Thursday, 16 July 2015

O regresso dos portugueses visto pelos telegramas da embaixada em Maputo

Os milhares de telegramas transmitidos pela embaixada de Portugal em Maputo entre 1975 e 1980 relatam acontecimentos cruciais para milhares de portugueses obrigados a retornar a Portugal após a independência.

As prisões arbitrárias de cidadãos portugueses efetuadas pela FRELIMO desde 1975, a existência de campos de reeducação, as expulsões pelo crime de “sabotagem económico” ou por irregularidades no processo de escolha da nacionalidade e a instauração do decreto-lei 34/76 - que restringe o embarque de “bens móveis”- são matérias recorrentes nos telegramas emitidos pela embaixada de Portugal e que afectam directamente os cidadãos portugueses, sobretudo nos três primeiros anos.
Registam-se também centenas de telegramas relacionados com as sucessivas nacionalizações, sobretudo da banca, setor dos seguros e caminho-de-ferro mas também do pequeno comércio, a carestia e a escassez de bens essenciais, alguns deles pode ser consultados na página da Lusa dedicada aos 40 anos das independências de Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste (http://www.independenciaslusa.info/telegramas_mocambique/).
Todos estes assuntos são constantes nos aerogramas, muitas vezes “secretos” ou “confidenciais”, da embaixada de Portugal em Maputo, de acordo com a consulta feita pela agência Lusa no arquivo do Ministério dos Negócios Estrangeiros, entre os anos 1975 e 1980 e que fornecem dados e enquadramentos sobre os efeitos da forma como decorreu o processo de descolonização.
Os primeiros tempos da independência de Moçambique ficam marcados pelas dúvidas e pelas incertezas de um processo que decorreu de forma rápida e surpreendeu milhares de pessoas directamente envolvidas no processo de descolonização.
“Continua a chegar numerosa correspondência relativa aos mais diversos assuntos e problemas que transitaram da antiga administração sobre funcionários transferidos, aposentados, abonos de família, exonerações, pedidos de certidões, etc. A embaixada não tem possibilidade de assegurar o expediente normal sobre estes assuntos”, alerta o diplomata em Lourenço Marques, em Julho de 1975.
Destacam-se, entre outros momentos, o discurso de Samora Machel do dia 03 de Fevereiro de 1976 em que o presidente moçambicano declara que o Estado vai proceder à nacionalização dos prédios e das casas abandonadas, cujos donos “fugiram” do país.
No mesmo discurso, Samora Machel refere-se também às dificuldades relacionadas com a alimentação, saúde e transportes, “atribuindo sempre as culpas ao colonialismo português”.
No dia 30 de Março do mesmo ano, um telegrama “confidencial” comunica que uma reunião em que participaram os cônsules gerais de Portugal na Beira e Maputo concluiu-se que se acentua uma “tendência generalizada dos portugueses para a saída definitiva do país” e que há também “uma saída organizada de descendentes de indianos” que pretendem regressar à Índia.
As questões relacionadas com o “êxodo” ocupam os serviços da embaixada e não são apenas os meios de transporte que preocupam os diplomatas em Maputo.
No dia 01 de Outubro de 1976, um telegrama “muito urgente” destinado à Secretaria de Estado da Cooperação transmite informações sobre o número de transferências das “economias dos portugueses” que foram “cerca de seis mil” entre Outubro de 1975 e maio de 1976.
Poucos dias depois, um telegrama “urgente” relata a Lisboa que as autoridades portuárias de Nacala pretendem fazer desembarcar 152 automóveis embarcados no navio “São Tomé”, que se preparava para zarpar provocando “indignação e trauma” na comunidade portuguesa.
Particularmente detalhados são os aerogramas sobre o fretamento de navios e os episódios sempre complicados relacionados com o embarque de mercadorias nos portos moçambicanos.
Paralelamente à questão dos portugueses, a guerra entre a Rodésia e Moçambique é acompanhada com muita proximidade, quer com informações sobre os combates no terreno, em que participam mercenários portugueses a soldo de Ian Smith e tropas soviéticas e cubanas pelo lado moçambicano que apoia Robert Mugabe e usa Maputo como plataforma.
Mais tarde, em 1979, o processo negocial para a independência do Zimbabwe mediado pela diplomacia britânica conduz à aproximação entre Maputo e o novo governo britânico liderado por Margaret Thatcher e que levanta sérias preocupações em Moscovo, que a par de Cuba, é o mais importante aliado de Moçambique.
Dos telegramas “secretos” destaca-se uma nota de 1980 em que Joaquim Chissano, ministro dos Negócios Estrangeiros, admite perante o embaixador de Portugal a presença de uma representação do Congresso Nacional Africano (ANC) em Moçambique, mas sublinhando que o país “não se pode dar ao luxo” de iniciar um conflito com a África do Sul.

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