Saturday 25 February 2012

"É a falta de vergonha total."

MARCO DO CORREIO

Por Machado da Graça


Olá Juliana
Como estás tu, minha querida amiga? E o teu marido e os miúdos? Espero que esteja tudo bem.
Do meu lado não há problemas, felizmente.
Onde parece haver muitos problemas é nos distritos do nosso país, se acreditarmos nos relatórios que o Centro de Integridade Pública tem vindo a publicar sobre a forma como estão a ser gastos os dinheiros públicos àquele nível da divisão administrativa do país. E não tenho nenhuma razão para não acreditar.
Até ao momento já foram publicados os relatórios referentes a Massinga e a Homoine. E aquilo é um festival de irregularidades, de abusos de poder, de aproveitamento para proveito próprio daquilo que deveria servir para o bem de todos.
É a falta de vergonha total.
Os conselhos consultivos distritais concedem os famosos 7 milhões aos seus próprios membros e a outros membros da nomenklatura distrital, o dinheiro destinado à reparação de estradas gasto a reparar a rua em frente à casa do administrador, as escolas e centros de saúde, acabados de construir, cheios de rachas, por onde entra chuva, e mesmo obras, acabadas de construir há poucos meses, que pura e simplesmente já não existem. Desabaram e pronto, não se pensa mais nisso.
No caso de Homoine as autoridades locais deram desculpas espantosas. Que se fizeram obras fora do plano e de má qualidade, embora comendo altas percentagens do orçamento previsto, para realizar iniciativas relacionadas com as visitas do Chefe do Estado, numa ocasião, e da Primeira-Dama, noutra.
O que nos mostra que aqueles altos dirigentes não vão aos distritos conhecer a realidade local, mas sim ver obras de fachada, feitas de propósito para as visitas, e que começam a ruir logo que os helicópteros levantam voo.
A ideia que dá é que a roubalheira a que estamos a assistir a alto nível do Estado se está a reproduzir, mais coisa menos coisa, a nível dos distritos. E, é claro, beneficiando sempre a mesma capelinha, a do cartão vermelho. E não estou a falar dos sócios do Benfica.
A gente vai lendo aqueles relatórios e ficando, linha a linha, mais revoltada e mais espantada com a falta de vergonha e com a impunidade com que aquelas pessoas se apoderam do que é de todos para servir os seus interesses particulares. Sem remorsos, sem pudor, sem nada que não seja a vontade de ficarem cada vez mais ricos e poderosos.
De facto, os exemplos que são seguidos são os que chegam de cima. No tempo de Samora eram exemplos de honestidade, contenção, serviço público acima de tudo.
Hoje são aquilo que vemos no dia-a-dia. Estão quase todos com o rabo preso e isso impede que o Estado se consiga auto-purificar.
E isto vai durar até que as novas gerações, livres dos compromissos dos mais velhos, possam ir ocupando os lugares de Poder e tentando remediar as coisas.
Mas isso pode demorar ainda muito, sujeito a avanços e recuos.
Quem diria, tendo conhecido os tempos que se seguiram à Independência, que um dia chegaríamos aqui?

Um beijo para ti, minha amiga, do

Machado da Graça

CORREIO DA MANHÃ – 24.02.2012, citado no Moçambique para todos

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