Friday 24 February 2012

O nosso pobre conceito de cidadania

Os descontos de que foram vítimas os professores de Murrupula, reportados pelo “O País”, na sua edição desta quarta-feira, para apoiar o X Congresso da Frelimo, mostram o nível dos políticos e, sobretudo, dos cidadãos de Moçambique.
O cidadão moçambicano, como aliás o rochedo à beira mar plantado que é o país, continua a resistir à invasão da modernidade como pode, com um instinto de autopreservação cuja natureza consiste em manter uma distinção hierárquica bem definida, dentro da qual aquele que tem o poder, num assomo de loucura, decreta a ordem mais estapafúrdia e ninguém protesta.
Somos um país com excesso de medo, com um povo que, mesmo quando instruído, está habituado à sua vidinha calma, ao respeitinho, ao servilismo irracional e sem razão de ser.
Compreendemos, portanto, o poder dos que governam como algo que deve ser exercido sem prestar contas. As nossas principais características, enquanto povo, continuam a ser o provincianismo, a defesa da fé de cada um. Não somos, diga-se, uma nação moderna, nem existe em Moçambique um sentido democrático assaz relevante.
Aliás, somos uma democracia apenas institucionalmente, apenas porque temos a liberdade de eleger, por sufrágio universal, aqueles que queremos que nos representem. No que diz respeito a valores morais e a competências políticas, continuamos uma nação feudal; cada um tem por interesse único o modo como os interesses alheios benefi ciam ou prejudicam os seus interesses privados.
A população sente-se insatisfeita com o estado de coisas a que o país chegou e vai a correr às urnas votar em massa na conservação e na austeridade, de modo a poder preservar o feudo de cada um. Não está em causa, obviamente, a opção de voto de cada pessoa, mas a tendência das massas e a incompreensão colectiva do que é exigido, na verdade, pela responsabilidade democrática.
As pessoas revoltam-se hoje contra a classe política como se revoltariam contra o Gungunhane que nos regesse, caso isto fosse um reino; revoltam-se contra os soberanos quando se deveriam revoltar contra a ideia de soberania. O que está mal não é a classe política, nem os políticos; o que está mal e deveria ser combatido é a relação de soberania, subordinativa e hierárquica, entre quem representa e quem é representado.
No actual sistema político, exercemos praticamente um único direito democrático, o de ir, de cinco em cinco anos, conceder poderes de decisão sobre tudo o que nos diz respeito a meia-dúzia de pessoas cujas ideias mal conhecemos. O nosso único sentido democrático, no intervalo que é cada legislatura, é insurgirmo-nos contra aqueles que elegemos anteriormente, é manifestarmo-nos contra a classe que nos governa, é fazer greves, é falar mal por falar mal.
Tudo isso são idiotices sindicais e disparates das baratas tontas que somos. O que é criticável não são os políticos, de quem se diz que são todos ladrões, não são as fortunas desmesuradas dos milionários, não é a desigualdade económica entre os donos do país e a população.
O que é criticável é a mentalidade dos moçambicanos, é a falta de consciência política das massas, é a aceitação incondicional, ainda que inconsciente, de um sistema que depois cada um se apressa a contestar. O problema do país é só um: temos um conceito de cidadania demasiado fraco.

Editorial, A Verdade

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