Wednesday 7 July 2010

A Pobreza está a diminuir?

Este texto não apresenta as definições dos diferentes tipos de pobreza e os métodos de os quantificar. Seria interessante saber sobre o entendimento desse conceito a quantos emitem esse termo. Com ou sem domínio do significado, combater a pobreza são duas das palavras mais presentes nos discursos políticos. É apresentado como um dos principais objectivos do país. A tónica desse combate é colocada na iniciativa das pessoas, no trabalho e capacidade individual e na auto-estima. Há ainda os que afirmam que a pobreza está nas mentes das pessoas. Este é o enfoque assente nos paradigmas do indivíduo, do empresário super man schumpteriano, do mercado e do liberalismo puro e duro. É muita (in)evolução para quem discursou pelo socialismo, pela planificação central e pela estatização radical!

Algumas medidas governativas são referidas como parte integrante do esforço desse combate, como por exemplo os fundos “7 milhões”, a revolução verde, algumas linhas de crédito com taxas de juro bonificadas, o alargamento da educação e saúde, da rede eléctrica e das estradas. A produção agrícola e particularmente a alimentar é considerada o centro desse combate.

Não há muitos perigos de errar ao se afirmar que não existem evidências acerca da adopção de uma política de redução da pobreza. Slogans há e bastantes, que alimentam os discursos da arte de pouco dizer e muito embalar. Vejamos algumas práticas:

Os investimentos no sector agrário não representam em média, nos últimos dez anos, mais que 10% do investimento total da economia. Têm-se concentrado em produtos exportáveis realizados por grandes empresas. São intensivos em capital e portanto pouco geradores de trabalho e com efeitos redistributivos limitados. Alega-se, com alguma razão, que os investimentos realizados em outros sectores no meio rural (infra-estruturas, educação, saúde, acesso à água, salários da administração púbica, etc.), podem contribuir para a redução da pobreza. Muitos estudos revelam que as infra-estruturas e os serviços por si só, aplicados de forma dispersa e sem uma estratégia de desenvolvimento integrado, não geram necessariamente mais desenvolvimento.

O crédito bancário e os subsídios através de taxas de juro mais baixas que as praticadas no mercado, beneficiam sobretudo os médios e grandes pro­dutores, os bens de exportação e as hortaliças. Praticamente nada se destina às culturas alimentares e aos pequenos produtores. Existem exemplos, de que quando há linhas de crédito para uma cultura alimentar, o dinheiro ou parte dele, é utilizado para outros fins, incluindo fora da agricultura.

O orçamento público destinado à agricultura não tem ultrapassado os 3%. Houve um reforço nos últimos dois anos.

Está-se ou não de acordo em oficializar e definir uma política de subsídios à agricultura? Subsídios já existem (créditos não devolvidos, “7 milhões” com taxas de retorno inferiores a 5%, taxas de juro abaixo dos praticados no mercado, não pagamento da água em regadio, e muitos mais). Mas são, talvez propositadamente e em defesa de agendas políticas, aplicadas caoticamente. Uma vez mais a política de não ter política?

Quando se fala em revolução verde diz-se: já chegaram X tractores, N toneladas de sementes foram distribuídas, Y motobombas estão no terreno. É a revolução verde na sua concepção minimalista, intelectualmente pobre e de aplicação ineficiente e com importantes impactos negativos sociais e ambientais. Mas não se diz o que se passa na realidade. Dá-se um exemplo real: numa aldeia da província de Sofala, chegaram sementes e foram distribuídas igual­itariamente por todos os camponeses: 4 quilos a cada, o que não chega para um quinto de hectare. Na mesma aldeia o regadio recentemente construído possui uma moto-bomba que durante a época chuvosa da campanha 2009/2010 não foi colocada junto do rio porque a associação de camponeses receava uma cheia repentina que levasse a máquina. Na época seca, essa mesma moto-bomba funcionou irregularmente porque os associados não compram combustível suficiente. Finalmente, uma parte do tomate produzido apodreceu. Dirão: uma aldeia não representa o país! Certo. Mas onde estão estudos que demonstram o contrário?

Existe alguma estratégia e politicas relacionadas com a segurança alimentar?


Vejamos o que dizem alguns dos estudos existentes sobre a evolução da pobreza?

Mlay et al (2008), Análise da Renda e Dinâmica de Pobreza nas Zonas Rurais de Moçambique 2002-2005 (em power point), analisam a dinâmica da pobreza e concluem entre outros aspectos, o seguinte: entre 2002 e 2005, em quatro das dez províncias, o número de pobres reduziu e que nas restantes, mais famílias entraram na pobreza (fluxo entrada – saída da pobreza). Nota-se que foi nas províncias com maior população (Nam­pula e Zambézia) onde um maior número de famílias se tornou pobre durante o período estudado.

Walker et al (2004: 4), Determinants of rural income, poverty, and perceived well-being in Mozambique in 2001-2002, revelam que o rendimento médio por família foi estimado em cerca de 280 dólares e 65 US$ por habitante. Nampula era a província com menor rendimento por família (213 US$) e Maputo no lugar oposto Maputo (593 dólares). É fácil estimar o rendimento per capita consi­derando, por exemplo, uma família média de cinco pessoas.

Ali (2009) na comunicação à II Conferência do IESE, Níveis e tendências da desigualdade económica e do desenvol­vimento humano em Moçambique: 1996-2006, revela que a concentração da riqueza aumentou entre 1996 e 2006. Durante o mesmo período, “todas as regiões registaram aumentos na desi­gualdade da renda per capita e reduções na desigualdade do IDH” … “As desi­gualdades económicas e do desenvol­vimento humano entre regiões e entre pessoas vivendo dentro das mesmas regiões de Moçambique estão, nalguns casos, a alargar-se e, noutros, a estreitar-se. O processo é desigual, com grandes variações de região para região, dentro do mesmo país”.

Cungura e Hanlon (2009) no artigo Poverty is not being reduced in Mozambique, revelam com base em dados oficiais dos TIA (Trabalho de inquérito Agrícola), que entre 2002 e 2008 o rendimento por família e pessoa diminui em grande parte dos estratos populacionais por níveis de rendimentos (decis) e que as desigual­dades aumentaram.

Estudos do Ministério da Agricultura revelam que são as famílias rurais menos dependentes da produção agrícola as que possuem maior rendimento e as que mais rapidamente saem da pobreza. Estas constatações revelam que o combate à pobreza não resulta necessariamente da priorização da agricultura e da produção alimentar, conforme afirmam os discursos.

Diz-se por aí, em voz baixinha, um segredo conhecido. Existe um estudo realizado num determinado Ministério que também demons­tra o agravamento da pobreza nos últimos anos. O estudo está na gaveta aguardando orientações para o tornar público. Esperemos!

Oxalá que os estudos estejam equivo­cados. Mas não pelas razões de uma responsável quando dizia: esses estudos aí, estão errados. Basta andar no campo para ver que a pobreza está a diminuir.


Por João Mosca, SAVANA – 02.07.2010

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