentável e equilibrado de um país moderno.
O actor principal desta peça foi o General Alberto Joaquim Chipande, que pela sua estatura na nossa sociedade, dispensa qualquer apresentação. Para tornar curta uma longa história, o que o General Chipande disse naquele encontro foi, essencialmente, que neste país a Frelimo faz o que lhe apetece, e o resto que se dane! Que os dirigentes da Frelimo têm o direito natural de enriquecerem, não importam os meios, porque lutaram para libertar o país do colonialismo.
Que são anti-patriotas os que criticam a corrupção e o uso restrito e indevido dos recursos nacionais por uma pequena elite ligada à Frelimo.
Com todo o respeito que tenho por ele e por muitos outros da sua geração, cheguei a pensar que o General pudesse estar sob influência de qualquer anti-depressivo. Porque tudo quanto ele disse contraria em absoluto o discurso formal da Frelimo de lutar contra as desigualdades, contra a pobreza e pelo estabelecimento de uma sociedade de justiça, próspera, moderna e civilizada.
Não conheci Lázaro Kavandame, mas por aquilo que já me foi dado a conhecer pela própria história da Frelimo, o discurso de Chipande assemelhava-se muito à sua narrativa. Será que a Frelimo chegou à conclusão de que estava no caminho errado, e que os ideais de Kavandame e do seu grupo representavam, em última análise, as aspirações mais altas da luta pela independência?
Fiquei com a impressão de que o que Chipande estava a dizer era o reflexo do pensamento colectivo dos dirigentes veteranos da Frelimo. De que lhes devemos favores e obediência inqualificada por nos terem libertado do colonialismo. Quem disse que os que consentem sacrifícios pela libertação ou em defesa da Pátria fazem-no por um objectivo nobre e pelo bem comum?
Ficara aparente de há uns anos para cá, que a Frelimo estava num processo de arrependimento pelas suas opções comunistas do período que se seguiu a 1977. Para muitos isso justificava o capitalismo selvagem e desumano para que muitos dos seus dirigentes se haviam atirado, numa espécie de tentativa de recuperar o tempo perdido. Agora foi bom ouvir essa confirmação de nada menos do que de uma das figuras mais iluminárias desta Frelimo.
A máscara vai caindo gradualmente. E é muito bom, para que as futuras gerações não tenham que viver com uma história esbranquiçada, como aconteceu com a geração dos filhos da geração de Chipande.
Pessoalmente, não considero traição de nenhuma espécie que os dirigentes da Frelimo, ou para esse propósito qualquer moçambicano, enriqueçam. Mas oponho-me tenazmente a uma sociedade em que uns acumulam cada vez mais e os outros, a maioria, têm cada vez menos.
Oponho-me a uma sociedade em que os ricos não o são porque criaram riqueza, mas sim porque usaram da sua influência e poder para assumirem posições como accionistas em empresas sem nunca terem posto um único centavo na mesa.
Oponho-me a um sistema em que os investidores são extorquidos e obrigados a ceder gratuitamente acções a pessoas influentes e poderosas como a única condição de poderem realizar os seus investimentos. Oponho-me a tudo isso porque se trata de um sistema que pode criar gente rica, mas não necessariamente riqueza para o desenvolvimento do país. Oponho-me porque é um sistema que distorce o mercado e a economia.
Portanto, não é contra a riqueza dos dirigentes da Frelimo que as pessoas estão revoltadas.
As pessoas estão revoltadas contra a falta de clareza na maneira como os negócios são feitos neste país, criando uma situação em que tudo quanto é negócio gravita em torno dos mesmos círculos restritos. Elas estão revoltadas contra o sistema de exclusão nas oportunidades a que estão sujeitos aqueles que não se suplicam à Frelimo. A revolta é contra aqueles que são eleitos para dirigir o país, mas que se aproveitam do seu poder para enriquecerem. E se as coisas continuarem como estão, será a geração dos netos do General Chipande que irão pegar em armas e lutar para derrubar o legado da geração dos seus avós. Dessa vez não a partir da localidade de Chai, mas sim a partir do coração e dos efervescentes subúrbios da cidade de Maputo.

( Fernando Gonçalves, no Savana de 18/08/09, citado aqui )

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