Na esplanada está sentado um casal, passa um moço, ela acompanha-o com o olhar: - Você, estás a olhar o quê? - Hei, estou só a apreciar, tu não usas a apreciar também? - Nada, mulher não pode. Logo que aprecia quer, basta ver na montra que logo vai comprar.
Nas mensagens dos palcos de teatro, nas letras das músicas, no papo nos cafés, a mensagem mais comum é de que a mulher aceita tudo, submete-se sempre, deve perdoar, deve calar. As mulheres resignam-se. Não se resignam a ser inferiores, é engano dos homens, resignam-se a fingir que aceitam que são inferiores, que o homem é mais sabedor, mais esclarecido, mais poderoso, mais inteligente, digno de maior respeito. Que é ele quem controla as finanças, o que toma as decisões. Quem tem direito às amantes e aos amigos, às más disposições, aos caprichos, aos gritos e ao descontrolo de uma ou outra chapada de vez em quando, aos desejos, às exigências. Ele é o boss. E elas as submissas, dedicadas aos trabalhos da casa - para conforto do homem, e às crianças - para o sangue da descendência.
Comentam comigo as amigas moçambicanas: - Eu estava para sair e ele me viu com esses shorts... tive de ir mudar. - no meu rosto deve haver espanto por que ela continua - É verdade, contigo não é assim? Ah, é porque és white! Eu, namorado? Se chego para lhe buscar com o lips com menos brilho logo me pergunta: estavas aonde, que não vens de casa? Comenta comigo o Alfeu: - Eu sou moçambicano, e ainda sou jovem, mas sou tradicional, por exemplo eu acho que, como fez o meu pai, os meus tios, e os meus avós antes deles, o homem deve ter pelo menos três mulheres. E leio nos livros, nas análises antropológicas, no Corão... o homem pode, deve, tem a opção de ter mais do que uma mulher. Mas se não consegue tratar as várias mulheres de forma igual, em afectos e valores materiais, então deve manter apenas as que consegue tratar com justiça, três, duas ou apenas uma.
E acrescentaria eu que se conceda aos homens com incapacidade de amar, de cuidar, de respeitar que tenham a quantidade correspondente - nenhuma! No norte de África, sentada numa esplanada, está comigo um namorado e um casal muçulmano. Ele, o homem do casal, é guia turístico, fala línguas, conhece os hábitos do ocidente, fala descontraidamente, olha-me, dirige-me a palavra, brinca com o facto de o meu corpo ser na perspectiva dele pouco... africano. Eu não viajo para julgar, viajo para sentir, para durante algum tempo experimentar os valores e as prioridades de uma cultura que não é aquela onde eu nasci. Consciente que o que me afasta destas pessoas é apenas isso, o contexto.
Os valores de bom e mau, positivo e negativo não são universais, aliás, sabemos logo que nos afastamos o suficiente da nossa rua que nada é universal... A esposa dele, muçulmana, de véu na cabeça, não conversa, olha para baixo e sorri timidamente. O homem conversa animadamente, a determinado momento passa um grupo de mulheres, Hamad olha o grupo, sorri por um momento e diz para o meu companheiro, - Sabes, tenho de me casar outra vez. - eu não reajo logo, mas é apenas porque fui apanhada de surpresa, confesso que me preparo para abrir a boca e gritar a minha indignação e despejar todos os meus valores, ideias (algumas apriorísticas) e sentimentos reais sobre a atitude dele. Mas como disse não viajo para julgar e mais um segundo é o suficiente para pensar para mim “open your mind. Aqui, é normal”.
Mantenho-me em silêncio, respeitosamente. Olho Rassul, a esposa, e os olhos dela continuam baixos, mas mais brilhantes agora, de lágrimas. Estou com colegas numa festa, servem o almoço buffet e as mulheres da mesa levantam-se para servir os homens. Eu sorrio, apenas, e eles provocam: - Joana, tu que já estás aqui há algum tempo, tens de começar a seguir as tradições... vem comida e ficas sentada? Não fica bem! Tens de nos servir! - bom, eu respeito as tradições e na minha curiosidade pelos usos e costumes consigo até conterme, não comentar, respeitar em silêncio, mas se me provocam, aí sigo.
E sigo! Em discurso sobre a igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres. De imediato os homens na mesa quase se levantam e com ênfase replicam: - Mas elas gostam de servir o marido!! Nem somos nós, elas é que gostam! - repito que o confronto não é minha intenção, mas já não resisto: - Ai é? Gostam? Mas nesta mesa há três mulheres e foram os homens que se levantaram para dizer isso!! - elas sorriem e dizem baixinho-
Thanks Joana. - e a mim apetece gritar: - DE NADA, MANAS!
Nas mensagens dos palcos de teatro, nas letras das músicas, no papo nos cafés, a mensagem mais comum é de que a mulher aceita tudo, submete-se sempre, deve perdoar, deve calar. As mulheres resignam-se. Não se resignam a ser inferiores, é engano dos homens, resignam-se a fingir que aceitam que são inferiores, que o homem é mais sabedor, mais esclarecido, mais poderoso, mais inteligente, digno de maior respeito. Que é ele quem controla as finanças, o que toma as decisões. Quem tem direito às amantes e aos amigos, às más disposições, aos caprichos, aos gritos e ao descontrolo de uma ou outra chapada de vez em quando, aos desejos, às exigências. Ele é o boss. E elas as submissas, dedicadas aos trabalhos da casa - para conforto do homem, e às crianças - para o sangue da descendência.
Comentam comigo as amigas moçambicanas: - Eu estava para sair e ele me viu com esses shorts... tive de ir mudar. - no meu rosto deve haver espanto por que ela continua - É verdade, contigo não é assim? Ah, é porque és white! Eu, namorado? Se chego para lhe buscar com o lips com menos brilho logo me pergunta: estavas aonde, que não vens de casa? Comenta comigo o Alfeu: - Eu sou moçambicano, e ainda sou jovem, mas sou tradicional, por exemplo eu acho que, como fez o meu pai, os meus tios, e os meus avós antes deles, o homem deve ter pelo menos três mulheres. E leio nos livros, nas análises antropológicas, no Corão... o homem pode, deve, tem a opção de ter mais do que uma mulher. Mas se não consegue tratar as várias mulheres de forma igual, em afectos e valores materiais, então deve manter apenas as que consegue tratar com justiça, três, duas ou apenas uma.
E acrescentaria eu que se conceda aos homens com incapacidade de amar, de cuidar, de respeitar que tenham a quantidade correspondente - nenhuma! No norte de África, sentada numa esplanada, está comigo um namorado e um casal muçulmano. Ele, o homem do casal, é guia turístico, fala línguas, conhece os hábitos do ocidente, fala descontraidamente, olha-me, dirige-me a palavra, brinca com o facto de o meu corpo ser na perspectiva dele pouco... africano. Eu não viajo para julgar, viajo para sentir, para durante algum tempo experimentar os valores e as prioridades de uma cultura que não é aquela onde eu nasci. Consciente que o que me afasta destas pessoas é apenas isso, o contexto.
Os valores de bom e mau, positivo e negativo não são universais, aliás, sabemos logo que nos afastamos o suficiente da nossa rua que nada é universal... A esposa dele, muçulmana, de véu na cabeça, não conversa, olha para baixo e sorri timidamente. O homem conversa animadamente, a determinado momento passa um grupo de mulheres, Hamad olha o grupo, sorri por um momento e diz para o meu companheiro, - Sabes, tenho de me casar outra vez. - eu não reajo logo, mas é apenas porque fui apanhada de surpresa, confesso que me preparo para abrir a boca e gritar a minha indignação e despejar todos os meus valores, ideias (algumas apriorísticas) e sentimentos reais sobre a atitude dele. Mas como disse não viajo para julgar e mais um segundo é o suficiente para pensar para mim “open your mind. Aqui, é normal”.
Mantenho-me em silêncio, respeitosamente. Olho Rassul, a esposa, e os olhos dela continuam baixos, mas mais brilhantes agora, de lágrimas. Estou com colegas numa festa, servem o almoço buffet e as mulheres da mesa levantam-se para servir os homens. Eu sorrio, apenas, e eles provocam: - Joana, tu que já estás aqui há algum tempo, tens de começar a seguir as tradições... vem comida e ficas sentada? Não fica bem! Tens de nos servir! - bom, eu respeito as tradições e na minha curiosidade pelos usos e costumes consigo até conterme, não comentar, respeitar em silêncio, mas se me provocam, aí sigo.
E sigo! Em discurso sobre a igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres. De imediato os homens na mesa quase se levantam e com ênfase replicam: - Mas elas gostam de servir o marido!! Nem somos nós, elas é que gostam! - repito que o confronto não é minha intenção, mas já não resisto: - Ai é? Gostam? Mas nesta mesa há três mulheres e foram os homens que se levantaram para dizer isso!! - elas sorriem e dizem baixinho-
Thanks Joana. - e a mim apetece gritar: - DE NADA, MANAS!
(Joana Fartaria, A Verdade, 17/12/09)
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