O Governo não tem moral para mandar prender os devedores dos 7 Milhões, que devem “penchinchas”, quando o mesmo Governo assobia ao lado há 10 anos e não consegue sequer que os famosos devedores do Tesouro paguem aos poucos as suas dívidas
Numa decisão inusitada e surpreendente, o Conselho de Ministros decidiu, esta semana, segundo o seu porta-voz, que os devedores dos 7 Milhões vão para a cadeia, a partir de agora.
É uma decisão surpreendente porque, que se saiba, a tarefa de fazer justiça cabe à Justiça e ao Governo apenas governar. Só a Justiça pode determinar as penas para as infracções que forem cometidas, seguindo as leis vigentes no país.
Na verdade, se não tenho ouvido e visto na televisão o porta-voz do Conselho de Ministros dizê-lo, acreditaria sempre que não era verdade, que se tratava de coisa da Oposição. Porque um Governo sensato nunca tomaria aquele tipo de decisão. Pelo menos, nunca a diria em público. Primeiro, porque dívida não é crime. Para além de que quem empresta dinheiro, salvaguarda um conjunto de garantias legais, que accionia logo que o mutuário não paga.
Ou seja, o problema dos 7 milhões, que coloca todo um Governo atarantado, não é propriamente a dívida em si, como ainda esta semana sublinhou o Prof. Lourenço do Rosário. É, antes dos critérios subjacentes à sua atribuição, o clientelismo político que instalaram nos distritos, transformando-se num instrumento mais de exclusão do que de inclusão, pela forma como são seleccionados os elegíveis. Mais a mais: os 7 Milhões foram criados sem normas, estas encontraram o jogo em andamento e...as normas lutam desesperadamente para se adaptar ao jogo e aos intervenientes do mesmo. Segundo, porque o Governo não tem moral para mandar prender os devedores dos 7 Milhões, que devem “penchinchas”, quando o mesmo Governo assobia ao lado há 10 anos e não consegue sequer que os famosos devedores do Tesouro paguem aos poucos as suas dívidas, estas sim, muito significativas para as contas públicas.
Como consta da análise da Conta Geral de 2009, feita pelo Tribunal Administrativo, e que segue para debate na Assembleia da República, ainda nesta terceira sessão, desde 2001, as várias dezenas de empresas devedoras só pagaram...7% da dívida e a maioria nunca desembolsou um tostão. A cada ano, fazem expediente dilatório. O Tesouro faz outro. O Estado tem o Ministério Público como seu advogado e outros mecanismos legais para obrigar os devedores a honrar os seus compromissos, mas nada faz.
No ano passado, o ministro Manuel Chang anunciou que o Estado ia contratar uma empresa privada para cobrar coercivamente a dívida. Até agora, no entanto, não consta que alguma empresa esteja contratada e a fazer o serviço, como ilustra o último relatório do mesmo Tribunal Administrativo.
É brincadeira para boi dormir, dizem os brasileiros. O mesmo se pode dizer dos fundos dos contribuintes que capitalizaram o Banco Austral ou serviram para tapar o enorme buraco no ex-BCM. Tanto num como noutro caso, não há devedores presos! Não será, portanto, agora! Imaginem que moral teria um governante que decidisse sair à rua e mandasse prender o camponês de Chibabava, porque não consegue pagar os 75 mil meticais que pediu ao fundo dos 7 Milhões para a sua horta, e em contrapartida deixasse os tubarões daquela imensa lista dos devedores ao Tesouro a pulular pelas ruas deste país com seus bólides de último lançamento.
E a moral é extremamente importante em quem governa. Em matéria de rigor na cobrança de dívidas, quem está a governar agora, não a tem, indiscutivelmente.
E isto leva-nos ao segundo ponto deste artigo – ao “caso Mondlane”. Na entrevista que deu ao jornal Domingo, o agora ex-presidente do Conselho Constitucional disse várias coisas assustadoras para a credibilidade das nossas instituições, das quais destaco duas: 1) que o contrato firmado entre o Conselho Constitucional e o proprietário do imóvel em que vive, e que esta(va) em seu nome, teve o visto do Tribunal Administrativo; 2) que o Tesouro autorizou o pagamento de amortizações de 271 mil meticais à tal casa, apesar de ainda estar em nome do cidadão Luís Mondlane, por acaso Presidente do Conselho Constitucional.
A pergunta que se nos oferece fazer é: como é que o Tribunal Administrativo visa um contrato em que os outorgantes são, de um lado, o Conselho Constitucional e, do outro, Luís Mondlane e o locatário é...o Presidente do Conselho Constitucional? Como foi possível o Tesouro usar dinheiro dos contribuintes para amortizar uma casa que não pertence e nunca pertenceu ao Estado? Numa época em que o Estado manda apertar cinto, como é que o ministro das Finanças mostra atitude despesista e autoriza tão elevados montantes para pagar rendas de uma casa que não é do Estado? Só a promiscuidade de relações entre os diversos intervenientes pode explicar o que se passou.
Luís Mondlane diz na entrevista que colocou a casa em seu nome para segurar o negócio, enquanto o Tesouro tratava da burocracia para libertar os valores. E que quando o dinheiro do Teosuro esteve disponível, passou a casa ao Estado. A realidade, no entanto, não é essa: a casa em discussão continua em nome de Luís Mondlane, até hoje. Quando já estava atolado em dívidas por não conseguir pagar aos bancos a parte que lhe cabia nas amortizações mensais e o banco começou a pisar-lhe os calos, Mondlane mandou uma carta ao Tesouro a solicitar que a casa passasse para as mãos do Estado. Mondlane assumiu esse pedido como uma transferência automática ao Estado. Só que esse pedido nunca teve autorização do Ministério das Finanças que, entretanto, se apercebeu da embrulhada em que se metera. Portanto, a casa nunca foi do Estado, continua a pertencer ao cidadão Luís Mondlane, apesar de que foi largamente financiada por fundos dos contribuintes.
Tão inexplicável como as amortizações da casa é o pagamento dos bens para o seu recheio. Mondlane diz na entrevista que o “procurement” foi feito pela sua esposa, na África do Sul, e o Estado encarregou-se de fazer o pagamento, sem se preocupar em seguir as regras que o próprio Estado criou – isto é, sem concurso público, com fornecedor escolhido a dedo pela esposa do Presidente do Conselho Constitucional. Definitivamente, as boas práticas que as nossas instituições apregoam todos os dias, não funcionam quando estão em causa os interesses dos seus dirigentes.
Mais: se o Conselho Constitucional tem o seu próprio orçamento, por que tem de ser o Tesouro a financiar directamente as despesas de decoração da casa do Presidente do Conselho Constitucional? É isto, em parte, que explica o que escreveu o Tribunal Administrativo, no relatório de execução da Conta Geral do Estado de 2008: o Estado faz alocações orçamentais sem autorização nem conhecimento do parlamento.
Por último, mas não menos importante: a questão ético-moral em todo este dossier. Cristaliza-se, cada vez mais, neste país, a assustadora ideia de que a dignidade dos mais altos dirigentes do Aparelho do Estados se consegue acomodando-os em palácios imperiais. Por isso que Luís Mondlane, quando passa a Presidente do Conselho Constitucional, achou-se no direito de viver numa casa que custa quase 800 mil dólares aos contribuintes. Só a amortização de 271 mil meticais que o Estado paga, mensalmente, para lhe dar “acomodação condigna” no seu palacete, daria para pagar salário mínimo a 108 pessoas po mês, neste país. E estamos a falar da casa de um servidor do Estado, que vive dos impostos dos cidadãos, num dos países mais pobres do mundo, que depende da ajuda externa, e não de um empresário, produtor de riqueza.
Esta, sim, meus senhores, é uma forma de injustiça bem mais cruel do que a que vivem no quotidiano os moçambicanos...
Jeremias Langa, O País
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