COMEÇO mesmo de chofre. Este país está a perder referências em todos os campos. Os nossos patrimónios histórico-culturais estão a desaparecer para dar lugar a lojas e outras casas de comércio e de pasto muitas vezes de carácter duvidoso. Temos agora uma cidade difusa e confusa, infestada por lojecas, algumas com sinais claros de serem barracas melhoradas. Autênticos senta-baixos. Passei há dias pelo Scala, um verdadeiro ex-líbris da capital e do país, dei de caras com uma lojeca de venda de roupa. Paradoxalmente, o nome ainda está lá imponente: Pastelaria Scala. Entretanto vendem roupa.
Do outro lado da avenida está lá outro ex-líbris, o Continental. Dizem-me que agora vai passar a banco. O John Orr´s, ali mesmo ao lado, onde os meus pais compraram o meu primeiro fato e sapatos, morreu literalmente. Também virou banco. O Prédio Pott, bom, esse até ardeu, ante a passividade de todos nós e hoje está ali feito ruína, envergonhado de ter sobrevivido ao colonialismo para sucumbir às mãos de quem prometeu promovê-lo. Ao invés de promover esses espaços, removemo-los. Com toda a sua história e saber.
Preferimos o capital à cultura. É impressionante como nos baldamos para a história e cultura referenciada pelos nossos edifícios. Se na capital é assim, que tal no resto do país?
Há dias, concretamente num domingo, ligou-me um amigo de longa data. De Quelimane. Estava bastante amuado. Dizia-me que estava farto de rotinas. Propus-lhe então que fosse assistir um filme, mas não em formato DVD. “Mas, então porque é que não pegas em ti e na tua esposa e dão um salto ao “Águia”? Acho que até vos faria bem.” Silêncio e depois uma sonora gargalhada. Não percebi nada. Parecia que tinha acabado de contar uma saga hilariante de Tom e Jerry. E o tipo já mais sério e com ares de ofendido atirou:“tás a gozar com um gajo ou quê?! Então não sabes que o Águia já não existe?!”. Fiquei mudo e quedo com a história que depois narrou. O Cine Teatro Águia virou uma ruína. Espantoso. O mesmo Águia que foi uma referência incontornável da juventude dos anos 80, e por isso um importante foco de desenvolvimento cultural. Um lugar com uma intensa programação cultural todos os dias, por isso respirando juventude. Essa mesma juventude que hoje tem construído um saber e hábitos culturais enraizados que infelizmente os nossos filhos não têm. O “Águia” tinha já na altura excelentes condições acústicas, cómodos assentos na plateia, balcão e camarotes. Era sem dúvida uma válvula de escape para os jovens, que os distraía das tendências das drogas com serviços educativos que tinham por finalidade desenvolver hábitos culturais através de actividades lúdico-pedagógicas. Os debates entre a malta, depois de cada sessão, parecendo que não, estimulavam competências criativas, críticas e expressivas. O resultado é que já na escola compreendíamos e assimilávamos com relativa facilidade variados temas de estudo. Construímos uma capacidade básica de argumentação e de crítica. Construímos o gosto e cultura pela investigação.
Que pena e saudades do meu Cinema Águia, da Fila B e da S., dos didácticos Kuxa Kanemas, do Louis de Funés, do Amithab Bachan, Hema Malini e Sharmila Tagore, do Kheoma e do Bud Spencer. E do porteiro gigante e musculoso Barone, recordam-se dele?! Não nos deixava entrar nos filmes maiores de 18 anos porque tínhamos apenas…17 anos.
Perguntem hoje o que vê e pensa um menino de 10 anos.
Salvemos o “Águia” por favor!
Ciao.
Leonel Magaia -leoabranches@yahoo.com.br
Preferimos o capital à cultura. É impressionante como nos baldamos para a história e cultura referenciada pelos nossos edifícios. Se na capital é assim, que tal no resto do país?
Há dias, concretamente num domingo, ligou-me um amigo de longa data. De Quelimane. Estava bastante amuado. Dizia-me que estava farto de rotinas. Propus-lhe então que fosse assistir um filme, mas não em formato DVD. “Mas, então porque é que não pegas em ti e na tua esposa e dão um salto ao “Águia”? Acho que até vos faria bem.” Silêncio e depois uma sonora gargalhada. Não percebi nada. Parecia que tinha acabado de contar uma saga hilariante de Tom e Jerry. E o tipo já mais sério e com ares de ofendido atirou:“tás a gozar com um gajo ou quê?! Então não sabes que o Águia já não existe?!”. Fiquei mudo e quedo com a história que depois narrou. O Cine Teatro Águia virou uma ruína. Espantoso. O mesmo Águia que foi uma referência incontornável da juventude dos anos 80, e por isso um importante foco de desenvolvimento cultural. Um lugar com uma intensa programação cultural todos os dias, por isso respirando juventude. Essa mesma juventude que hoje tem construído um saber e hábitos culturais enraizados que infelizmente os nossos filhos não têm. O “Águia” tinha já na altura excelentes condições acústicas, cómodos assentos na plateia, balcão e camarotes. Era sem dúvida uma válvula de escape para os jovens, que os distraía das tendências das drogas com serviços educativos que tinham por finalidade desenvolver hábitos culturais através de actividades lúdico-pedagógicas. Os debates entre a malta, depois de cada sessão, parecendo que não, estimulavam competências criativas, críticas e expressivas. O resultado é que já na escola compreendíamos e assimilávamos com relativa facilidade variados temas de estudo. Construímos uma capacidade básica de argumentação e de crítica. Construímos o gosto e cultura pela investigação.
Que pena e saudades do meu Cinema Águia, da Fila B e da S., dos didácticos Kuxa Kanemas, do Louis de Funés, do Amithab Bachan, Hema Malini e Sharmila Tagore, do Kheoma e do Bud Spencer. E do porteiro gigante e musculoso Barone, recordam-se dele?! Não nos deixava entrar nos filmes maiores de 18 anos porque tínhamos apenas…17 anos.
Perguntem hoje o que vê e pensa um menino de 10 anos.
Salvemos o “Águia” por favor!
Ciao.
Leonel Magaia -leoabranches@yahoo.com.br
( Notícias, 27/08/09 )
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