Maputo (Canalmoz) - Um dos rostos mais visíveis do regime dos Khmer Vermelhos, que oprimiu o povo do Camboja de 1975 a 1979, acaba de ser condenado a 30 anos de prisão por crimes contra a humanidade. Kaing Guek Eav, também conhecido por “Duque”, era o responsável por um dos “campos de reeducação” do regime liderado por Pol Pot, e onde morreram às suas ordens para cima de 15 mil pessoas.
Ao fim de cerca de 30 anos de regime de terror, o povo do Camboja vê finalmente a justiça a ser feita. A memória dos milhões de cambojanos que pereceram sob a opressão dos ‘Khmer Rogues’ não foi esquecida.
Os traços desse regime – destruição da sociedade velha, criação do homem novo, evacuação dos improdutivos para campos de trabalhos forçados, reeducação dos reaccionários e execução sumária dos inimigos do povo – confundem-se com a fisionomia do regime instituído no nosso país na mesma altura que os Khmer Vermelhos ascenderam ao poder. Os partidos dirigentes dos dois Estados apostavam estatutariamente na destruição – ou “escangalhamento” – das sociedades, ditas tradicionais feudais e decadentes. Ambos reclamavam ter sido iluminados por correntes progressistas durante os anos que viveram em Paris e disso fazem alarde em volumosas memórias que impingem a preço de saldo. Em público, a adulação e o enaltecimento das figuras de proa de cada um dos regimes era a nota dominante.
Os que ontem oprimiam, torturavam e matavam o povo do Camboja, confessam hoje, perante os tribunais, os seus hediondos actos. Com humildade, pedem perdão pelas barbaridades que admitiram ter praticado.
Talvez isso, e apenas isso, diferencie os dois regimes que começaram por marcar fases distintas da histórica da Ásia e da África quase que em simultâneo. Deste lado da história, a arrogância, o desplante e a impunidade de uns poucos contrastam com a humildade e o arrependimento manifestados por um Kaing Guek Eav. Outras figuras do regime dos Khmer Rogues preparam-se para subir à barra dos tribunais. Possivelmente, novas lições de humildade e arrependimento serão dadas naquele outro lado da história. Deste lado, continuaremos a assistir – por já estarmos habituados – aos que, orgulhosamente sós, enaltecem um passado manchado de sevícias, de ultraje, de humilhação, de degradação da pessoa humana e de sangue, por terem a convicção de que eles próprios e o poder judicial «estão juntos». A lição que a História da humanidade nos trás, e que este caso no Camboja só reconfirma, é que mais tarde ou mais cedo, tudo o que se tentou escrever por linhas tortas, acaba por ser escrito direito. Os familiares e herdeiros das vítimas dos abusos do Poder em Moçambique ainda hão-de um dia celebrar a verdade quando as algemas que continuam a manietar a palavra se quebrarem definitivamente. A humildade dos que têm os seus nomes ligados a práticas semelhantes às dos Khmers Vermelhos do Camboja poderia evitar processos de catarse, mas o seu sentido da auto-estima é tão perverso, a política de exclusão tão evidente, que não conseguem ver como acabam todos os que se guiam pela ganância e obsessão totalitária.
(Editorial do Canalmoz / Canal de Moçambique)
Ao fim de cerca de 30 anos de regime de terror, o povo do Camboja vê finalmente a justiça a ser feita. A memória dos milhões de cambojanos que pereceram sob a opressão dos ‘Khmer Rogues’ não foi esquecida.
Os traços desse regime – destruição da sociedade velha, criação do homem novo, evacuação dos improdutivos para campos de trabalhos forçados, reeducação dos reaccionários e execução sumária dos inimigos do povo – confundem-se com a fisionomia do regime instituído no nosso país na mesma altura que os Khmer Vermelhos ascenderam ao poder. Os partidos dirigentes dos dois Estados apostavam estatutariamente na destruição – ou “escangalhamento” – das sociedades, ditas tradicionais feudais e decadentes. Ambos reclamavam ter sido iluminados por correntes progressistas durante os anos que viveram em Paris e disso fazem alarde em volumosas memórias que impingem a preço de saldo. Em público, a adulação e o enaltecimento das figuras de proa de cada um dos regimes era a nota dominante.
Os que ontem oprimiam, torturavam e matavam o povo do Camboja, confessam hoje, perante os tribunais, os seus hediondos actos. Com humildade, pedem perdão pelas barbaridades que admitiram ter praticado.
Talvez isso, e apenas isso, diferencie os dois regimes que começaram por marcar fases distintas da histórica da Ásia e da África quase que em simultâneo. Deste lado da história, a arrogância, o desplante e a impunidade de uns poucos contrastam com a humildade e o arrependimento manifestados por um Kaing Guek Eav. Outras figuras do regime dos Khmer Rogues preparam-se para subir à barra dos tribunais. Possivelmente, novas lições de humildade e arrependimento serão dadas naquele outro lado da história. Deste lado, continuaremos a assistir – por já estarmos habituados – aos que, orgulhosamente sós, enaltecem um passado manchado de sevícias, de ultraje, de humilhação, de degradação da pessoa humana e de sangue, por terem a convicção de que eles próprios e o poder judicial «estão juntos». A lição que a História da humanidade nos trás, e que este caso no Camboja só reconfirma, é que mais tarde ou mais cedo, tudo o que se tentou escrever por linhas tortas, acaba por ser escrito direito. Os familiares e herdeiros das vítimas dos abusos do Poder em Moçambique ainda hão-de um dia celebrar a verdade quando as algemas que continuam a manietar a palavra se quebrarem definitivamente. A humildade dos que têm os seus nomes ligados a práticas semelhantes às dos Khmers Vermelhos do Camboja poderia evitar processos de catarse, mas o seu sentido da auto-estima é tão perverso, a política de exclusão tão evidente, que não conseguem ver como acabam todos os que se guiam pela ganância e obsessão totalitária.
(Editorial do Canalmoz / Canal de Moçambique)
2 comments:
Como se costuma dizer: "tudo tem um princípio e um fim" - nada é eterno, nem Mugabe será, nem Samora o foi.
Maria Helena
Tudo seria diferente se os nossos políticos assumissem os seus erros!
Isso não vai acontecer mas é impossível manipularem permanentemente a História.
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