Tuesday 31 March 2015

Como descentralizar e manter a unicidade do Estado

 

Depois de muita especulação sobre os detalhes da então pendente
proposta de legislação da Renamo, tornou-se claro, nas últimas semanas, que o que este partido pretende não é mais nada que converter seis províncias acima do Rio Save em autarquias provinciais.
Tendo a referida proposta já sido depositada na Assembleia da República, caberá a este órgão tomar a decisão final sobre que tratamento deve dar à mesma. Aprová-la tal e qual como ela está e preservar a paz, ou reprová-la, e aí provocar uma nova guerra em Moçambique. Este é pelo menos o entendimento que se pode obter dos pronunciamentos do líder da Renamo, quando de forma reiterada ameaça recorrer à violência caso a Assembleia da República chumbe a sua proposta.
É preciso reconhecer que a Renamo traz para o debate nacional uma questão de descentralização mais ousada em Moçambique, que no passado se tentou evitar, possivelmente com o receio de que poderia alimentar tendências secessionistas, que por sua vez poderiam aguçar possíveis apetites imperialistas por parte de alguns países vizinhos que têm afinidades étnicas com alguns grupos populacionais ao logo das fronteiras moçambicanas. Mas o que durante muito tempo se temia que pudesse vir a acontecer está a acontecer neste momento. O debate sobre um processo de descentralização mais ousado é irreversível, sendo que é necessário lidar-se com ele de tal forma que no lugar de dividir o país o torne mais unido e sólido.
A proposta da Renamo pode, por isso, ser vista como um bom começo. Ela apresenta algumas fragilidades, mas estas não são impossíveis de resolver.
Uma destas fragilidades tem a ver com o título da própria proposta. O conceito mais básico de uma autarquia é o de uma unidade geográfica relativamente de pequenas dimensões, onde os habitantes, mais do que ninguém melhor informados das suas necessidades básicas e imediatas em termos de serviços, juntam-se para escolher um de entre eles num processo de auto-governação.
Na sua fundamentação, a Renamo considera que no actual quadro autárquico, os cidadãos que vivem em partes do país que não gozam ainda do estatuto de autarquias “sentem-se excluídos do processo do aprofundamento da democracia e da descentralização administrativa, lacuna que a existência de autarquias provinciais irá colmatar”.
Mas é muito pouco provável que províncias que em alguns casos ultrapassam o tamanho de países que eles próprios dependem de autarquias para tornar significativo o processo de devolução do poder, venham nesse sentido a beneficiar pelo facto de serem hoje autarquias. Na melhor das hipóteses, o conceito de descentralização defendido pela proposta da Renamo consiste apenas na transferência da centralização para o nível da província, mantendo-se o resto na mesma.
Há uma analogia que se tenta fazer em relação à cidade de Maputo, avançando- se com o argumento de que esta possui estatuto de província e ao mesmo tempo é também uma autarquia. Por analogia, as outras províncias podem também serem transformadas em autarquias. O facto que se perde nesta argumentação é o facto de que Maputo é uma autarquia porque é uma cidade. O estatuto que detém de província deve-se mais à sua complexidade como capital nacional e não necessariamente uma província em tanto que tal.
Em muitas das suas disposições, o actual projecto necessitaria de mudanças substanciais no capítulo da Constituição da República que versa sobre a organização do Estado, para além de alterações na própria legislação eleitoral.
Portanto, não se trata simplesmente de criar autarquias superiores às actualmente existentes. São mudanças mais profundas que se propõem.
Ao que tudo indica, a actual proposta surge da necessidade de se encontrar uma solução política para um problema que decorre das últimas eleições que a Renamo alega terem sido mal conduzidas, e por isso a terem prejudicado.
A solução desse problema político é importante para a estabilidade do país, e parece haver espaço para que ela seja encontrada sem que seja nos termos que a proposta da Renamo preconiza, e também tendo em conta a necessidade de a breve trecho se iniciar um processo de uma descentralização mais ousada, sem que tal ponha em causa a unicidade do Estado.
Isso passaria, por exemplo, em inscrever na Constituição o princípio da eleição dos governadores provinciais como reflexo dos resultados obtidos por cada partido político nas eleições em cada província. De qualquer modo, faz pouco sentido que haja assembleias provinciais para fiscalizar a acção de um governador nomeado centralmente.


Editorial do SAVANA, 27-03-2015

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