Tuesday, 14 April 2009

Discussão abstracta sobre os direitos humanos

O PROFESSOR universitário na Alemanha Elísio Macamo concedeu recentemente uma entrevista ao “site” da Internet “bantulândia”, relativa à discussão sobre os direitos humanos em Moçambique, desde os tempos da criação da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) até aos dias que correm, considerando-a abstracta demais para ser de alguma utilidade no contexto do país.

Na entrevista, Elísio Macamo considera que Moçambique precisa de política, o que pressupõe debate de ideias e não de certezas que fecham a discussão. Em outras perguntas cruciais, o entrevistado apenas responde: não sei... também não sei”. A mesma entrevista já foi, há dois anos, solicitada à escritora e ex-combatente da luta de libertação nacional Lina Magaia, e posteriormente ao Prof. Brazão Mazula, tendo ambos se declinado a responder positivamente ao pedido. Porém, dada a oportunidade da mesma, o “Notícias” passa a transcrevê-la:

Pergunta (P) - A luta pela Independência Nacional, em Moçambique, significou, em si, a luta pelos direitos humanos à autodeterminação e demais. O que a FRELIMO (1962-1975) entendera de direitos humanos nessa altura?

Elísio Macamo (EM) - Acho que ela entendeu os direitos humanos como a recuperação da nossa dignidade como humanos. A conjuntura política da altura, contudo, não permitia muita latitude na interpretação da dignidade. Ou se interpretava essa dignidade com referência ao liberalismo ou com referência ao socialismo. A Frelimo optou por todo um conjunto de razões que me parecem plausíveis por uma interpretação socialista. Essa opção teve, infelizmente, consequências muito graves posteriormente, pois conduziu a um sistema político muito fechado. É fácil ver isso hoje com a vantagem da retrospectiva histórica. Eu próprio não sei se não teria optado por esse tipo de interpretação. Mesmo Eduardo Mondlane, fundador da FRELIMO e arquitecto da unidade nacional, que tinha um espírito muito aberto, sucumbia cada vez mais a esse tipo de interpretação

P - Que temas de direitos humanos foram mais discutidos no seio da FRELIMO de 1962 a 1975?


EM - Não sei.

P - Em termos de implementação de direitos humanos, o que significaram as zonas libertadas onde terão sido implantadas escolas, cuidados de saúde, campos agrícolas?


EM - Segundo a historiografia oficial, as zonas libertadas significaram a materialização do sentido de dignidade que estava na base da luta. Precisamos, contudo, de mais trabalho de investigação para percebermos isso melhor.

P - Alcançámos a Independência em 1975, e, em 1977, Moçambique, sob a direcção do já partido Frelimo, adopta uma linha de orientação marxista-leninista. Esta linha, pelo menos, teria mostrado que é amigo dos direitos económicos, sociais e culturais e inimigo, não raras vezes, dos direitos civis e políticos.
Internamente, como é que o partido Frelimo conduziu este processo tendo em conta que os direitos humanos são indivisíveis e interdependentes?

EM - Não concordo com a distinção que faz. Penso que um indivíduo pode ter orientação marxista-leninista e, mesmo assim, se interessar por direitos civis e políticos. É difícil, mas possível. Não sei como o partido Frelimo conduziu o processo internamente.
P - Quais foram as maiores convergências na condução da linha marxista-leninista no seio da Frelimo? E quais as divergências?

EM - Não sei. Suponho que entre 1970 e 1980 tenha havido grande convergência no seio da Frelimo quanto ao projecto marxista-leninista. É preciso ver que estes são anos de grandes vitórias: operação Nó-Górdio; independência; bom desempenho económico até 1980; Zimbabwe. As grandes vitórias sempre criam coesão. Depois disso começaram os desaires e os consensos ruíram. As tensões anteriores voltaram à superfície, creio.
P - Segundo notas da revista Tempo (1985), a Frelimo reconhecia, através do ex-ministro da Defesa Nacional, Alberto Chipande, o “espírito de deixa-andar”.
Qual é a diferença entre o “espírito deixa-andar” do tempo do partido-Estado e do actual Estado de Direito Democrático?
EM - Não sei.

P - Qual é a relação entre “espírito deixa-andar” e o custo de vida?

EM - Também não sei.
P- Voltamos a 1985: Alberto Chipande reconheceu, ainda, que “nós (Governo da FRELIMO) conduzimos mal o processo” de desenvolvimento de Moçambique, por causa do espírito de deixa-andar. O que significava esse reconhecimento de um quadro sénior do Governo e da Frelimo nessa altura?

EM - Também não sei. Não conheço o contexto em que Chipande fez essas afirmações e nem sei como ele as fundamentou.
P - O jornalista Aquino de Bragrança, citado pelo Professor Brazão Mazula, no livro Educação, Cultura e Ideologia – 1975-1985, descreve, nos seus escritos, o que chama de “desmoronamento moral e silencioso” do partido Frelimo, nos primeiros 10 anos da Independência Nacional. Por que Aquino de Bragança chegou, nessa altura, a essa conclusão?

EM - Não faço a mínima ideia.
P - Em que situação moral se encontra o partido Frelimo hoje?

EM - Acho que isso só os membros da Frelimo podem dizer.

P - Quais são as áreas de direitos humanos em que o Governo moçambicano deveria investir mais?


EM - Eu acho a discussão sobre direitos humanos menos interessante do que uma discussão mais fundamental sobre os pressupostos da nossa ordem política. Pessoalmente, estou mais interessado na questão de saber até que ponto a nossa classe política, mas também a nossa massa intelectual tomam a sério o desafio que nos foi imposto pela nossa própria história de garantirmos a dignidade humana no nosso país. Até que ponto é que o nosso sistema político garante isso? O que faz para alargar os espaços de afirmação desta dignidade? Que critérios identificamos nós como fazendo parte desta dignidade? A discussão sobre direitos humanos parece-me abstracta demais para ser de alguma utilidade no nosso contexto. Torna-se numa posição ética que dificulta o debate político. O país precisa de política, o que pressupõe debate de ideias, e não de certezas que fecham a discussão.

*Elísio Macamo - Universidade de Bayreuth (Alemanha); ISCTE-CEA (Lisboa); Faculdade de Letras e Ciências Sociais da UEM (Maputo).

FONTE: Notícias, 14/04/09.

NOTA:

Quando li esta entrevista pela primeira vez (recebida via e-mail), fiquei estupefacto com as evasivas do entrevistado. O Dr. Elísio Macamo é um dos mais distintos intelectuais moçambicanos e nunca se furta a emitir as suas opiniões, muitas vezes controversas.
A questão dos direitos humanos mexe com as nossas consciencias e acho inaceitável e ofensivo que este académico a considere abstracta.

6 comments:

Nelson said...

Num dos comentarios que deixou no meu blog, o Dr. Elisio Macamo afirmou que o entrevista foi escrita, oque lhe deixou sem a possibilidade de se esclarecer melhor nas perguntas que lhe foram feitas acabando assim por responde-las de forma que fez para evitar responder oque nao estava sendo perguntando. Quando a natureza abstracta da discussao, pedi-lhe um esclarecimento que infelizmente ainda nao aranjou tempo de de me dar. Vou continuar a esperar pois estopu mesmo interessado em saber porque E. M acha abstracto discutir direitos humanos em Mocambique

JOSÉ said...

O Dr. Elísio Macamo tem todo o direito em se manter silencioso quando não quer ou não sabe responder a perguntas incómodas, mas a sua observação de que a discussão sobre os direitos humanos é " abstracta demais para ser de alguma utilidade no contexto do país " pode ser aceitável nos meios académicos mas certamente que é obscena para as vítimas dos abusos dos direitos humanos. Eu sinto-me revoltado que se trate com tanta leviandade um assunto tão sério e importante!

Obrigado pela sua contribuição!

Abraço forte!

Anonymous said...

Ha muita gente formada que, quando nao quer responder a algo, ou finge que nao percebe ou fala em metaforas ou semanticas, sempre fugindo a verdade, tentando fazer passar os outros por ignorantes. Falando Portugues: "fugir com o rabo a seringa"... Ele dizer que que "a discussão sobre os direitos humanos é abstracta demais para ser de alguma utilidade no contexto do país " mostra que pode possuir todas as qualificacoes academicas, mas que nao tem nem um bocado de bom senso ou sensibilidade, e isso nao e nenhuma instituicao academica ou diplomas que lhe irao conferir. Maria Helena

Reflectindo said...

Poderá ser interessante ler o que Elísio Macamo dirá quanto ao que chamou de uma discussão abstracta. Numa discussão com José, interpretei-lhe, sem querer defender-lhe [a Macamo] e nem tenho interesse para isso, como que se podia discutir muito concretamente. Umas das maneiras que pessoalmente acho ser uma discussão concreta é a violacão da Constituicão da República ou até a discussão sobre o conteúdo da própria Constituicão da República. Neste último caso, permite-nos que como cidadãos, façamos uma pressão aos legisladores de maneiras a termos uma CR e outras leis que conciliem com a Carta dos Direitos Humanos. Também aqui não quero dizer que as organizacões de direitos humanos não são úteis. São muitíssimo úteis porque como temos assistido, são elas que em Moçambique e qualquer parte do mundo, denunciam as brutalidades do Estado.

Mas como eu disse, estou também ancioso em ler o que ele queria dizer.

Anonymous said...

Nós, em Mocambique, estamos a ser vítimas da nossa própria divinizacão e culto a determinadas pessoas. Infelizmente, o Prof. Macamo é divinizado e cultuado. Uma simples entrevista que deu a um blog anónimo foi capaz de desnudar que ele é tão comum como qualquer intelectual. É impossível responder a tudo com prudência... Só DEUS é OMNISCIENTE. Aliás, Provérbios 3:5 diz que não devemos nos estribar no nosso próprio entendimento. Porém, isso tudo que disse não o desqualifica como académico.

JOSÉ said...

Tomo a liberdade de transcrever a opiniao do autor da entrevista, Josue Bila, publicada no blog do Nelson, www.meumundonelsonleve.blogspot.com


“Obrigado pela reaccão a entrevista. Sem colocar a sua opinião no passeio da estrada do debate de ideias, Macamo foi infeliz por nao ter aproveitado a oportunidade de responder/debater questoes que dificilmente a nossa mídia/intelectuais as levanta (radiografia da nossa história com relacao aos direitos humanos). Dizer, por exemplo, que "a discussao sobre direitos humanos parece-me abstrata para o contexto mocambicano" é pura ingenuidade e desinteligência. Ou o formulador desta opiniao (Macamo) não entende o que são direitos humanos ou quis sentenciar que a discussão sobre direitos humanos não é prioritária. Esse é um equívoco que um intelectual pode ter. O Professor Macamo é um intelectual que se apropria da liberdade de expressão. Liberdade de expressão é um filho dos direitos humanos. Como é que, então, os direitos humanos podem parecer-lhe abstratos para a nossa realidade, se a sua popularidade intelectual também depende deles? Como é que a discussão sobre direitos humanos parece abstrata, se temos centenas de mortes materno-infantis (violacao do direito a saude da mulher e da crianca)? Como a discussão sobre direitos humanos parece-lhe abstrata, se centenas de criancas/ mulheres são violadas sexual e/ou fisicamente? Como a discussão sobre direitos humanos parece-lhe abstrata, se a maior parte das mulheres mocambicanas nao podem adquirir título de propriedade da terra, sem a presenca dos esposos? Como a discussão sobre direitos humanos parece-lhe abstrata, se a nossa esperanca de vida não vai além de 42 anos? Como a discussão sobre direitos humanos parece-lhe abstrata, se a exclusão social é real?

Mantenhamos o contacto,
Josué Bila”