Contra o papão Frelimo
Estalou o verniz entre o Conselho Municipal da Beira, um tribunal controverso e a Frelimo, num polémico caso que trouxe à tona evidências de que no dia em que o partido no poder em Moçambique passar para a oposição levará consigo o Estado.
A polémica que acaba de reacender no município da Beira, liderado por Daviz Simango, gira em torno de 17 edifícios municipais que a Frelimo reclama serem seus. Mas tais edifícios, parte abandonados pelos seus proprietários à data da independência, foram sempre usados pelo Município da Beira para desenvolver a prestação de serviços municipais nos diferentes bairros da autarquia, mesmo na altura em que a Frelimo estava no poder naquele ponto do país.
Mas na tensão permanente que existe na Beira desde que a oposição ali é poder, o Tribunal Judicial da cidade, aparentando estar de mãos dadas com a Frelimo, decidiu executar a sentença, mesmos antes da decisão do Tribunal Supremo, para onde recorreu Simango. O Município da Beira entende que o juiz viciou os procedimentos e os apoiantes do MDM (Movimento Democrático de Moçambique) em solidariedade com os funcionários autárquicos continuam de plantão nos diferentes edifícios para inviabilizar a execução da sentença, mesmo depois de ser visível o reforço de “blindados” recebidos pela polícia em Sofala.
Recurso
Daviz Simango já requereu também ao presidente do Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ) que sujeite o Tribunal Judicial da Província de Sofala a uma “sindicância”, pelo que alega tratar-se de “sucessivas ilegalidades” praticadas pelo referido tribunal em vários processos. Simango pede ainda ao CSMJ que “instaure os competentes processos disciplinares aos agentes responsáveis pelas ilegalidades cometidas” O documento deu entrada no CSMJ no dia 16 do corrente mês.
Ele insiste que o Conselho Municipal da Beira é o legítimo proprietário de 15 edifícios, dos 17 imóveis em litígio. Os edifícios em causa sempre foram usados para prestar serviços municipais, mesmo durante a altura em que o município da Beira estava nas mãos da Frelimo.
Mas em 2004, após perder a eleição Beira, a Frelimo afirmou que as casas não eram de propriedade municipal. Foram registadas em seu nome. Afirmou que o Conselho Municipal tinha que pagar o arrendamento à Frelimo.
Na ocasião, um processo judicial se seguiu, e o Tribunal de Sofala decidiu a favor da Frelimo, em Dezembro de 2004. Daviz Simango apelou ao Tribunal Supremo. Em 2008, o Tribunal de Sofala exigiu que o Conselho Municipal pagasse uma caução para garantir que sua decisão fosse suspensa enquanto o recurso seguia os seus trâmites legais.
O Conselho Municipal da Beira pagou. Porém, na semana passada o Juiz Presidente do Tribunal de Sofala, Hermenegildo Jone, primeiro anunciou que não foi paga a caução e depois emendou a posição para dizer que o depósito bancário não foi suficiente. Simango mostrou à imprensa que o Conselho Municipal havia pago 160.795 meticais, mas o Tribunal exigia 795.502,00 meticais. De forma caricata, o tribunal levou dois anos para comunicar ao Conselho Municipal que o depósito não era suficiente, um flagrante exemplo da letargia que reina nos tribunais moçambicanos e concorre para a descredibilização do sistema de justiça. Esta semana, Daviz Simango exibiu
documentos aos jornalistas para provar que os imóveis não pertencem à Frelimo.
A Frelimo argumenta que depois do processo das nacionalizações, em 1976, os edifícios passaram à gestão do Estado. A Frelimo ficou inquilino dos imóveis. Em seguida, a Frelimo diz ter exercido o seu direito de compra.
Mas Simango afirma que algumas das casas nunca pertenceram à APIE. O edifício de Macúti foi construído em 2002, com recursos financeiros do Conselho Municipal. Simango disse que tal pode ser demonstrado através do Orçamento de Investimento de 2002. Da mesma forma, o prédio utilizado pela secretaria do bairro Matadouro nunca foi um edifício da APIE. Ele havia sido usado como um estaleiro, num trabalho de um projecto de reabilitação urbana. Quando o empreiteiro o abandonou, o Conselho Municipal assumiu o controlo. Simango possui documentos que atestam a entrega do estaleiro pelo Fundo para o Fomento de Habitação (FFH) a 20 de
Novembro de 2001. O FFH estava representado pelo arquitecto, Rafael Massimbe.
Quanto ao bairro Ponta Gêa, Simango disse que o prédio citado pela Frelimo não está a ser usado pela secretaria do bairro em pleno. É compartilhado com a Direcção de Identificação Civil de Sofala. Simango fez notar que a confusão de endereços continua em alguns dos outros edifícios reivindicados pela Frelimo. Ele afirmou que a Frelimo estava com tanta pressa “para forjar documentos” que ela tinha começado a errar endereços.
Apesar de alguns edifícios ainda estarem em nome da APIE, a Frelimo começou a cobrar o arrendamento ao Conselho Municipal a partir de 22 de Janeiro de 2003. O contrato de arrendamento foi assinado a 22 de Janeiro de 2003 pelo primeiro secretário da Frelimo na Beira, José Luís Juga (já falecido) e Chivavice Muchangage, antecessor de Daviz Simango. A renda total paga foi de pouco menos de 51.200 meticais. Isto significa que a Frelimo subarrendou os edifícios, numa altura em que era inquilina da APIE, prática ilegal e sancionada por lei.
Peritagem
Na manhã de terça-feira, Simango reuniu-se com o juiz Hermenegildo Jone, e Gilberto Correia, advogado da Frelimo e bastonário da Ordem de Advogados. Decidiu-se pela indicação de uma equipa de peritagem para identificar com clareza os imóveis considerados da Frelimo em disputa com o Conselho Municipal da Beira.
O edil da Beira acredita que com esta equipa de profissionais, a verdade virá à superfície, dado que os documentos na sua posse irão ajudar a averiguar melhor o assunto e posteriormente avançar com o processo.
O advogado do CMB, João Cazonda explicou que a sua dúvida não estava relacionada com os documentos na posse do tribunal, mas sim sobre a identificação das infra-estruturas concretas arroladas pela Frelimo.
Porém, o mandatário judicial do partido Frelimo e advogado do processo, Gilberto Correia, disse não haver necessidade de criar equipa de peritagem.
Salientou que, no encontro, à porta fechada, o edil da Beira terá exigido apenas a explicação de uma infraestrutura abrangida no processo. Gilberto Correia cita o edil da Beira como tendo dito que a certidão em sua posse indica que tal imóvel não era pertença da Frelimo.
Correia referiu que após a peritagem das certidões dos imóveis o juiz da causa dará o desfecho. Num processo inédito e demonstrativo de uma nova forma de fazer política, o edil da Beira tem vindo a público trazer documentação do processo, comprando também um espaço publicitário no jornal local, o “Diário de Moçambique”, tradicionalmente hostil à autarquia. Uma parte da cúpula do MDM, incluindo o secretário-geral do partido, o deputado Ismael Mussá, está na Beira desde os meados da semana para acompanhar a situação.
A polícia, tem comparecido em grande número junto aos vários edifícios, mas não foram registadas cargas sobre a população que defende as instalações autárquicas. Os populares, que
que em muitos casos estão a cozinharem plena rua, cantam o refrão “daqui não saímos, venham-nos matar então”.
Por José Chirinza, a partir da capital de Sofala, SAVANA, 23/07/10
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