Uma entrevista publicada no jornal “Notícias”, edição de 19 de Fevereiro de 2015, prova que o que dissemos aqui, neste mesmo espaço, na semana passada, não é fruto de imaginação ou de conclusões rápidas. É, antes, o retrato mais fiel do que verdadeiramente aconteceu ao Prof. Gilles Cistac.
Depois de uma reunião da Comissão Política do partido Frelimo, a direcção máxima do partido no poder mandatou o seu porta-voz, Damião José, para traçar aquilo que, na óptica do partido Frelimo, era o perfil de Gilles Cistac. E Damião José, que nunca fala o que não lhe foi ordenado para falar, foi muito cristalino e didáctico na exposição do “perigo de morte”.
Da entrevista que Damião José concedeu ao jornal “Notícias” extrai-se que a direcção máxima do partido Frelimo reuniu e debateu Gilles Cistac. Não debateu os argumentos jurídicos do catedrático. Debateu o homem francês de “raça branca” que vivia em Moçambique desde 1993 “graças à boa vontade do partido Frelimo”. Não debateu nenhuma linha da possibilidade constitucional de se criarem unidades administrativas superiores à categoria da autarquia. Ou seja, a Frelimo não debateu as ideias de Cistac. Debateu a “coragem e afronta” de Gilles Cistac e estudou formas de calar “o branco”.
É preciso compreender que a aparição pública da Comissão Política do partido Frelimo foi uma espécie de consolidação da agenda de assassinato de carácter que vinha sendo levada a cabo pelas chamadas tribunas de incitamento ao ódio, à intolerância e ao racismo personificadas pela Televisão de Moçambique, Rádio Moçambique, Agência de Informação de Moçambique, Diário de Moçambique, jornal “Notícias”, jornal “Domingo” e outros órgãos de comunicação social que gravitam à volta do edifício da antiga “Pereira do Lago”. Estes órgãos desempenharam um papel crucial na propagação do ódio e do racismo, com os habituais préstimos dos elementos da seita da intolerância conhecida como G40.
Ficou claro que a primeira medida foi mesmo linchar publicamente Gilles Cistac, em declarações de uma irresponsabilidade que fica ainda por analisar.
Segundo o jornal “Notícias”, para o partido Frelimo, personificado por Damião José, seu porta-voz, Gilles Cistac era “um hipócrita que diz o que não pensa, e defende causas em que ele mesmo não acredita” e que não era necessário “ser académico para compreender” que, com a sua postura, Cistac estava a ser “desonesto e ingrato para os moçambicanos. Por isso, a sua postura incomoda a todos”.
Ou seja, o partido Frelimo analisou Gilles Cistac e concluiu que não se estava perante um académico. Estava-se mesmo perante um “hipócrita”, “ingrato” e “incómodo”. A Gilles Cistac aplicaram-lhe estes três ultrajantes epítetos pelo simples facto de ter encontrado na Constituição da República algo que a Frelimo não leu, ou leu e fingiu que não leu, por questões de conveniência.
De que lado reside aqui a prática da hipocrisia? Mais do que a hipocrisia, de que lado existe, aqui, uma espécie de culto da ignorância?
Prosseguindo com a sua odisseia difamatória e intimidatória, Damião José, em representação do partido Frelimo, interrogou: “Será que o académico Cistac, se estivesse na Argélia ou na França, teria a coragem de assumir a postura que tem estado a assumir, que é uma ofensa e desafio aberto à vontade do povo moçambicano?”.
Ninguém poderá convencer-nos de que Damião José disse aquelas palavras por iniciativa própria. Damião José, que a qualquer momento pode ser isolado, deu apenas a cara por um comunicado de “perigo de morte” que a Frelimo emitiu a avisar Cistac sobre o que poderia acontecer se continuasse a desafiar aquela organização.
Resta-nos perguntar ao partido Frelimo o que aconteceria se Gilles Cistac estivesse na Argélia? O que aconteceria se Gilles Cistac estivesse na França a defender a Constituição? Seria assassinado? Cabe ao partido Frelimo explicar-nos quais são os riscos que um cidadão corre na Argélia ou na França pelo simples e patriótico facto de defender a Constituição.
Na parte final do seu aviso de “perigo de morte” a Gilles Cistac, o partido Frelimo diz-se “cansado” de aturar “hipócritas”, “aqueles que dizem o que não pensam, defendem causas em que eles próprios não acreditam”. Quanto a nós, a declaração de cansaço é, por si só, muito elucidativa de que Gilles Cistac “foi longe demais”, e era preciso “pôr-lhe travão”, para salvaguardar os interesses do partido Frelimo.
Se a Frelimo estava cansada de Gilles Cistac, é por inferência normal que o mesmo partido Frelimo tenha tomado medidas para calar um “incómodo”, porque já não tinha paciência para o aturar. O partido Frelimo estava “cansado”, nas palavras de Damião José.
Um dia depois de se ver livre do “hipócrita”, “ingrato”, e “incómodo”, isto é, na passada quarta-feira, o partido Frelimo ensaiou uma emenda de declaração de inocência que saiu pior que o soneto. Em vez de se distanciar de práticas macabras, acabou esclarecendo que a matança é, de facto, um modo de procedimento seu.
Para justificar a sua alegada inocência, o mesmo Damião José veio a público informar que a Frelimo não assassinou Gilles Cistac, porque “muitos cidadãos usam o seu direito de liberdade de expressão para insultar e caluniar a Frelimo e seus dirigentes, mas estão ainda vivos”.
Atentemos nesta frase. Na óptica da Frelimo, usar da liberdade de expressão para falar da Frelimo e continuar vivo, é porque a Frelimo assim o permite. Ou seja, no dia em que a Frelimo estiver “cansada”, não se poderá criticar a Frelimo e continuar vivo. Portanto, continuar vivo depois de criticar a Frelimo é uma questão de tempo. “Ainda estão vivos” é uma espécie de enunciado cuja disposição poderá conhecer outro desfecho mais tarde.
É caso para dizer que o constitucionalista Gilles Cistac não teve sorte. Não conseguiu criticar e continuar vivo. Criticou até onde já não dava para continuar vivo.
E, tal como anotámos na semana passada, a tal comunidade internacional, que hoje chora, tem a sua quota-parte no assassinato de Cistac. Foi este regime que legitimaram em Janeiro, ao afirmarem que as graves irregularidades “não influenciaram” as eleições. A uma eleição que deveria ter sido anulada, a União Europeia – que se confundiu com a União Africana de Robert Mugabe, com a particularidade de Mugabe não ser cínico – tratou de lhe aplicar paninhos quentes e de lhe atribuir toda a legitimidade. Na verdade, Cistac e a Constituição da República de Moçambique foram assassinados em Outubro, com a ajuda da comunidade internacional.
(Editorial do Canal de Moçambique)
Depois de uma reunião da Comissão Política do partido Frelimo, a direcção máxima do partido no poder mandatou o seu porta-voz, Damião José, para traçar aquilo que, na óptica do partido Frelimo, era o perfil de Gilles Cistac. E Damião José, que nunca fala o que não lhe foi ordenado para falar, foi muito cristalino e didáctico na exposição do “perigo de morte”.
Da entrevista que Damião José concedeu ao jornal “Notícias” extrai-se que a direcção máxima do partido Frelimo reuniu e debateu Gilles Cistac. Não debateu os argumentos jurídicos do catedrático. Debateu o homem francês de “raça branca” que vivia em Moçambique desde 1993 “graças à boa vontade do partido Frelimo”. Não debateu nenhuma linha da possibilidade constitucional de se criarem unidades administrativas superiores à categoria da autarquia. Ou seja, a Frelimo não debateu as ideias de Cistac. Debateu a “coragem e afronta” de Gilles Cistac e estudou formas de calar “o branco”.
É preciso compreender que a aparição pública da Comissão Política do partido Frelimo foi uma espécie de consolidação da agenda de assassinato de carácter que vinha sendo levada a cabo pelas chamadas tribunas de incitamento ao ódio, à intolerância e ao racismo personificadas pela Televisão de Moçambique, Rádio Moçambique, Agência de Informação de Moçambique, Diário de Moçambique, jornal “Notícias”, jornal “Domingo” e outros órgãos de comunicação social que gravitam à volta do edifício da antiga “Pereira do Lago”. Estes órgãos desempenharam um papel crucial na propagação do ódio e do racismo, com os habituais préstimos dos elementos da seita da intolerância conhecida como G40.
Ficou claro que a primeira medida foi mesmo linchar publicamente Gilles Cistac, em declarações de uma irresponsabilidade que fica ainda por analisar.
Segundo o jornal “Notícias”, para o partido Frelimo, personificado por Damião José, seu porta-voz, Gilles Cistac era “um hipócrita que diz o que não pensa, e defende causas em que ele mesmo não acredita” e que não era necessário “ser académico para compreender” que, com a sua postura, Cistac estava a ser “desonesto e ingrato para os moçambicanos. Por isso, a sua postura incomoda a todos”.
Ou seja, o partido Frelimo analisou Gilles Cistac e concluiu que não se estava perante um académico. Estava-se mesmo perante um “hipócrita”, “ingrato” e “incómodo”. A Gilles Cistac aplicaram-lhe estes três ultrajantes epítetos pelo simples facto de ter encontrado na Constituição da República algo que a Frelimo não leu, ou leu e fingiu que não leu, por questões de conveniência.
De que lado reside aqui a prática da hipocrisia? Mais do que a hipocrisia, de que lado existe, aqui, uma espécie de culto da ignorância?
Prosseguindo com a sua odisseia difamatória e intimidatória, Damião José, em representação do partido Frelimo, interrogou: “Será que o académico Cistac, se estivesse na Argélia ou na França, teria a coragem de assumir a postura que tem estado a assumir, que é uma ofensa e desafio aberto à vontade do povo moçambicano?”.
Ninguém poderá convencer-nos de que Damião José disse aquelas palavras por iniciativa própria. Damião José, que a qualquer momento pode ser isolado, deu apenas a cara por um comunicado de “perigo de morte” que a Frelimo emitiu a avisar Cistac sobre o que poderia acontecer se continuasse a desafiar aquela organização.
Resta-nos perguntar ao partido Frelimo o que aconteceria se Gilles Cistac estivesse na Argélia? O que aconteceria se Gilles Cistac estivesse na França a defender a Constituição? Seria assassinado? Cabe ao partido Frelimo explicar-nos quais são os riscos que um cidadão corre na Argélia ou na França pelo simples e patriótico facto de defender a Constituição.
Na parte final do seu aviso de “perigo de morte” a Gilles Cistac, o partido Frelimo diz-se “cansado” de aturar “hipócritas”, “aqueles que dizem o que não pensam, defendem causas em que eles próprios não acreditam”. Quanto a nós, a declaração de cansaço é, por si só, muito elucidativa de que Gilles Cistac “foi longe demais”, e era preciso “pôr-lhe travão”, para salvaguardar os interesses do partido Frelimo.
Se a Frelimo estava cansada de Gilles Cistac, é por inferência normal que o mesmo partido Frelimo tenha tomado medidas para calar um “incómodo”, porque já não tinha paciência para o aturar. O partido Frelimo estava “cansado”, nas palavras de Damião José.
Um dia depois de se ver livre do “hipócrita”, “ingrato”, e “incómodo”, isto é, na passada quarta-feira, o partido Frelimo ensaiou uma emenda de declaração de inocência que saiu pior que o soneto. Em vez de se distanciar de práticas macabras, acabou esclarecendo que a matança é, de facto, um modo de procedimento seu.
Para justificar a sua alegada inocência, o mesmo Damião José veio a público informar que a Frelimo não assassinou Gilles Cistac, porque “muitos cidadãos usam o seu direito de liberdade de expressão para insultar e caluniar a Frelimo e seus dirigentes, mas estão ainda vivos”.
Atentemos nesta frase. Na óptica da Frelimo, usar da liberdade de expressão para falar da Frelimo e continuar vivo, é porque a Frelimo assim o permite. Ou seja, no dia em que a Frelimo estiver “cansada”, não se poderá criticar a Frelimo e continuar vivo. Portanto, continuar vivo depois de criticar a Frelimo é uma questão de tempo. “Ainda estão vivos” é uma espécie de enunciado cuja disposição poderá conhecer outro desfecho mais tarde.
É caso para dizer que o constitucionalista Gilles Cistac não teve sorte. Não conseguiu criticar e continuar vivo. Criticou até onde já não dava para continuar vivo.
E, tal como anotámos na semana passada, a tal comunidade internacional, que hoje chora, tem a sua quota-parte no assassinato de Cistac. Foi este regime que legitimaram em Janeiro, ao afirmarem que as graves irregularidades “não influenciaram” as eleições. A uma eleição que deveria ter sido anulada, a União Europeia – que se confundiu com a União Africana de Robert Mugabe, com a particularidade de Mugabe não ser cínico – tratou de lhe aplicar paninhos quentes e de lhe atribuir toda a legitimidade. Na verdade, Cistac e a Constituição da República de Moçambique foram assassinados em Outubro, com a ajuda da comunidade internacional.
(Editorial do Canal de Moçambique)
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