EDITORIAL
É verdade que nós também não concordamos com certa maneira de ser e agir quando pretendemos concretizar um objectivo. Portanto, em nenhum momento, poderíamos assinar por baixo a tese maquiavélica da argumentação e defesa de práticas socialmente condenáveis e até criminosas simplesmente para justificar os objectivos que se querem alcançar.
Mas precisamos, nalgum momento, de colocar os pés no chão e reflectirmos seriamente em relação as razões objectivas que estão por detrás de alguns comportamentos que nos últimos dias assistimos. Tudo isto vem a propósito daquilo que uns chamam de chantagem eleitoralista as mensagens que tem estado a ser proferidas publicamente por alguns membros da comunidade empresarial (moçambicanos ou não) de origem asiática (e não só) em relação a aparente inacção das autoridades moçambicanas para conter os raptos e sequestros de cidadãos desta comunidade empresarial.
Na verdade, quando alguém parte para comportamentos chantagistas, os faz com consciência de que, por causa de factores objectivos, as chantagens irão de alguma maneira resultar. Mas antes dos resultados que se esperam desta chantagem, está o real estado de espírito das pessoas que directa ou indirectamente foram vítimas dos sequestros seguidos de exigência de resgates milionários. Não vamos aqui discutir a possibilidade de parte dos sequestros serem provavelmente resultado de orquestras da própria comunidade empresarial, num contexto criminal de transferência ilícita de capitais. É uma possibilidade mas não vamos agora discutir esta questão. O que a nós incomoda é a maneira algo estéril que se está a fazer em relação a atitude desta comunidade empresarial, tentando-se dizer ou fazer passar a imagem de que as exigências e chantagens que estão a ser feitas por este grupo empresarial são, de todo, inconcebíveis e injustificáveis. Nós entendemos a posição desta comunidade empresarial como entidade que atingiu o ponto de saturação, daí que sentiu-se obrigada a usar todas as armas que tem a sua disposição para tentar pressionar a possível resolução de um problema que, na verdade é um problema. Pelo menos para os empresários ou grupos empresariais que já foram, de facto, vítimas do fenómeno raptos e sequestros. Claro que nesse processo há fatalidades que não nos devem desviar a atenção em relação ao cerne da questão. Uma dessas fatalidades que, quanto a nós, é um lapso de linguagem, é a ideia de querer fazer passar a mensagem de que a comunidade empresarial de origem asiática, representa igualmente um grupo religioso que constitui vítima preferencial dos raptos.
Em nosso entender, está claro que os raptores não procuram combater a religião muçulmana. Procuram, isso sim, dinheiro e os criminosos conseguem farejar quem tem dinheiro.
Outra questão que deve ser vista com os pés assentes no chão tem a ver com os conhecimentos reais que esta comunidade empresarial tem em relação as possíveis fragilidades do governo moçambicano. Portanto, o grupo recorre a chantagem (no sentido literal do termo) porque conhece as fragilidades do governo moçambicano. Logo sabe que a agir desta ou daquela maneira, uma resposta positiva virá. No caso concreto, sem entrar no contexto da auto estima, o governo precisa sim reconhecer que a comunidade empresarial de origem asiática é que assegura o dia-a-dia do país, no que à actividade económica diz respeito. Portanto, a comunidade disse apenas que fecharia as suas lojas, armazéns, fabriquetas e fábricas, escritórios de prestação de serviços, restaurantes, bares, hotéis...em protesto contra a falta de respostas efectivas em torno dos raptos que tem estado a acontecer no país, particularmente na cidade de Maputo.
Não disseram que iriam agredir alguém ou iriam impedir o funcionamento normal de outras instituições fora da sua alçada. Sem querermos entrar em interpretações literais das leis de direito, pensamos ser este um protesto razoável tendo em conta a dimensão do problema que lhes afecta como comunidade e o país no seu todo.
Prova de que o governo está consciente e reconhece o forte poder desta comunidade, bem que tentou resistir, mas como nem sempre a auto estima enche a barriga, o Presidente da República, Armando Guebuza, foi obrigado a ajoelhar-se diante da comunidade e pedir compreensão e paciência, sob promessa de um trabalho mais sério para explicar e esclarecer os estranhos raptos.
Aliás, o encontro que sábado teve lugar entre esta comunidade e o ministro do Interior, Alberto Mondlane, pouco produziu exactamente porque a comunidade reiterou a exigência inicial de um encontro ao mais alto nível, alegadamente por o assunto extravasava competências do Ministério do Interior.
Mais, além de controlar grande parte da actividade económico nacional, esta comunidade empresarial tem laços umbilicais com o partido Frelimo. Nalgumas vezes, esta comunidade posiciona-se como verdadeiro elo de sustentabilidade da máquina partidária, particularmente em momentos pré e verdadeiramente eleitorais. Como Presidente da República e da Frelimo, não vemos até onde Armando Guebuza iria negar dar o braço a torcer. Portanto, não tenhamos medo de dizer que, muitas vezes, a Frelimo come no prato servido por esta comunidade e por uma questão de sobrevivência partidária, jamais cuspiria no prato onde come. Isto, mais uma vez para defender a ideia de que a comunidade tinha certeza de que o governo e a Frelimo iriam, de uma ou de outra maneira, ceder ajoelhando a seus pés. Quem não se recorda dos famosos cachimbos do boss comprados a uma nota preta e depois oferecidas ao próprio boss. Quem não sabe das largas somas monetárias colocadas ao partido em forma de contribuição dos militantes e simpatizantes para o sucesso das campanhas eleitorais da Frelimo. Quem não sabe do poder de influência que vários empresários desta comunidade tem no sentido de mudarem a posição de voto dos seus trabalhadores. A Frelimo não é ingénua nem estúpida para criar problemas com as autárquicas e gerais à porta. Não vamos aqui queimar tempo em dizer que Armando Guebuza desceu ao mais baixo nível ao aceitar reunir e responder as chantagens da comunidade, muito menos tentar discutir a aceitabilidade ou não da chantagem feita por esta comunidade. A verdade é que enquanto o Estado, o governo e o partidão continuarem a depender, directa ou indirectamente desta comunidade, terão sim que dançar a música das arábias. Afinal eles têm a faca e o queijo nas mãos...
MEDIA FAX – 28.08.2012, no Moçambique para todos
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