É provável que seja o lobolo mais demorado da História de Moçambique, as reuniões que decorrem no Centro Internacional de Conferências Joaquim Chissano (CICJC) entre a Renamo e o Governo da Frelimo. As delegações, indiferentes à exasperação dos noivos – a paz e o povo, cujo matrimónio não há maneira de acontecer... – e dos padrinhos que observam com o desconforto do ridículo, multiplicam sessões dialógicas presididas pelo autismo aparente dos interlocutores. E, nas declarações públicas de um e outro lado da trincheira onde jaz a reconciliação nacional, não se vislumbra um acordo, por mais precário e minimal que seja, após mais de uma centena de reuniões. Cem sessões de conversa estéril!!!
Mais do que um absurdo contabilístico, tanta ronda configura um escândalo ético que autoriza todas as teses, das mais esdrúxulas e conspiranóicas até às mais cândidas e virginais. Neste último caso, figuram os próprios protagonistas, que se reclamam, uns e outros, campeões na defesa dos melhores interesses do povo; no outro caso, e nos antípodas dos beneméritos que advogam em causa própria, está o cansaço dos pragmáticos, pouco sensíveis à bondade discursiva e tornados cínicos pelas circunstâncias.
Para estes, as conversações entre Renamo e Governo da Frelimo visam apenas a partilha dos despojos de uma guerra fratricida, a qual continua no CICJC por meios alternativos à canhoeira, numa inversão dos princípios de Carl von Clausewitz. Escatológicos, estes analistas vêem no “diálogo político” abutres moucos e desavindos, vigiando-se mutuamente antes de refocilarem na carcaça de um país exangue...
Actuam como se Moçambique fosse propriedade deles, indiferentes aos vergonhosos indicadores de pobreza que colocam o país na cauda do desenvolvimento.
Ora, entre a candura de uns e os exageros de outros ocorre a terceira via, mais moderada nas cogitações sobre o impasse negocial que o CICJC acolhe todas as semanas. Para estes, timoratos nas alegorias e nas euforias, os negociadores da Renamo e do Governo da Frelimo evocam dois personagens de Gabriel Garcia Márquez em Cem Anos de Solidão.
Nessa obra magistral, dois velhos militares, adversários na juventude, reuniam todos os dias para jogarem xadrez. No crepúsculo da vida e ao fim de anos de confronto lúdico, deixaram de mover as peças; ficavam apenas ali, em silêncio, olhando para o tabuleiro inerte. Tinham concluído que não valia a pena jogar – conheciam de tal forma as tácticas de cada um que já antecipavam todos os movimentos possíveis...
No CICJC, os negociadores da Renamo e do Governo da Frelimo, e após 104 rondas no jogo negocial, também congelaram as peças no tabuleiro.
Esgotada a imaginação pela convivência forçada, são incapazes de concluírem o jogo das exigências e das cedências à luz da razoabilidade que pressupõe um verdadeiro “diálogo político”. Por isso, e por Moçambique, talvez seja tempo de trocar estes jogadores por outros, mais imaginativos e realmente preocupados com o bem comum.
Mais do que um absurdo contabilístico, tanta ronda configura um escândalo ético que autoriza todas as teses, das mais esdrúxulas e conspiranóicas até às mais cândidas e virginais. Neste último caso, figuram os próprios protagonistas, que se reclamam, uns e outros, campeões na defesa dos melhores interesses do povo; no outro caso, e nos antípodas dos beneméritos que advogam em causa própria, está o cansaço dos pragmáticos, pouco sensíveis à bondade discursiva e tornados cínicos pelas circunstâncias.
Para estes, as conversações entre Renamo e Governo da Frelimo visam apenas a partilha dos despojos de uma guerra fratricida, a qual continua no CICJC por meios alternativos à canhoeira, numa inversão dos princípios de Carl von Clausewitz. Escatológicos, estes analistas vêem no “diálogo político” abutres moucos e desavindos, vigiando-se mutuamente antes de refocilarem na carcaça de um país exangue...
Actuam como se Moçambique fosse propriedade deles, indiferentes aos vergonhosos indicadores de pobreza que colocam o país na cauda do desenvolvimento.
Ora, entre a candura de uns e os exageros de outros ocorre a terceira via, mais moderada nas cogitações sobre o impasse negocial que o CICJC acolhe todas as semanas. Para estes, timoratos nas alegorias e nas euforias, os negociadores da Renamo e do Governo da Frelimo evocam dois personagens de Gabriel Garcia Márquez em Cem Anos de Solidão.
Nessa obra magistral, dois velhos militares, adversários na juventude, reuniam todos os dias para jogarem xadrez. No crepúsculo da vida e ao fim de anos de confronto lúdico, deixaram de mover as peças; ficavam apenas ali, em silêncio, olhando para o tabuleiro inerte. Tinham concluído que não valia a pena jogar – conheciam de tal forma as tácticas de cada um que já antecipavam todos os movimentos possíveis...
No CICJC, os negociadores da Renamo e do Governo da Frelimo, e após 104 rondas no jogo negocial, também congelaram as peças no tabuleiro.
Esgotada a imaginação pela convivência forçada, são incapazes de concluírem o jogo das exigências e das cedências à luz da razoabilidade que pressupõe um verdadeiro “diálogo político”. Por isso, e por Moçambique, talvez seja tempo de trocar estes jogadores por outros, mais imaginativos e realmente preocupados com o bem comum.
PS - O xadrez é um jogo cruel por natureza – nele, os peões (que são figurações do povo, afinal) existem apenas para o sacrifício às estratégias dos jogadores. São meios para atingir fins. Infelizmente, no tabuleiro moçambicano parece que também.
Elamano Madail, O Pais
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