João Mosca diz o que pensa, sem subterfúgios
Pertence à linha de economistas que defendem que apesar do crescimento económico nacional mostrar, em termos percentuais, avanços importantes, o maior desafio ainda reside na capacidade de transformar esses ganhos em benefícios para os cidadãos. Isto é, o crescimento económico não se reflecte na diminuição da pobreza.
Qual é a base de sustentação desta tese?
É verdade que estamos a crescer a uma velocidade média-alta, mas há teorias que dizem que isso não é um bom sinal, porque não é sustentável para uma economia na situação da nossa possuir uma taxa de crescimento de 7 a 10% durante muito tempo. Isto significa que existem factores não normais na economia que permitem esse crescimento. No caso de Moçambique, pode justificar-se esse crescimento em função, primeiro, do ponto de partida da economia moçambicana, sobretudo após o conflito dos 16 anos, em que a economia estava a um nível de produção muito baixo. Isto é, crescer a ritmos altos a partir de uma base baixa é mais fácil que crescer a ritmos acelerados partindo de uma base alta de produção. A segunda questão é que existe, na economia moçambicana, uma imensa injecção de recursos externos e, portanto, grande parte deste crescimento da economia é impulsionado não através de recursos gerados pela economia, mas através de recursos externos. A capacidade de investimento da economia moçambicana não ultrapassa os 2% do PIB, ao passo que o restante do investimento representa cerca de 20% do PIB, realizado por recursos externos.
Nem sempre mais é importante saber qual é a taxa de crescimento. penso que é mais importante saber como o crescimento se gera, onde se realiza a riqueza, quem e como se apropria dela, e de que forma é aplicada. E responder a estas perguntas não nos deixa tão satisfeitos quanto a simples verificação da taxa de crescimento.
Mas por que é que o crescimento não chega para todos?
O nosso crescimento está concentrado nas cidade e província de Maputo. Estima-se que mais de 60% do investimento na economia moçambicana é feito nestes dois territórios. E se o investimento está muito concentrado territorialmente, o mesmo acontece socialmente. Por outras palavras, os benefícios que possam existir deste investimento também abrangem uma população reduzida. Grande parte do investimento em Moçambique é bastante intensivo em capitais – Mozal, Sasol, entre outros – e o número de pessoas abrangidas por esse tipo de investimento é reduzido, portanto, são investimentos pouco redistributivos.
Como explicar a sua tese, se as estatísticas governamentais mostram que o número de pobres reduziu de 60 para 54%, de 2004 a 2008, esperando-se que até ao fim de 2009 o número de pobres caia para 45%?
Isso é verdade, e é natural que assim seja, mas se olharmos para alguns estudos – Índice de Desenvolvimento Humano de 2006 e o do Ministério da Agricultura – notaremos que existem grandes discrepâncias na evolução da pobreza. Admite-se que a nível nacional exista alguma redução da pobreza, mas existem muitos sectores, províncias, grupos sociais, que não estão a sair da pobreza. Por outro lado, estudos do Ministério da Agricultura indicam que mais de 70% da população rural vive com menos de 150 dólares por ano, contra o indicador internacional de 360 dólares. As desigualidades sociais aprofundam-se a cada dia, isto é, os níveis de concentração da riqueza estão a agudizar os níveis de inequidade social, e este é um problema económico sério. Os indicadores globais dão uma imagem positiva, mas a realidade é outra, e há estudos que indicam que pelo menos em metade das províncias há mais pessoas a entrar na pobreza do que a sair. Se calcularmos que grande parte da população com altos rendimentos está na cidade de Maputo, então, a média do país poderá dar aquela imagem de que as coisas estão boas. E isto tem razão de ser, porque o rendimento médio per capita de Maputo é quatro vezes superior ao de todas as outras províncias.
Como fomentar um crescimento económico inclusivo?
Primeiro, é preciso apostar nos agentes económicos e em sectores específicos que criem mais trabalho e efeitos em maior número de pessoas. Isso é possível através de Pequenas e Médias Empresas, criando-se-lhes incentivos para que possam surgir e vingar. Outra via é a promoção da agricultura. Quase 70% da população vive no meio rural e da agricultura, então, é preciso aumentar o rendimento dessas pessoas. Há que promover as actividades económicas no meio rural, de modo a permitir que o rendimento das pessoas aumente. Porém, às vezes, pensamos que sair da pobreza significa necessariamente produzir mais na agricultura. Existem estudos que revelam que, em Moçambique, as famílias que mais rapidamente saíram da pobreza são as que menos dependem da agricultura - tanto as que vivem nas zonas urbanas como nas rurais. Isto significa que a saída da pobreza não é forçosamente pela via da produção agrícola, mas por um conjunto de outras actividades económicas. Outro aspecto importante é que o próprio Estado, através do orçamento, deve adoptar uma política distributiva mais acessível, e não de concentração.
Até que ponto a desconcentração da riqueza resolve o problema da pobreza?
A elite moçambicana deve reconsiderar o seu papel na economia, ou seja, se tem um papel de produtor, um papel patriótico de desenvolvimento de Pequenas e Médias Empresas, um papel de acumulação e investimentos em sectores de serviços, transporte, telecomunicações, finanças, os quais não tem nenhum impacto produtivo e que muito pouco ajudam na redução da pobreza. É preciso criar mais riqueza para sair da pobreza, mas também é preciso ver o que se passa com a pobreza em Moçambique: como é que ela está a ser gerida, onde é que está a ser acumulada e quem beneficia com essa acumulação? Acho que as pessoas que têm dinheiro em Moçambique não estão a investir em sectores produtivos.
Como é que um país dependente da ajuda externa em mais de 50% pode ditar as suas próprias opcões de desenvolvimento económico?
É difícil para um país como o nosso, com os níveis de dependência que tem, não sentir uma forte influência dos doadores. No entanto, há experiências de outros países, em África, que conseguem negociar as políticas económicas, enquanto em Moçambique se toma fundamentalmente uma atitude de aplicação, e não de debate. Para inverter este cenário, é necessário ter uma capacidade negocial que assenta em estudos sólidos que possam contrapor opções externas . O problema é que estas, muitas vezes, não consideram a nossa realidade e governação clara e o mais transparente possível, dado que os organismos internacionais têm a percepcão de que, em Moçambique, os fundos externos são mal geridos. Apesar dessa má percepção, os organismos internacionais continuam a financiar o país e consideram Moçambique uma referência em termos de condução da economia. Os indicadores macroeconómicos, vistos globalmente em termos de médias nacionais, não são negativos. Questão central: é a economia que gera esses bons indicadores? O equilíbrio do Orçamento do Estado e da balança de pagamentos é sustentado pela riqueza nacional. Simplesmente, o Banco Mundial tem uma absoluta necessidade de legitimar a sua política económica, porque em grande parte dos países onde essas políticas foram implementadas, os resultados não são bons. O FMI e o Banco Mundial têm necessidade de mostrar exemplos concretos, por isso, garantem grandes volumes de assistência a Moçambique. A nossa governação sabe disso e mantém uma diplomacia inteligente, no sentido de que o país vive deles, mas eles também vivem de nós, porque têm necessidades internacionais de legitimação.
Boaventura Mucipo, O País, 16/12/09
Qual é a base de sustentação desta tese?
É verdade que estamos a crescer a uma velocidade média-alta, mas há teorias que dizem que isso não é um bom sinal, porque não é sustentável para uma economia na situação da nossa possuir uma taxa de crescimento de 7 a 10% durante muito tempo. Isto significa que existem factores não normais na economia que permitem esse crescimento. No caso de Moçambique, pode justificar-se esse crescimento em função, primeiro, do ponto de partida da economia moçambicana, sobretudo após o conflito dos 16 anos, em que a economia estava a um nível de produção muito baixo. Isto é, crescer a ritmos altos a partir de uma base baixa é mais fácil que crescer a ritmos acelerados partindo de uma base alta de produção. A segunda questão é que existe, na economia moçambicana, uma imensa injecção de recursos externos e, portanto, grande parte deste crescimento da economia é impulsionado não através de recursos gerados pela economia, mas através de recursos externos. A capacidade de investimento da economia moçambicana não ultrapassa os 2% do PIB, ao passo que o restante do investimento representa cerca de 20% do PIB, realizado por recursos externos.
Nem sempre mais é importante saber qual é a taxa de crescimento. penso que é mais importante saber como o crescimento se gera, onde se realiza a riqueza, quem e como se apropria dela, e de que forma é aplicada. E responder a estas perguntas não nos deixa tão satisfeitos quanto a simples verificação da taxa de crescimento.
Mas por que é que o crescimento não chega para todos?
O nosso crescimento está concentrado nas cidade e província de Maputo. Estima-se que mais de 60% do investimento na economia moçambicana é feito nestes dois territórios. E se o investimento está muito concentrado territorialmente, o mesmo acontece socialmente. Por outras palavras, os benefícios que possam existir deste investimento também abrangem uma população reduzida. Grande parte do investimento em Moçambique é bastante intensivo em capitais – Mozal, Sasol, entre outros – e o número de pessoas abrangidas por esse tipo de investimento é reduzido, portanto, são investimentos pouco redistributivos.
Como explicar a sua tese, se as estatísticas governamentais mostram que o número de pobres reduziu de 60 para 54%, de 2004 a 2008, esperando-se que até ao fim de 2009 o número de pobres caia para 45%?
Isso é verdade, e é natural que assim seja, mas se olharmos para alguns estudos – Índice de Desenvolvimento Humano de 2006 e o do Ministério da Agricultura – notaremos que existem grandes discrepâncias na evolução da pobreza. Admite-se que a nível nacional exista alguma redução da pobreza, mas existem muitos sectores, províncias, grupos sociais, que não estão a sair da pobreza. Por outro lado, estudos do Ministério da Agricultura indicam que mais de 70% da população rural vive com menos de 150 dólares por ano, contra o indicador internacional de 360 dólares. As desigualidades sociais aprofundam-se a cada dia, isto é, os níveis de concentração da riqueza estão a agudizar os níveis de inequidade social, e este é um problema económico sério. Os indicadores globais dão uma imagem positiva, mas a realidade é outra, e há estudos que indicam que pelo menos em metade das províncias há mais pessoas a entrar na pobreza do que a sair. Se calcularmos que grande parte da população com altos rendimentos está na cidade de Maputo, então, a média do país poderá dar aquela imagem de que as coisas estão boas. E isto tem razão de ser, porque o rendimento médio per capita de Maputo é quatro vezes superior ao de todas as outras províncias.
Como fomentar um crescimento económico inclusivo?
Primeiro, é preciso apostar nos agentes económicos e em sectores específicos que criem mais trabalho e efeitos em maior número de pessoas. Isso é possível através de Pequenas e Médias Empresas, criando-se-lhes incentivos para que possam surgir e vingar. Outra via é a promoção da agricultura. Quase 70% da população vive no meio rural e da agricultura, então, é preciso aumentar o rendimento dessas pessoas. Há que promover as actividades económicas no meio rural, de modo a permitir que o rendimento das pessoas aumente. Porém, às vezes, pensamos que sair da pobreza significa necessariamente produzir mais na agricultura. Existem estudos que revelam que, em Moçambique, as famílias que mais rapidamente saíram da pobreza são as que menos dependem da agricultura - tanto as que vivem nas zonas urbanas como nas rurais. Isto significa que a saída da pobreza não é forçosamente pela via da produção agrícola, mas por um conjunto de outras actividades económicas. Outro aspecto importante é que o próprio Estado, através do orçamento, deve adoptar uma política distributiva mais acessível, e não de concentração.
Até que ponto a desconcentração da riqueza resolve o problema da pobreza?
A elite moçambicana deve reconsiderar o seu papel na economia, ou seja, se tem um papel de produtor, um papel patriótico de desenvolvimento de Pequenas e Médias Empresas, um papel de acumulação e investimentos em sectores de serviços, transporte, telecomunicações, finanças, os quais não tem nenhum impacto produtivo e que muito pouco ajudam na redução da pobreza. É preciso criar mais riqueza para sair da pobreza, mas também é preciso ver o que se passa com a pobreza em Moçambique: como é que ela está a ser gerida, onde é que está a ser acumulada e quem beneficia com essa acumulação? Acho que as pessoas que têm dinheiro em Moçambique não estão a investir em sectores produtivos.
Como é que um país dependente da ajuda externa em mais de 50% pode ditar as suas próprias opcões de desenvolvimento económico?
É difícil para um país como o nosso, com os níveis de dependência que tem, não sentir uma forte influência dos doadores. No entanto, há experiências de outros países, em África, que conseguem negociar as políticas económicas, enquanto em Moçambique se toma fundamentalmente uma atitude de aplicação, e não de debate. Para inverter este cenário, é necessário ter uma capacidade negocial que assenta em estudos sólidos que possam contrapor opções externas . O problema é que estas, muitas vezes, não consideram a nossa realidade e governação clara e o mais transparente possível, dado que os organismos internacionais têm a percepcão de que, em Moçambique, os fundos externos são mal geridos. Apesar dessa má percepção, os organismos internacionais continuam a financiar o país e consideram Moçambique uma referência em termos de condução da economia. Os indicadores macroeconómicos, vistos globalmente em termos de médias nacionais, não são negativos. Questão central: é a economia que gera esses bons indicadores? O equilíbrio do Orçamento do Estado e da balança de pagamentos é sustentado pela riqueza nacional. Simplesmente, o Banco Mundial tem uma absoluta necessidade de legitimar a sua política económica, porque em grande parte dos países onde essas políticas foram implementadas, os resultados não são bons. O FMI e o Banco Mundial têm necessidade de mostrar exemplos concretos, por isso, garantem grandes volumes de assistência a Moçambique. A nossa governação sabe disso e mantém uma diplomacia inteligente, no sentido de que o país vive deles, mas eles também vivem de nós, porque têm necessidades internacionais de legitimação.
Boaventura Mucipo, O País, 16/12/09
5 comments:
Interessante abordagem do Dr Mosca, efectivamente crescimento económico não significa o fim da pobreza, é preciso que se faça mais do ponto de vista de conjugação de políticas.
Penso que o José agora, com esta entrevista, perceba melhor que, não há dado nenhum que indique que a pobreza em moçambique esteja a aumentar, porque efectivamente a pobreza está a diminuir. O grande problema é que os ritmos de diminuição de pobreza ainda estão aquem daquilo que seria de desejar devido a vários factores, muitos dos quais o Dr Mosca faz referência na entrevista.
Um abraço e viva a redução da pobreza.
Também achei bastante interessante esta entrevista, e sou a favor da reduçao da pobreza.
No entanto, se lermos a entrevista na integra, iremos discordar de que o crescimento do pais nao é o fim da pobreza, nao precisamos de ser economistas formados para constatarmos este facto.
Se lermos a entrevista na integra, especialmente a partir de "Admite-se que a nível nacional exista alguma redução da pobreza, mas existem muitos sectores, províncias, grupos sociais, que não estão a sair da pobreza. Por outro lado, estudos do Ministério da Agricultura indicam que mais de 70% da população rural vive com menos de 150 dólares por ano, contra o indicador internacional de 360 dólares. As desigualidades sociais aprofundam-se a cada dia, isto é, os níveis de concentração da riqueza estão a agudizar os níveis de inequidade social, e este é um problema económico sério. Os indicadores globais dão uma imagem positiva, mas a realidade é outra, e há estudos que indicam que pelo menos em metade das províncias há mais pessoas a entrar na pobreza do que a sair."
Os novos ricos/multimilionarios continuarao a enriquecer, muitos a custa da corrupcao desenfreada que reina no pais, enquanto que a maioria do povo, especialmente o das provincias, conforme tenho dito várias vezes, continua cada vez mais pobre e dependente.
Maria Helena
Basílio, uma leitura atenta da entrevista deixa-me com a impressão de que vai exactamente ao encontro do que eu penso sobre este assunto.João Mosca afirma: "Os indicadores globais dão uma imagem positiva, mas a realidade é outra, e há estudos que indicam que pelo menos em metade das províncias há mais pessoas a entrar na pobreza do que a sair."
Fiquei também preocupado com a sua afirmação de que "os organismos internacionais têm a percepcão de que, em Moçambique, os fundos externos são mal geridos."
Sinceramente, penso que Mosca deu uma boa explicação a estes assuntos económicos.
Estamos juntos no desejo de que a pobreza seja reduzida.Viva a redução da pobreza!
Abraço forte!
Maria Helena,a sua abordagem é semelhante ao meu pensamento. O Joao Mosca explicou de modo muito eloquente e simples alguns temas economicos que nos preocupam.Eu fiquei esclarecido!
Abraço forte!
Mosca falou de questoes pertinentes. Penso que somos todos de opiniao que a pobreza deve CONTINUAR a diminuir em Mocambique. A unica coisa que nao posso admitir e que a Pobreza em Mocambique esteja a aumentar
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