Wednesday 22 April 2015

As pessoas que trabalham em Moçambique não precisam de mercedes-benz barato ou casas de luxo


Enquanto esperamos para ver Filipe Nyusi, e o seu Governo, trabalharem “para melhorar as condições de vida do povo moçambicano” no horizonte, os sinais vindos do Plano Quinquenal 2015-2019, não são animadores pois não deverão resolver as necessidades básicas dos moçambicanos: materiais de construção a baixo custo, comida variada de qualidade a baixo custo, bons níveis de educação a baixo custo, bom tratamento nos nossos centros de saúde a baixo custo...
Pedimos ao professor Carlos Nuno Castel-Branco, Coordenador do Grupo de Investigação de Economia e Desenvolvimento do Instituto de Estudos Sociais e Económicos(IESE), para analisar o objectivo central do Programa Quinquenal do Governo para 2015 a 2019, aprovado pelo Parlamento pela bancada do partido Frelimo, que é a melhoria das condições de vida do “Povo Moçambicano, aumentando o emprego, a produtividade e a competitividade, criando riqueza e gerando um desenvolvimento equilibrado e inclusivo”.
A resposta não é taxativa, primeiro o novo Governo não reconhece o estado em que a economia está – cresce mas não diminui a pobreza -, e nem se propõe a debater até que ponto esse tipo de economia é útil ou prejudicial para Moçambique, pois o plano quinquenal, embora dê ênfase a questão do emprego não clarifica como é que os empregos que se propõe a gerar irão se refletir-se na melhoria das condições de vida. “É preciso que esse emprego de facto contribua para a qualidade real de vida das pessoas.”
Castel-Branco analisou a criação de empregos no sector que tem absorvido, e deverá continuar a empregar, a grande maioria da força de trabalho moçambicana: a agricultura. “É um sector estagnado do ponto de vista do seu desenvolvimento. Por exemplo, segundo dados oficiais do INE, nos últimos dez anos a produção alimentar per capita, para o mercado interno, reduziu a uma média superior a meio por cento ao ano, ao todo nos últimos dez anos reduziu quase dez por cento. O rendimento por hectare reduziu no mesmo período a uma taxa três vezes mais alta, portanto há uma clara perda da produtividade por hectares. Os dois indicadores evoluem negativamente, quer dizer qu há menos comida disponível com grandes perdas de rentabilidade por hectare. Ora se a rentabilidade por hectare decresceu a um ritmo três vezes mais alto do que decresceu a produção per capita isso significa que a força de trabalho absorvida a este nível aumentou significativamente. O que estou a dizer é que a força de trabalho tornou-se menos produtiva mas aumentou neste sector, que não é indutor de desenvolvimento, não é indutor de crescimento económico mas é onde está a ser absorvida a força de trabalho.”
Por outro lado, de acordo com o professor, os muitos empregos criados na agricultura não são fixos “o emprego nos sectores produtores de commodities agrícolas (o açúcar, as florestas, bananas, tabaco) é significativo mas é casual e eventual, responde as épocas destas cuturas. Como as culturas, na maior parte dos casos estamos a falar de monoculturas, o tratamento da árvores de fruta tem provavelmente um pouco mais de estabilidade com grande variações na altura da colheita, mas as florestas por exemplo, ou o açúcar, dependem completamente dos períodos de colheita, do corte de cana ou de plantio das árvores e tal. Isto significa que as pessoas tem emprego dois a três meses por ano com salários muito baixos para tornar este emprego rentável para as empresas”.
Além disso, o sector agrícola paga mal, o salário mínimo foi ainda este mês reajustado pelo Governo para 3.183 meticais, o que não permite que as pessoas dependam unicamente dele para sobreviver e nem chega para que as pessoas invistam na agricultura familiar. “As pessoas as vezes pensam que a agricultura familiar existe por si como uma dádiva mas não é verdade, são precisos os meios de produção, são precisas as sementes, é preciso a tubagem para irrigar ou o balde e o regador, e é preciso, para garantir a segurança alimentar, que as pessoas não estejam completamente dependentes da venda de toda a sua produção para poderem fazer face a despesas que têm que fazer com dinheiro para comprar óleo alimentar, comprar livros escolares, compra roupas, para irem ao hospital quando estão doentes etc. Se as pessoas precisam de vender a sua produção para cada uma destas coisas no fim não criam segurança alimentar, criam bolsas de fome.”



Um problema antigo


E o Coordenador do Grupo de Investigação de Economia e Desenvolvimento do IESE acrescenta “Ora se nós estamos a criar bolsas de fome, ou se não geramos pelo menos comida a baixo custo disponível no mercado para os trabalhadores é muito difícil conseguir manter uma força de trabalho activa. Porque as pessoas que estão a trabalhar no açúcar precisam de ir comprar comida, onde está a comida a baixo custo, se não existe as pessoas tem que produzir a comida, então vão faltar a plantação para ir produzir comida ou vão procurar outras actividades. Acaba por emergir uma concorrência entre fazer trabalho assalariado pago abaixo daquilo que é o custo de vida mínimo para manter a força de trabalho e a sua família e então a família tem que arranjar outras formas de rendimento, que podem concorrer com o emprego assalariado nos momentos de pico, portanto nem as empresas conseguem ter acesso a força de trabalho quando precisam nem os trabalhadores conseguem ter acesso a rendimentos necessário quando precisam, é um sistema que está sempre num grau de tensão, de instabilidade e que cria problemas.”
Carlos Nuno Castel-Branco esclarece que estes problemas dos empregos gerados através de produção de commodities agrícolas não são novos, já existiram no primeiro período pós-independência e com as plantações coloniais, porém “uma das coisas que ainda não está resolvida, em termos de estratégia do plano quinquenal, é qual é a relação entre a promoção de emprego a produção dos bens e serviços básicos que os trabalhadores necessitam e o tipo de estrutura económica que é capaz de gerar ambos (emprego e bens e serviços básicos)”.
Por isso se o Governo continuar a apostar na agricultura orientada para a produção de commodities agrícolas (tabaco, cana de açúcar, banana e algodão) para exportação e “isto implicar expropriação de terra e expansão das companhias, emprego pago a muito baixo custo sem haver bens e serviços básicos a baixo custo disponíveis, os trabalhadores vão fazer pressões para aumentar salários nominais e isso vai tornar a força de trabalho não competitiva para as empresas. As empresas vão fazer substituição de força de trabalho por tecnologia nalguns aspectos da sua actividade o que vai reduzir ainda mais as oportunidades de emprego e na sequência disso vai reduzir os fluxos financeiros para a produção familiar o que vai criar uma crise na produção familiar também”, afirma Castel-Branco.
Segundo o professor um dos problema é definir quais são as prioridades económicas e como é que se integra tudo. “Se por um lado é muito interessante notar que o discursos do plano quinquenal é a volta de emprego, por outro lado, sim isso é muito importante, mas como é que estão a reconhecer no plano quinquenal esta dinâmica estrutural concreta que tem que ser enfrentada do ponto de vista estratégico para que esse tal emprego surja e seja redutor da pobreza.” “As pessoas que trabalham neste país não precisam de mercedes-benz barato, casa de luxo, as pessoas que trabalham neste país precisam de materiais de construção a baixo custo, precisam de comida variada de qualidade a baixo custo, precisam de bons níveis de educação a baixo custo, precisam de bom tratamento nos nossos centros de saúde a baixo custo, sem isso as pessoas vão entrar na pobreza, vão entrar na fome, vão entrar no desemprego, vão entrar na falta de esperança, vão entrar na fácil manipulação para instabilidade política e social” conclui o economista moçambicano.





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