Quando se toma os outros como “parvinhos”, os riscos de confrontação aumentam.
Há que reconhecer o básico e elementar, para depois se partir a busca do entendimento de questões mais complexas, se é que existem.
No caso moçambicano em apreço, crise pós-eleitoral, não se pode realmente falar de algo complexo e de solução complexa.
Se recuarmos um pouco no tempo, concluiremos que hoje se discute aquilo que não foi concretizado ao abrigo do famigerado AGP de Roma.
Aquele que deveria ter sido a mãe de todos os acordos foi retalhado e implementado ao sabor de agendas díspares, mas sempre alinhadas com os interesses dos detentores do poder real no país.
Como semideuses empoleirados em poltronas douradas, um grupo de cidadãos ciosos de conservarem os seus poderes multiformes do passado, montou uma máquina ajustada às suas pretensões e, de forma vigorosa, impôs como instrução cumprir cegamente tudo o que lhes aprouvesse.
Moçambique começou a entrar em derrapagem a partir da altura em que os detentores do poder decidiram que o país lhes pertencia em exclusivo.
Há uma gritante falta de realismo por parte de quem deveria estar cuidando da coisa pública de forma correspondente a códigos de conduta apropriados. A coisa pública tornou-se efectivamente em coisa privada de forma compulsiva e arrogante. Um passado de participação na luta de libertação nacional “outorgou” competências excessivas a pessoas e moldou uma nova maneira de estar na política e na governação.
Gente habituada a pôr e dispor de tudo de forma completamente desenquadrada com qualquer preceito de responsabilizarão e prestação de contas foi apanha em contrapé pelo evoluir de uma situação que se julgava controlada.
Quando se pensava ou se acreditava que os beligerantes de ontem se haviam tornado efectivamente em ex-beligerantes dispostos a abrir novas páginas da nossa história comum, somos confrontados com toda uma realidade diferente. Afinal, a paz assinada em Roma era simplesmente um compasso de espera para reorganização de formas mais efectivas de obliteração do outro. E as declarações ocasionais de alguns membros de topo do partido Frelimo não deixam dúvidas quanto ao desiderato final.
Quando existe vontade firme de negociar e honestidade suficiente para que o processo seja conduzido de forma limpa, clara, aberta e sem subterfúgios, as coisas fluem e acontecem.
Face ao que tem sido mostrado, após longas sessões no CCJC, só se pode concluir que quem negoceia em regime de paragens e intervalos, que não conseguem nem ser sanitários, está escondendo algo.
Ou faltam instruções operativas e os interlocutores não possuem poderes por aí além, ou estamos perante uma farsa organizada, tendente a colocar os moçambicanos numa situação de aceitação pura e simples do que alguns “ilustres” cidadãos tenham “a priori” decidido.
Com o desaparecimento progressivo dos sinais de boa-fé e boa vontade entre os interlocutores, começa a pairar no ar que uma das partes tomou a decisão de “ir governando em crise e com crise”. Para estes, tudo é aceitável, menos cedências concretas que acomodem as preocupações dos outros. Estamos perante uma irredutibilidade que reduz as hipóteses de um desfecho consensual que os moçambicanos ansiosamente aguardam.
Moçambique enfrenta uma crise real e não hipotética. A tese de “governar em crise e com crise” é uma avaliação e consideração estratégica de quem olha e tem vista curta e está limitado no que se refere a assuntos de importância primordial para o país e seus cidadãos.
Pensam alguns que o país é seu “pasto privado”. e, com base nisso, ensaiam posturas negociais de todo inaceitáveis, não só para o seu interlocutor directo, mas para a maioria dos cidadãos.
Sem referendo algum, há milhões de pessoas que já se manifestaram a favor de mudanças do quadro organizativo e governamental diferente.
As pessoas esperam muito mais do Governo. Máquina lubrificada de protecção de interesses privados em que o Governo se transformou não satisfaz nem orgulha os governados.
Há uma sede de mudanças que não podem ser encobertas ou adiadas através de discursos ou de teses académicas.
O batalhão reforçado que advoga o recurso a negociações condicionadas pela CRM e de respeito ao quadro jurídico nacional é uma contradição em si, pois quem assim diz, faz parte do grupo que atropela as leis, quando é de sua conveniência.
Com hipocrisia negocial e subtileza vil não se chega a sítio nenhum em negociações. Há limites para tudo, e uma das coisas que provocam atrasos e recuos no CCJC é uma atitude de “sou senhor, quero, posso e mando”.
Parece que há moçambicanos que ainda não se compenetraram de que não são “os melhores da fita”, de que não são os donos de Moçambique, de que não são os proprietários únicos de massa cinzenta.
Uma arreigada mania de “senhores libertadores” torna-os factores limitantes no domínio de negociação política.
Não se chega a acordo algum quando uma das partes toma a outra como parva e incapaz, de cidadão de segunda classe que não sabe nada ou que se satisfaz com migalhas. Essa postura, como se tem visto, é contraproducente e arruína e envenena o ambiente no CCJC.
Compatriotas, este Moçambique sombrio e apreensivo, que já mostra sinais preocupantes de recuo na esfera económica, pode tornar-se rapidamente num centro de instabilidade regional.
Uma derrapagem no CCJC pode ter consequências imprevisíveis de dimensão incomensurável.
Nessa altura, de nada servirão os discursos triunfalistas destes ou daqueles.
(Noé Nhantumbo)
(Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 14.07.2015, Moçambique para todos
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