Tuesday 15 December 2009

Manifestações da Renamo e o teste de inteligência

De quando em vez, políticos produzem pronunciamentos que nos levam a questionar se eles próprios estão convencidos daquilo que dizem. Alguns desses pronunciamentos foram feitos recentemente pelos dois homens do topo da hierarquia do Ministério do Interior.
Na semana passada, o titular daquela pasta, José Pacheco, tentou justificar o desusado movimento de agentes da polícia junto da residência do líder da Renamo em Nampula, afirmando que tal se devia ao facto de Afonso Dhlakama ser membro do Conselho de Estado.
Depois foi a vez do seu adjunto, José Mandra, ameaçar mandar a polícia reprimir as anunciadas manifestações que a Renamo diz pretender realizar para protestar contra os resultados das últimas eleições.
Ambas são declarações que não se ajustam ao nível de responsabilidade e de sofisticação que se espera de ministros de um governo.
Por força da Constituição da República, Dhlakama é membro do Conselho de Estado desde que se posicionou em segundo lugar (o seu lugar de preferência) nas eleições presidenciais de 2004. Mas durante todos estes cinco anos de mandato deste governo nunca se viu nenhuma movimentação de forças policiais para a sua protecção. Certamente que não teria o bom do Ministro se lembrado tardiamente que os membros do Conselho de Estado carecem de protecção especial.
As declarações de José Mandra são uma outra absurdidade. As leis moçambicanas não proíbem a realização de manifestações. Como tal, ao planificar as suas manifestações, a Renamo está em pleno gozo dos seus direitos constitucionais.
A única coisa que a Renamo precisa de fazer para merecer tais direitos, é garantir que as aludidas manifestações obedeçam ao que está estipulado na lei, e evitar que as mesmas resvalem para actos de violência, que ponham em perigo a segurança dos cidadãos e seus bens. E isto Dhlakama já veio a público reiterar ser a intenção do seu partido.
O facto de ser seu desejo que as manifestações nunca se venham a realizar, não concede ao ilustre Vice-Ministro o direito de proferir ameaças descabidas mesmo do ponto de vista de lei. Ao mandar reprimir manifestações legítimas e legais de qualquer organização, Mandra estaria ele próprio a violar a lei, e não a contribuir para a sua protecção, como seria de esperar de alguém que ocupa tão importante cargo. Na verdade, sendo Mandra o segundo dirigente político mais alto responsável pela polícia, ao ordenar a repressão de manifestações não ilegais estaria ele próprio a incorrer num crime de abuso de poder.
Dirigentes públicos precisam de ter a cabeça fria antes de abrirem a boca, porque os seus pronunciamentos em público são imediatamente interpretados como política do governo, e não suas opiniões pessoais.
Claro que as declarações dos dois dirigentes devem ser interpretadas como parte de uma campanha de propaganda, visando intimidar o líder da Renamo e desencorajá-los nos seus esforços para pôr em marcha o plano para as referidas manifestações. Esta campanha inclui informações não testadas, mas postas a circular na imprensa, segundo as quais antigos guerrilheiros da Renamo teriam sido detidos na Zambézia a caminho de Nampula, supostamente o epicentro das possíveis acções da Renamo. Só que tão desacreditadas tais informações, que ninguém que se dê ao trabalho de pensar com a cabeça no lugar pode acreditar que mais de 17 anos depois do fim da guerra ainda haja antigos guerrilheiros da Renamo fisicamente aptos para encabeçar uma onda de manifestações à escala nacional, capazes de desestabilizar o país.
Preocupar-se com a contínua fuga de prisioneiros das cadeias, pareceria uma missão mais nobre para a cúpula do Ministério do Interior, do que entreter o povo com declarações que só servem para testar os limites da sua inteligência.


(Por Fernando Gonçalves no SAVANA, citado em www.oficinadesociologia.blogspot.com)

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