Decisão do Comité Central abre espaço para o debate.
A tradição, atestada pelos estatutos da Frelimo, mostra que o poder, na verdade, está no partido, mais do que no Governo. Isto é, o presidente do partido é mais poderoso do que o Presidente da República ou Chefe do Estado.
O Comité Central do Partido Frelimo decidiu, na última sessão, terminada no domingo passado, que Armando Guebuza, actual Presidente da República e do partido, é candidato à sua própria sucessão na liderança do partido governamental. Esta decisão confirma a tese de alguns membros do partido de que “Guebuza é candidato natural” para este cargo, que ocupa desde 2005. Se inicialmente esta ideia era encarada como especulação, agora já é um facto. O debate, há muito iniciado, deverá agora ganhar outros contornos, sobretudo no que se refere ao futuro do poder a nível do partido e do Presidência da República, caso o presidente seja proveniente da Frelimo. É que, a partir de 2014, caso o seu candidato ganhe eleições, a Frelimo passará a ter dois centros de poder: A presidência do partido, nas mãos de Armando Guebuza, e a da República, com uma outra figura. Quebrar-se-á, desta forma, a tradição do partido, alegada para afastar Joaquim Chissano da liderança máxima do partido, em 2005, de o presidente do partido ser, simultaneamente, Presidente da República.
Ora, a tradição, atestada pelos estatutos da Frelimo, mostra que o poder, na verdade, está no partido, mais do que no Governo. Isto é, o presidente do partido é mais poderoso do que o Presidente da República ou Chefe do Estado. Segundo as alíneas 1 e 2 do artigo 63 dos Estatutos da Frelimo, cabe ao presidente (do partido) convocar e orientar as reuniões ordinárias e extraordinárias da Comissão Política, um órgão ao qual compete “pronunciar-se sobre a composição do Governo da FRELIMO (artigo 64, q)” que, neste caso, será proposto pelo próximo Presidente da República que vier do mesmo partido.
Compete ainda a este órgão, presidido pelo presidente do partido (o Presidente da República participa por inerência de funções, mas sem direito a voto) “coordenar e orientar a acção do Governo da FRELIMO e da sua bancada parlamentar na Assembleia da República”, além de “traçar directrizes para a actuação das bancadas e dos grupos de representantes do partido ao nível dos órgãos locais do Estado e das autarquias”.
Cabe ainda à Comissão Política, segundo os estatutos, “apreciar os relatórios sobre a acção da Bancada Parlamentar na Assembleia da República e do Governo da FRELIMO”.
Ao presidente do partido não só compete, conforme o artigo 65, n.º 2, “presidir ao Presidium do Congresso, do Comité Central e da Comissão Política”, como também ao partido, onde lhe é pedido “empenhar a sua magistratura moral e política na defesa da unidade e coesão internas e garantir o respeito pelos princípios e valores do partido”.
De acordo com o artigo 63, n.ºs 2 e 5: “São membros da Comissão Política o presidente do partido, o secretário-geral e o secretário do Comité de Verificação do Comité Central”; “O Presidente da República, o presidente da Assembleia da República e o primeiro-ministro, quando membros da Frelimo, têm assentos na Comissão Política, sem direito a voto”. Ou seja, o futuro Presidente da República não terá direito a voto.
A tese do poder supremo do presidente do partido Frelimo sobre o Presidente da República foi confirmada, recentemente, pelo secretário-geral da mesma formação política, Filipe Paúnde, numa recente entrevista ao jornal “O País”: “o partido é que orienta o Governo. (…) O presidente receberá instruções da Comissão Política, ele irá implementá-las na Presidência (da República)”. Se o partido e a Comissão Política são liderados pelo presidente do partido, significa que ele tem o poder de influenciar as decisões a serem implementadas pelo Governo.
Ademais, ao abrigo do artigo 65, c) dos mesmos estatutos, o presidente do partido detém competência especial de “convocar e presidir às reuniões com os primeiros secretários provinciais, com a bancada parlamentar da FRELIMO e com o Governo”. Em nenhum momento dá-se primazia ao Presidente da República de dirigir sequer reunião do partido, nem de ocupar o cargo de presidente do partido como substituto, em caso da ausência deste. Esta primazia cabe ao secretário-geral. Isto é, em caso da ausência do presidente do partido é ao secretário-geral que cabe a função de substituto. Aliás, nem em caso de incapacidade do secretário-geral o Presidente da República pode presidir, de forma automática, a algum órgão do partido. É que, em caso da ocorrência dessa situação, cabe à Comissão Política designar o seu substituto.
Nesse contexto, não obstante ter deixado a Presidência da República, Guebuza, como presidente do partido, passará a ter poderes supremos em relação ao próximo Presidente da República, caso seja proveniente da Frelimo. Quer dizer, continuará a ditar as regras de jogo, uma vez que irá presidir aos órgãos do poder do partido, particularmente a Comissão Política. Na razão inversa, o Presidente da República está desprovido de poder, ainda que provenha do partido Frelimo.
No cenário de dois centros de poder, um ministro pode até possuir mais poderes que um Presidente da República, desde que seja membro da Comissão Política, uma vez que este não lhe é vedado o direito a voto neste órgão. Por exemplo, caso os ministros de Planificação e Desenvolvimento e da Agricultura, Aiuba Cuereneia e José Pacheco, respectivamente, se mantenha no próximo Governo e consigam, igualmente, renovar os lugares na Comissão Política, estes, neste cenário, terão mais poderes no partido que o seu superior hierárquico no Governo, o Presidente da República. Estes, porque têm direitos a voto, podem até inviabilizar os projectos do Presidente da República na Comissão Política, ainda que sejam membros do mesmo Governo.
Lázaro Mabunda , O País
No comments:
Post a Comment