Tuesday 14 February 2012

Um presidente desbocado e insultuoso não promove estabilidade

O presidente Armando Guebuza, no dia 03 de Fevereiro, que por sinal é uma data nacional que deveria ser respeitada como uma efeméride para a qual contribuíram muitas gerações de moçambicanas e moçambicanos das mais variadas etnias, idades, convicções políticas, sociais e religiosas em vários períodos da nossa história, voltou a salientar-se, com o seu discurso ofensivo e insultuoso, ao apelidar de “marginal” quem fala criticamente de si e do que lhe é mais próximo e querido, como se o País fosse a sua machamba pessoal e mais ninguém tivesse o direito de ter ideias próprias e de ver Moçambique com os seus próprios olhos.
Esperava-se do Chefe de Estado, num feriado nacional que evoca sobretudo o presidente da Frente de Libertação de Moçambique, Eduardo Mondlane, que não confundisse as suas paixões com as de todo um povo que se revê na nacionalidade que nos abraça a todos, mas não tem obrigatoriamente que fazer a mesma leitura de quem está temporariamente a gerir o País.
Armando Guebuza voltou neste último 03 de Fevereiro a quebrar a louça sem o mínimo respeito pelos cidadãos que não partilham as suas crenças e aspirações, e com isso voltou a demonstrar estar muito aquém do que deve ser o comportamento e a atitude de um Chefe de Estado de um País plural e multi-cultural.
Numa altura em que o debate sobre o seu sucessor, na liderança do partido Frelimo, com o aproximar do X Congresso, está ao rubro – conjugado com uma alegada crise de valores da actual liderança – multiplicam-se os recados dos críticos em geral, e Armando Guebuza começa a dar sinais de uma grande frustração que não lhe permite distinguir a sua organização – o Partido Frelimo – da República de todos nós, onde nem todos se revêem no partido Frelimo e podem até desejar outras opções que passam inclusivamente por apear esta organização do poder por via democrática.
Com o seu comportamento que já ultrapassa tudo o que se pode esperar do mais alto dignitário de um País, o Senhor Guebuza está a começar a deixar muita gente preocupada com a forma como ele encara as críticas que visam o seu modus operandi e o seu modus vivendi, bem como dos membros ao mais alto nível do seu partido em que pululam os que usurparam o poder pisando muitos, alguns que até acabaram por ser eliminados fisicamente.
O nervosismo de Armando Guebuza é de tal ordem que mais uma vez voltou a usar termos injuriosos e cada vez menos simpáticos contra os que criticam abertamente as suas políticas e se opõem aos seus métodos e propósitos, o que em democracia não só é legítimo como prática corrente em qualquer parte do mundo civilizado.
O ambiente que se vive no seio do Partido Frelimo há muito se sabe que é de grande crispação, mas agora está mais claro depois de termos ouvido as palavras do presidente da organização no acto de lançamento das celebrações do que dizem ser o seu 50.0 aniversário – facto, contudo, que os historiadores e muitos outros contestam – como o leitor se poderá aperceber em várias peças nesta nossa edição, sobretudo na Grande Entrevista que o historiador Egídio Vaz concedeu em exclusivo ao Canal de Moçambique.
Está agora ainda mais claro que o ambiente está mesmo de cortar à faca no seio do Partido Frelimo, quando vemos mais uma vez Armando Guebuza voltar a recorrer a adjectivos como “marginais” e “desgraçados” para caracterizar os que tentam contrariar a actual liderança e colocar em causa os seus valores. Já os tinha apelidado de “apóstolos da desgraça”, “tagarelas” e agora vem com mais estas ainda de mais baixo nível.
Era hábito insultar os seus concidadãos, mas desta vez chegou ao cúmulo de dizer que “quem não tem amor-próprio é um desgraçado”, num claro desafio e injúria aos seus próprios camaradas que antes de o serem são sobretudo cidadãos moçambicanos. Está com medo do que lhes espera no Congresso e nesta recta final, e por isso recorre à ameaça…
Armando Guebuza voltou a surpreender pela negativa recorrendo à sua vulgar retórica divisionista e quase polpotiana, ao ameaçar os críticos de os vir a marginalizar como se o País fosse uma sua cotada.
Sendo o PR o mais alto magistrado da Nação ao proceder como procedeu, o respeito que deve merecer a figura do Chefe de Estado acabou sendo por ele próprio posto em causa, deixando aberto espaço para, no mais elementar direito de defesa, lhe devolverem os epítetos.
Será que o Senhor Guebuza já se esqueceu que a arrogância alicerçada nas armas e no poder não serviu de nada e apenas levou o País a passar pelos momentos de maior brutalidade da sua história?
Será possível acreditar que quem nos momentos de maior aperto pessoal opta por insultar tudo e todos pode ser de facto, como pretenderá fazer crer, alguém comprometido com a Paz e realmente respeitador da Constituição que jurou solenemente cumprir?
As ameaças de Armando Guebuza poderão chegar ao ponto dele vir a protagonizar uma noite das “facas longas” e isso é preocupante, conhecido que é o seu passado. É uma questão que legitimamente qualquer um pode equacionar a partir de agora em que se conhece a tendência compulsiva de Armando Guebuza para o insulto de violência. E, considerando todas as probabilidades, quem quer que seja tem todo o direito de ainda equacionar que medidas deverá preventivamente adoptar para enfrentar qualquer eventualidade, o que de todo não sendo recomendável é legítimo, para que não se venha um dia a ser surpreendido. Se assim for, entraremos numa espiral de violência a chamar violência. Mas de facto quem se poderá deixar distraído, se não deixarmos esquecido o tempo que passou?
A ida a Roma para um acordo de Paz foi precisamente o culminar de um processo que começou com insultos e acabou num banho de sangue sem precedentes. Foi um tempo absolutista que quando se quis evitar as suas consequências já era tarde demais.
Quem já viu esse filme desde os seus primeiros episódios certamente que se preocupa, como nós, de estarmos a ver os mesmos erros a serem repetidos.
Recomendaríamos por isso, com a nossa habitual frontalidade, que este tipo de discursos fosse definitivamente abandonado, não só a bem da unidade nacional que sem equívocos está como uma das primeiras prioridades para qualquer Chefe de Estado de um País moderno, mas também a bem da convivência democrática preconizada pela Constituição da República e demais instrumentos legais em vigor no País e no concerto das nações.

Editorial, Canal de Moçambique – 08.02.2012, citado no Moçambique para todos

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