Monday 21 March 2011

O Mondlanegate


“Deixo o Conselho Constitucional convicto de que dei o melhor de mim para o desenvolvimento da instituição, quer no âmbito interno, quer na projecção da sua melhor imagem além-fronteiras”, Luís Mondlane, Presidente do Conselho Constitucional, na sua nota de renúncia.

Apesar dos erros que cometeu, saúde-se o facto de ter compreendido que o seu tempo tinha chegado ao fim. Infelizmente, apesar deste ter renunciado, ainda sobram muitos mondlanes na gestão das nossas instituições públicas

Como era esperado, o Presidente do Conselho Constitucional não resistiu ao vendaval que ele próprio abriu, com a sua gestão naquela instituição. Luís Mondlane sucumbiu à enorme pressão da comunicação social, decidindo-se, por fim, pela renúncia ao cargo.
Pelo menos, o Presidente do Conselho Constitucional foi bem mais sensato ao abandonar pelo seu próprio pé a tentar desafiar uma saída mais humilhante, por via de processo disciplinar. Por esta atitude, realce-se a dignidade do homem que, por vezes, nos esquecemos que há por detrás daquelas trajes e insígnias de juiz. Um homem com defeitos e virtudes, mas também com sensibilidade.
Apesar dos erros que cometeu, saúde-se o facto de ter compreendido que o seu tempo tinha chegado ao fim. Outros, no seu lugar, tentariam fintar o destino com expediente dilatório. Porque, infelizmente, apesar deste ter renunciado, ainda sobram muitos mondlanes na gestão das nossas instituições públicas.
Mas a forma como ele sai não atenua a essência do problema: Luís Mondlane foi vítima de si mesmo, nomeadamente da sua desmedida apetência em servir-se no lugar de servir. Mas sobretudo foi vítima por não ter compreendido que, mais do que juiz, como Presidente do Conselho Constitucional, ele era um gestor. E as decisões de um gestor, ao contrário das de um juiz, não prevalecem necessária e obrigatoriamente sobre outras opiniões, não são propriamente irrecorríveis. Abrem sempre uma nesga de diálogo.
Ao invés, Luís Mondlane colocou o juiz que existe dentro de si a tomar decisões de gestão e, naturalmente, deu-se mal. Compreende- se, apesar de não se aceitar: por regra, o juiz está habituado a escutar apenas a sua consciência. Pelo contrário, por regra, o gestor tem que escutar sempre as outras consciências. O juiz Luís Mondlane convocou exclusivamente a sua própria consciência, quando forçou a nomeação da “sua” Secretária-Geral, não dando ouvidos sequer aos seus próprios pares que, como se viu mais tarde, afinal tinham razão.
Por isso, a partir da altura em que saiu o acórdão do Tribunal Administrativo, dando razão aos juízes-conselheiros do Conselho Constitucional, Luís Mondlane deixou de ter espaço de manobra para continuar como Presidente. As questões da casa e dos seus gastos foram apenas a arma instrumental que os seus detractores usaram para o penalizar pelas suas práticas anti-democráticas, atirando- o às garras da comunicação social e deixando-o sucumbir penosamente, nas boca do povo, como sucedeu nestas últimas três semanas.
A verdade é que Luís Mondlane não compreendeu a lógica de alianças que se tece na gestão de instituições. Tinha demasiados telhados de vidro para se arriscar a abrir tantas frentes de confrontação com os seus colegas e subordinados, como tinha decidido empreender. Agora, certamente que não deve ter muitas dúvidas que foram eles que lhe colocaram a casca de banana para escorregar e deixar a nú os muitos problemas que, afinal, ele tinha na gestão do Conselho Constitucional.
Mas o episódio de Luís Mondlane no Conselho Constitucional permitiu-nos despertar para um problema central, que temos nas nossas instituições: alguns dirigentes das nossas instituições públicas, incluindo algumas mesmo altamente respeitáveis, vivem de falsos moralismos, apregoando em público práticas que eles próprios não se permitem seguir. Só isso explica que, em tempo de austeridade, vivam à grande e à francesa à custa do dinheiro dos contribuintes. Veja-se os princepescos direitos e regalias que as Leis Orgânicas do Conselho Constitucional, Tribunal Supremo e Tribunal Administrativo, para tomar estas instituições como exemplo, dão aos juízes-conselheiros e percebe-se logo que há um outro Moçambique dentro deste que conhecemos.
Causou estranheza a actuação, ou melhor a falta dela, do Ministério Público neste caso. O Presidente do Conselho Constitucional está a ser acusado de gestão pouco criteriosa, esbanjadadora, dos bens públicos, há praticamente três semanas. Estamos, potanto, em presença de um crime público, que merece ser investigado por quem é o guardião da Legalidade no país e advogado do Estado. No entanto, o Ministério Público optou por um alheamento intrigante, como se o Estado delapidado não fosse o moçambicano. A comissão de inquérito constituída pelos juízes-conselheiros tem uma natureza disciplinar, mas nas acusações feitas a Mondlane há, sobretudo, muita matéria de natureza criminal, que clama pela intervenção do Ministério Público.
Acaso, estaremos em presença de uma espécie de pacto de comadres, uma vez que está em causa o Presidente de um outro órgão de soberania com responsabilidades na administração da justiça? Ou seja, um órgão de administração da justiça a não querer beliscar o outro?
Isto remete-nos ao último ponto deste artigo: com as instituições do Estado inactivas, foram os meios de comunicação social, o chamado quarto poder, a denunciar e a forçar o Presidente do Conselho Constitucional a renunciar ao cargo por suspeitas de más práticas na gestão. Para aqueles que desconfiavam do poder da media, em Moçambique, eis a prova inequívoca de que a comunicação social é tão importante quanto as instituições do Estado e uma democracia e um Estado de Direito fortes precisam, indubitavelmente, de uma comunicação social forte. O primeiro verdadeiro watergate à moçambicana está aí como prova...

Jeremias Langa, O País

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