Tuesday 6 July 2010

Inacção e suspeições na Assembleia da República

SR. DIRECTOR!

Neste momento em que a magna Assembleia da República já mandatou a Comissão de Administração Pública, Poder Local e Comunicação Social, para proceder à revisão do pacote eleitoral, julgo ser oportuno expor alguns assuntos para reflexão e sua possível inclusão na gama das matérias a rever.

Maputo, Terça-Feira, 6 de Julho de 2010:: Notícias

Esta iniciativa surge a propósito do debate da Conta Geral do Estado do exercício económico de 2008, havido nos dias 24 e 25 do passado mês de Maio, durante o qual ficou claro que o Governo alterou o orçamento sem autorização da Assembleia da República, numa clara violação da Constituição da República e da Lei do Orçamento.

É que em condições normais, ou seja, se em Moçambique houvesse uma clara e indelével separação entre os poderes legislativo e executivo, de certeza que perante tamanha violação da Constituição e da lei a Assembleia da República teria aprovado moção de censura ao Governo.

Acontece porém que desde que foi constituída em multipartidária, a nossa Assembleia da República nunca agiu nesse sentido e creio que isso seja devido ao facto de o Chefe do Governo ser o próprio Presidente da República, por sinal o mais alto magistrado da Nação, sendo que uma censura ao Governo seria logo tida como condenação ao Chefe do Estado, atitude que na verdade e nas nossas actuais condições, constituiria inadmissível atrevimento.

Para tanto, basta saber que as qualidades de “Chefe do Estado” e de “mais alto magistrado da Nação” têm o significado de que o Presidente da República é também Chefe de todos os ministros, e simultaneamente Chefe do Presidente da Assembleia da República, do Presidente do Tribunal Supremo, do Presidente do Tribunal Administrativo, do Procurador-Geral da República e do Presidente do Conselho Constitucional.

Ele é, ainda, Chefe de cada soldado, de cada membro da segurança e de cada polícia, isto na sua qualidade de Comandante-Chefe das Forças de Defesa e Segurança.

Ora, emitir moção de censura contra uma figura política investida de pesados poderes que lhe conferem todos os cargos atrás mencionados, na verdade não pode ser tarefa fácil.

Outro factor que na minha modesta opinião concorre deveras para coarctar o exercício livre e pleno da acção fiscalizadora da Assembleia da República aos actos do governo, está no facto de uma parte considerável da bancada maioritária ser constituída por deputados que nos quinquénios anteriores foram membros dos Governos sucessivos aos vários níveis territoriais.

Neste contexto, e em prol da transparência e imparcialidade, julgo que os deputados que nos quinquénios anteriores foram membros do Governo deveriam abster-se de se pronunciar sobre determinadas matérias, como por exemplo sobre as Contas Gerais do Estado dos últimos dois anos, visto que foram eles os executores dos respectivos orçamentos!

Posto isto, interrogo-me se, numa situação tão embaraçosa como a acima descrita, e depois de volvidos 23 anos de experiência de acumulação dos cargos de Presidente da República e de Chefe do Governo pela mesma personalidade, não terá chegado o momento para revermos o texto constitucional visando atribuir a chefia do Governo ao Primeiro-Ministro?

E será que a forma de organização política do Estado aqui sugerida traria alguma mais-valia para a desejada boa governação do país? Sem dúvidas que sim, na medida em que:

a) Por um lado, é absolutamente estéril uma fiscalização exercida por um órgão incapaz de aplicar a mínima medida punitiva ao órgão fiscalizado, como actualmente acontece nas relações entre a Assembleia da República e o Governo, pelas razões de facto acima expressas;

b) Bem diz o compatriota Taíbo Mucobora, digno Procurador-Geral Adjunto da República, que “a penalização é uma forma de promover a integridade, mesmo que forçada”. Aliás, não é salutar que a Assembleia da República, órgão legislativo por excelência que é, seja sistematicamente tolerante às violações da legalidade, porquanto isto constitui mau exemplo para toda a sociedade;

c) Perante a plena liberdade dos deputados no exercício da fiscalização cerrada e desinibida dos actos do Governo, o Primeiro-Ministro, na qualidade de Chefe do Governo, sentir-se-ia pressionado e obrigado a exigir dos ministros rigoroso desempenho e trabalho de qualidade, de modo a merecer sempre nota positiva da parte da Assembleia da República e de gozar de uma merecida reputação da parte do Chefe do Estado e da sociedade em geral;

d) Os ministros, por sua vez, seriam impelidos a agir com rigor em relação a todos os funcionários seniores sob sua directa subordinação; e,

e) Mais do que tudo isto, os discursos públicos do próprio Presidente da República passariam a ser equidistantes e insuspeitos, porque resultantes do exercício, de forma descomprometida, das suas competências de verdadeiro Chefe do Estado, de garante da Constituição e do mais alto magistrado da Nação, honrando desta feita o seu juramento prestado nos termos do n.º 2 do artigo 150 da Constituição da República de Moçambique.

Por outro lado, e como facilmente se pode concluir, este exercício todo contribuiria sobremaneira para um acelerado desenvolvimento em todas as esferas da vida nacional e sobretudo no âmbito do indicador referente ao desenvolvimento humano, fruto da rigorosa e cerrada responsabilização individual e colectiva pelo desempenho cada vez melhor, em prol do almejado bem-estar social.

PS 1. Segundo o artigo 256 da Constituição da República de Moçambique, “o Provedor de Justiça é um órgão que tem como função a garantia dos direitos dos cidadãos, a defesa da legalidade e da justiça na actuação da Administração Pública”.

2. Ainda segundo o n.º 1 do artigo 56 da mesma Constituição, “os direitos e liberdades individuais são directamente aplicáveis, vinculam as entidades públicas e privadas, são garantidos pelo Estado e devem ser exercidas no quadro da Constituição e das leis”.

3. Ora, perante esta bela e apaixonante arrumação jurídica, urge perguntar se a falta de eleição do Provedor de Justiça, órgão criado há mais de cinco anos, não constitui grave violação da Constituição da República por omissão, isto precisamente neste momento em que a bancada do partido Frelimo detém mais dos dois terços dos deputados necessários para a eleição do órgão em apreço?

4. Estamos à espera de quê, quando a meta é a promoção da “simplificação de procedimentos administrativos e a aproximação dos serviços aos cidadãos”?

  • João Baptista André Castande

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