Monday 20 April 2015

XENOFOBIA: O NOSSO QUINHÃO DE CULPA


Num momento em que os nossos irmãos sofrem, com a onda de xenofobia na África do Sul, urge repensarmos no nosso quinhão de culpa; na nossa responsabilidade como povo e como estado. Como e porquê eles vão a África do Sul? A violência e maus tratos não são todavia, novos lá. Porquê insistem em lá ir viver e trabalhar?
O movimento migratório é essencialmente um exercício voluntário e oportunista, onde as pessoas buscam melhores condições de vida para si e seus dependentes. Outros tipos de migração têm nomes próprios: exílio, repatriamento, extradição, etc.
A esmagadora maioria dos emigrantes à África do Sul é pobre e analfabeta, que não se beneficia das políticas redistributivas do Estado moçambicano. Na melhor das hipóteses, é uma população consciente das OPORTUNIDADES ALCANÇÁVEIS do outro lado do mundo e que arrisca suas vidas para escaparem à ratoeira da pobreza cá em Moçambique.
O que existe em comum em todo tipo de emigrantes moçambicanos (e da África Austral por extensão) é que estes são EMIGRANTES DA POBREZA, indesejáveis às classes semelhantes nos locais de chegada. São pobres de um país que se juntam aos outros pobres do país de chegada e saturam a capacidade de resposta do Estado à solução das necessidades básicas dos pobres deste mesmo estado. Logo, estes pobres “estrangeiros” transformam-se automaticamente em bodes expiatórios e receptores de mensagens da fúria dos cidadãos zangados com o seu estado.
Todavia, esta atitude não é única dos sul-africanos. Nós, moçambicanos também somos assim com os linchamentos; somos assim com o discurso de unidade ou desunião nacional; somos assim com o discurso de regiões autónomas e somos assim com para com os “nigerianos”, a quem acusamos de feitiçaria ou práticas mágico-religiosas e crimes hediondos para a riqueza que facilmente conseguem acumular em “terra de dono”. A diferença é que aqueles moçambicanos capazes de escapar ao linchamento na África do Sul podem regressar enquanto nós não temos outa alternativa senão ficarmos aqui na nossa terra.
Ora a alternativa para isto é transformarmos a nossa terra em melhor lugar para viver. Não conseguimos fazê-lo nos últimos 40 anos da nossa independência. Vivemos ciclos de violência estrutural múltipla. Sem contar com o colonialismo, vivemos a violência do monopartidarismo e do socialismo, da guerra dos 16 anos, dos ciclos da violência eleitoral e da intolerância política; da pobreza e da não inclusão; do espectro do regresso ao conflito armado e dos “homens armados” da Renamo.
A migração para África do Sul transformou-se num substrato cultural forte de todo jovem à sul do Save privado de meios básicos de subsistência. Ir a África do Sul passou a ser um rito de iniciação, uma prova de masculinidade, de bravura e de aptidão; uma chave de fenda para abrir a possibilidade de casar, ter filhos e sustentá-los; um ciclo não de vida, mas de morte, uma vez que invariavelmente, o fim é o tal “regresso do morto” descrito por Calane da Silva em Xicandarinha na lenha do mundo [Maputo: Associação dos Escritores Moçambicanos, 1988. Colecção Karingana, 1988].
Ao contrário dos outros emigrantes como cubanos que exportam médicos, americanos que exportam conhecimento e tecnologia ou chineses que exportam mão-de-obra-barata, nós exportamos pobreza, esta pobreza que não conseguimos colmatá-la cá dentro. Por ser uma sociedade de emigrantes pobres vivendo com os pobres dos países de chegada, somos facilmente vistos como mal-intencionados, pessoas que tiram o pão ao “dono da terra” e a preço de banana.
Ao mesmo tempo que lamentamos a violência praticada por outrem, devemos aproveitar a oportunidade para nos injectar de “raiva”, trabalharmos arduamente para construir este país e torná-lo num lugar apetecível para todos e cobiçável aos nossos irmãos estrangeiros, ao mesmo tempo que aperfeiçoamos as nossas políticas migratórias para atrair não apenas o investimento estrangeiro mas também o conhecimento necessário para promover a sustentabilidade.
Mas este país só pode andar rápido com inclusão. Há espaço para todos e trabalho para cada um de nós para as próximas 10 gerações. Porém, enquanto não melhorarmos as condições políticas para o trabalho bem como as nossas políticas redistributivas, os moçambicanos maioritariamente a sul de Moçambique preferirão enfrentar o risco da xenofobia na África do Sul a ter que morrer sentados em sua terra. Assim, a África do Sul continuará a ser a Lampedusa tão desejada pelos povos pobres e martirizados da África Austral; o quilómetro zero (KM0) para uma outra possibilidade de narrar a vida.




PS: Texto publicado no SAVANA de 17 de Abril, página 19 com o mesmo titulo




ADENDA :
A violência contra imigrantes na África do Sul, principalmente em Kwazulu-Natal é condenável. É importante que os governos encontrem mecanismos para salvar as vidas e consolar as vítimas.
Mas eu quer aproveitar o ensejo para convida-los a uma reflexão.
Os moçambicanos não são essencialmente um povo emigrante. Em Portugal, somos das mais pequenas comunidades dentre os países africanos de língua oficial portuguesa. Menos de 15 mil. Na África do Sul, maior parte dos emigrantes são mineiros. Os não mineiros, portanto, a esmagadora maioria, é ilegal. A "tradição migratória" para África do Sul remonta desde o século XVIII, essencialmente para as plantações e depois para as minas: Transval, Estado Livre de Orange e Kimberly.
A independência não parou o movimento migratório, principalmente em relação a minas e plantações. A queda do Apartheid tornou África do Sul num país apetecível para a maioria dos povos ao sul da África. A crise do Zimbabwe, República Democrática do Congo e Malawi tornou o influxo dos imigrantes ilegais destes países ainda pior. Internamente, a impossibilidade do Estado em suprir as necessidades básicas como emprego e pobreza resultou no acirrar das posições mais radicais contra aquilo que os sul-africanos viam como uma contradição: por um lado o seu governo incapaz de deter o influxo migratório ilegal dos estados vizinhos, estes que eram vistos como estando a tirar emprego aos nativos a preços baixos e por outro, a incapacidade de o Estado proporcionar as melhores condições de vida a eles (sul-africanos), tal como prometido em diversos e sucessivos manifestos eleitorais do ANC.






Egidio Vaz, no SAVANA e no Facebook

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