A comunidade portuguesa em Moçambique sente-se bem integrada, apesar do custo de vida, da criminalidade e da corrupção, mas também gostaria que a propalada excelência das relações entre os dois países chegasse ao cidadão comum, a começar nos vistos.
A comunidade portuguesa "está tão bem integrada que não se sente emigrante", apesar de saber que "vive num país irmão, amigo e diferente", diz o presidente da Associação Portugal-Moçambique.
Segundo Rui Reis, a comunidade portuguesa experimentou três momentos, correspondentes àqueles que nunca abandonaram Moçambique ou que saíram e voltaram logo após a independência, aos que que chegaram nos anos 2000, a seguir ao Acordo Geral de Paz, e à recente vaga de pessoas qualificadas, provenientes um dos principais investidores externos no país africano e o que mais emprego cria.
Apesar da excelência das relações políticas e económicas, repetidamente declarada por governantes de ambos os lados, os cidadãos dos dois países continuam a sentir dificuldades de viajar entre eles, num procedimento de vistos tido como burocrático, caro e moroso.
"Não basta dizer que somos irmãos e depois criamos dificuldade para entrar na nossa casa", considera o dirigente associativo da comunidade portuguesa, que espera ver, após a visita do Presidente, Filipe Nyusi, a Lisboa, a partir de quarta-feira, avanços nesta matéria.
No final de 2014, havia uma presença estimada de 23 mil portugueses em Moçambique, segundo as autoridades consulares de Portugal, um número que esteve sempre a crescer desde 2009 e que, no ano passado, estabilizou e tem agora tendência para diminuir.
A interrupção nesta linha de crescimento deve-se, segundo Gonçalo Teles Gomes, cônsul-geral português em Maputo, à vaga descontrolada de raptos na área metropolitana da capital, à instabilidade política entre Governo e Renamo (Resistência Nacional Moçambicana, na oposição), às incertezas sobre os grandes investimentos no país e ainda à melhoria da situação económica em Portugal.
"Houve também muita gente que veio para aqui iludida. Há uns anos parecia que na imprensa internacional se vendia Moçambique como o ultimo paraíso na terra e agora parece que virou um inferno", disse o cônsul português numa entrevista recente à Lusa, para quem a verdade estará algures no meio.
Horácio Feliciano, 62 anos, cruzou-se com a história recente de Moçambique, onde chegou há pouco mais de duas décadas como oficial do Exército, após o Acordo Geral de Paz. "Aconteceu que gostei disto, apaixonei-me", conta, num registo emocional contrário às vagas migratórias mais recentes, empurradas pela realidade e pragmatismo.
Em Maputo, já teve uma rede de livrarias, foi administrador de uma casa de câmbios e agora possui uma geladaria na Julius Nyerere, uma avenida que é um autêntico "Little Portugal" no coração da capital.
Longe vão os tempos do começo, quando de restaurantes praticamente só havia o Piri-piri e pouco mais, ruas esburacadas e por iluminar, numa cidade desprovida de supermercados e quase todos os bens - "até um carro era difícil arranjar"- e o advento do gás e do carvão nem sonho era.
Agora, tudo está diferente, a cidade vibra com ofertas de serviços em todos os sectores, a concorrência é muita e a quem chega Horácio Feliciano aconselha paciência e muita informação.
Ao fim deste tempo, recomenda uma dose adicional de persistência para tudo no geral mas também para a coação sistemática da polícia no trânsito, que afugenta a clientela nocturna do seu restaurante, os raptos e ainda as máfias organizadas em torno dos serviços de migração.
Que o diga Tiago Grosso, um alentejano de 27 anos, há menos de um ano em Maputo, o paradigma de um português qualificado, com a sua licenciatura em Bioquímica e mestrado em Análises Clínicas, e que se juntou a um laboratório recentemente aberto, no mesmo quarteirão de um cabeleireiro de uma ribatejana e uma peixaria de um algarvio.
Nos primeiros meses foi assediado por essas redes de alegada facilitação nos serviços de migração para conseguir o tão desejado DIRE (Documento de Identificação de Residente Estrangeiro), com um custo anual de quase 400 euros, e por todos os esquemas de angariação de dinheiro na cidade, que percebem um recém-chegado mal o vêem.
Ultrapassada a primeira onda, "a qualidade de vida é boa, sem sinais de grande dificuldade", considera agora Tiago Grosso, apesar do custo de vida que é alto, sobretudo para um solteiro, já que um T2 pode custar 1500 euros mensais.
Ainda assim, os salários são mais altos em Moçambique, dão para poupar para quem faça "um pouco de vida de emigrante" e ajudar a família que ficou para trás em Portugal, a braços com a crise que, ao contrário do seu caso que emigrou porque quis, empurrou o seu pai para Angola.
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