Monday 21 December 2009

Profunda preocupação

Era previsível que depois de toda a musculatura de reivindicação de soberania chegaria o momento da verdade. Os parceiros de cooperação agrupados no chamado G-19 entregaram ao governo um ultimato em que colocam meados de Março como o prazo razoável para a resolução de uma série de questões pendentes, ligadas à governação, muitas delas aparentemente decorrentes do recente processo eleitoral.
Numa nota dirigida ao Ministro da Planificação e Desenvolvimento, os G-19 manifestam aquilo que denominam de “profunda preocupação” quanto à falta de progressos sobre questões abordadas antes das eleições com o Presidente da República, Armando Guebuza, e identificadas em “diálogos políticos anteriores”, bem como nos relatórios da Missão de Observação Eleitoral da União Europeia e do Mecanismo Africano de Revisão de Pares.
Normalmente, notas diplomáticas contêm uma linguagem que a olho desarmado não dá para perceber o alcance do que está sendo comunicado. Mas expressões tais como “profunda preocupação” e “falta de progressos” sobre assuntos abordados anteriormente contêm dentro de si uma forte carga de desaprovação em relação à postura do parceiro com quem se está a comunicar.
E esse é o entendimento que se deve fazer da nota a que nos referimos. Essencialmente, ela é uma censura ao comportamento do governo no que diz respeito aos compromissos por si assumidos no relacionamento com os G-19, e que determinam a capacidade destes de continuarem a prestar o auxílio que o país necessita para continuar a levar a cabo os seus projectos de desenvolvimento.
Da nota a que nos referimos ressalta um ponto importante. “Há uma forte vontade da parte dos parceiros… em manter o excelente relacionamento até aqui registado com o governo de Moçambique e garantir que os desembolsos para 2010 sejam influenciados por um resultado positivo destas deliberações”. Mais uma subtileza que revela uma tomada de atitude dos G-19 no seu futuro relacionamento com Moçambique.
Esse relacionamento dita muita coisa para o futuro de Moçambique e do bem-estar dos moçambicanos. Não deve haver lugar para ilusões; a qualidade do relacionamento de Moçambique com este grupo de países é de extrema importância, e nunca deve ser subestimada com pretensas atitudes de bravado, de uma soberania ilusória que só prevalecerá quanto tempo for necessário até que comecemos a cheirar o café.
Há situações desagradáveis que podem ser evitadas com uma atitude de Estado mais responsável, desligada de interesses partidários, e que sobretudo olha para Moçambique como um projecto de todos os moçambicanos.
A soberania só tem sentido quando ela for do usufruto de todo o povo, trazendo para este benefícios palpáveis, e não quando reside apenas na mente de um punhado de abastados, alimentados na sua grandeza pela mesma mão que sentem o prazer de morder.

(Editorial do Savana, 18/12/09, citado em www.oficinadesociologia.blogspot.com)

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