Wednesday, 16 March 2011

Droga, brinquedos e bronca no CC


Porque é inaceitável que o país esteja a apregoar austeridade e contenção e um dos presidentes de um órgão de soberania, como é o Conselho Constitucional, tenha um comportamento impoluto, predador, delapidador, de ostentação.

As autoridades moçambicanas decidiram terminar de uma forma surpreendentemente simples a suspeição que se levantou, na semana passada, de que dois contentores tinham ido parar ao porto de Maputo com armas e drogas: com um comunicado lacónico de dois parágrafos, emitido ao fim da manhã do sábado passado, a dizer que os contentores suspeitos, a final, não tinham armas, mas sim brinquedos. E ponto final e parágrafo no assunto.
Está mais do que evidente que a utilização de um comunicado é uma fuga para frente. Foi a forma engenhosa que as autoridades encontraram para escapar ao confronto com a opinião pública e da ingrata tarefa de explicar algumas coisas inexeplicáveis. Todos os dias, por muito menos, vemos porta-vozes da polícia nas televisões a darem a cara para explicar operações sem grande monta. Uma suspeita de armas e drogas em dois contentores parece uma operação sem grande importância para merecer uma explicação pública detalhada, ainda mais num país que está sob suspeição internacional, apontado como corredor de narcotráfico. Por que será?
À terça-feira, as Alfândegas estavam surpreendidas com a notícia deste jornal. Emitiram um comunicado a sublinhar veementemente que não tinham conhecimento da existência de contentores suspeitos no porto de Maputo. À quarta-feira, oficiais da polícia confirmam ao jornal “Notícias” a existência dos dois contentores com armas. Mas, afinal, era tudo legal, as armas iam à Swazilândia e o Governo moçambicano tinha conhecimento do assunto. À 5ª feira, o ministro do Interior, exibindo surpresa perante as câmeras da STV, diz-se “preocupado” com a notícia e promete investigar. No dia seguinte, o primeiro-ministro alinha pelo mesmo diapasão: deixem as autoridades trabalhar no assunto, quando concluírem, saberemos o que há. Aparentemente, o Governo não estava a par do assunto!
Uma leitura atenta ao comunicado de sábado do Comando-Geral da PRM revela-nos, primeiro, que a polícia confirma o que as Alfândegas haviam negado: havia, afinal, contentores que estavam a ser investigados desde terça-feira. Por que, então, as Alfândegas queriam que a informação não fosse pública, se são citadas como parte da investigação?
Segundo, se agentes da PRM, Alfândegas, Migração e SISE estavam a investigar dois contentores no porto de Maputo, como afirma o comunicado do Comando-Geral, então, o Governo não tinha conhecimento do assunto e, portanto, não estavam certas as fontes policiais do “Notícias” de que as armas iam para a Swazilândia.
Terceiro: o comunicado da polícia, e posteriormente os oficiais envolvidos na operação, disseram-nos que abriram os contentores e tiraram tudo o que havia lá dentro para se certificarem de que não havia nada. O comum dos cidadãos questiona, entretanto, afinal para que servem os scanners instalados no porto de Maputo, se a polícia tem de fazê-lo manualmente? Quarto: Polícia e Alfândegas fazem questão de convidar jornalistas para reportar as suas gloriosas jornadas de apreensões.
No caso em apreço, e apesar de toda a expectativa que havia na opinião pública, não só não os chamaram, como os queriam longe. Não convinha, pelos vistos, que os jornalistas vissem os brinquedos. São demasiado adultos para se entreterem com brinquedos, não é?
Por tudo isto, e mais que não se revela aqui, as nossas crianças têm todas as razões para se orgulhar da engenosa capacidade da nossa polícia de transformar armas em brinquedos. Que inveja deve sentir o Conselho Cristão com o seu projecto TAE...
Esta semana, o jornal “Savana” saiu com novos dados sobre a vida fastuosa do Presidente do Conselho Constitucional.
Em ano e meio de mandato, diz o jornal, o CC já gastou assustadores 12 milhões de meticais, não em material de trabalho, mas sim em criar conforto para o seu presidente. E dentre as despesas, consta o pagamento de passagem aérea e ajudas de custo para a esposa, no valor de quase 160 mil meticais.
No dia 26 deste mês, Almerino Manhenje vai começar a ser julgado por ilegalidade orçamental por, de entre outras infracções, ter autorizado passagem para a sua esposa e sobrinha, por valores bem menores do que os do presidente do Conselho Constitucional. A Constituição diz que todos os cidadãos são iguais perante a lei. As instituições da Justiça têm, agora, um gigantesco desafio para provar que isto não é só teoria...
O certo é que os factos publicados pelo “Magazine Independente” e pelo “Savana” deixaram Luís Mondlane sem condições absolutamente nenhumas para continuar no cargo. Porque é inaceitável que o país esteja a apregoar austeridade e contenção e um dos presidentes de um órgão de soberania, como é o Conselho Constitucional, tenha um comportamento impoluto, predador, delapidador, de ostentação.
Até este episódio, o Conselho Constitucional era visto, de entre todos os órgãos de administração da Justiça, como o que mais verdadeiramente era imparcial e resoluto na defesa da democracia e da legalidade dos actos do Estado. Não se intimidou em declarar inconstitucionais até decisões do Presidente da República. Isso granjeou-lhe prestígio e uma imagem sem mácula.
No entanto, as notícias que surgem nos jornais, nos últimos dias, beliscaram-lhe duramente o prestígio. Não apenas o seu Presidente. Mas também o órgão no seu todo, isto é, juízes-conselheiros incluídos.
Por isso, se nada fizerem para o esclarecimento do assunto (e o público tem o direito constitucional à verdade sobre como é gerida a coisa pública), os próprios juízes-conselheiros serão vistos como cúmplices.
É, pois, urgente que façam qualquer coisa, como, por exemplo, convencerem o seu Presidente a aceitar ser escrutinado pelos seus próprios colegas para que a verdade venha ao de cima. Estamos, pois, a sugerir uma comissão de inquérito interna. Ou, se Mondlane não acatar, na pior das hipóteses, irem pela via disciplinar: accionarem a alínea c) do nr 1 do artigo 10 da Lei Orgânica do Conselho Constitucional, obrigando-o a cessar funções. Não fazer nada e fingir que a polémica se esfumará com o tempo, como é hábito em muitas instituições do Estado, pode ser bem mais nefasto para todo o Conselho Constitucional. E para a justiça no geral, cujos gestores serão vistos como também eles predadores.
Porque, sendo estas atribuições do órgão que dirige, que moral terá Luís Mondlane para declarar a ilegalidade dos actos normativos dos órgãos do Estado, se ele próprio é um transgressor dessas mesmas normas? Como é que Luís Mondlane vai fiscalizar as declarações de património e rendimentos dos dirigentes superiores do Estado e titulares de cargos governativos, se ele próprio não é um exemplo?

Jeremias Langa, O País

ADENDA

Presidente do CC está isolado. Leia aqui.

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