Os indivíduos que se descobrem envolvidos em escândalo, como os nossos compatriotas do G40, sabem muito bem que o que está em jogo não é apenas o seu orgulho, mas também o seu poder, a sua capacidade de fazer uso da reputação ou do bom nome a fim de exigir respeito de outros e alcançar os seus interesses e objectivos. Nesta perspectiva, o sociólogo norte-americano John Thompson distingue dois modelos de escândalo: um simples e outro complexo. No modelo de escândalo simples, uma acção de transgressão oculta é revelada publicamente, ou alega-se publicamente que ocorreu, e a revelação ou alegações públicas provocam manifestações públicas de desaprovação. No modelo do escândalo complexo, onde parece enquadrar-se o caso G40, as revelações e alegações defrontam-se com negações e contra-alegações por parte dos indivíduos envolvidos, que, por sua vez, levam a investigações e revelações posteriores, dando origem a uma série de transgressões de segunda ordem, nomeadamente mentiras e tentativas de obstrução por parte dos visados. Nestes casos mais complexos, conforme Thompson, o desdobramento do escândalo torna-se um jogo de gato e rato em que, depois de cada negação, as apostas vão ficando mais altas e onde as transgressões de segunda ordem podem assumir importância bem maior do que a ofensa original. Se inicialmente tínhamos um G40 que se dizia ser um mito urbano, produto do imaginário popular, o mesmo que Gustavo Mavie chamaria de “invenção de Fernando Lima”, novas revelações desmentem Mavie e confirmam Lima, como a de António Boene, que confirmou na semana passada ser membro do G40, na “Noite Informativa” da STV. Há, entretanto, alguns cuidados que devem ser tidos em conta quando membros do G40 começam a confirmar a existência do grupo. Um dos cuidados a ter diz respeito ao facto de se pretender legitimar o G40 como sendo um movimento que está ao serviço dos mais altos interesses do Estado. Trata-se, segundo John Thompson, de uma estratégia de levar a questão para um terreno moral superior, apelar para valores mais altos em nome dos quais as acções foram realizadas, na esperança de persuadir os outros de que os fins justificam os meios. Foi nestes moldes que António Boene se expressou na STV: “Eu sou membro do G40 e tenho orgulho de fazer parte da lista”, como quem diz que a lista do G40, ainda que imoral, anti-ética, ilegal e incontitucional, tinha em vista a defesa de valores mais altos do Estado. É aquilo que classicamente se convencionou chamar fuga para frente. Na mesma linha de Boene, de apelar para valores mais altos em nome dos quais as acções patuscas foram realizadas, vale a pena que nos recordemos aqui, mesmo para efeitos de registo, de um artigo assinado por um tal de Mirla das Dores no jornal “Notícias”, cujo título, por si só, poderia bastar-nos: “G40, uma escola sem igual”. Mas vale a pena citar uma das passagens: “G40 foi a salvação da unidade, soberania e auto-estima de um país que se precipitava para o abismo por conta de algumas chancelarias interessadas na desordem do Estado moçambicano, cuja arma usada nada mais era senão a imprensa no seu todo. Em quase toda a imprensa eram constantes insultos ao chefe do Estado, seus méritos eram reduzidos a pó como se nada fizesse de bom, os debates televisivos encomendados visavam criar no povo o sentimento de descontentamento e revolta para com o seu presidente e Governo”. Para bom entendedor, meia palavra basta. Foi criado um grupo imoral para defender o que chamaram de “insultos constantes” ao chefe do Estado. Primeiro, negaram que existiam, depois negaram, depois voltaram a negar, mas agora, face às evidências e aos indícios bastantes que foram sendo revelados aqui e acolá, acabaram admitindo que de facto eles existem, agora com o argumento de que servem o mais alto interesse do Estado. O G40 só ainda não foi parar nas barras da Justiça porque somos um Estado de Direito que ainda não existe. Falta agora recorrerem à última estratégia, também devidamente estudada por Thompson: a confissão pública de haverem transgredido as normas, os valores e códigos que regulam as relações entre os homens civilizados. Na confissão pública, segundo o sociólogo, os visados reconhecem claramente a sua culpa na esperança de que a honestidade face à adversidade irá despertar a simpatia das pessoas. “O meu avô camponês é muito melhor que os intelectuais do G40”. Palavras de Afonso Dhlakama!
(Armando Nenane, Canalmoz)
(Armando Nenane, Canalmoz)
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