Monday, 4 July 2011

Por favor, não governem mais!

...Guebuza pode estar a pagar a factura das expectativas criadas em torno da sua pessoa e, sobretudo, pelo facto de ter usado o lado negativo da governação de Chissano como bandeira do seu manifesto eleitoral: o combate aos males que Chissano tinha “implatado”, como o espírito que o próprio Guebuza atribuiu o nome de “Deixa andar”...

1. O título é de Miguel Sousa Tavares, colunista do Semanário Expresso de Portugal. O que me impressionou não é só o título, mas também a forma como começa o texto: “Alguém que eu muito amei e que aprendi a admirar ao longo da vida dizia que não há nada mais perigoso do que políticos sem ideias mas cheios de iniciativas. Cada vez mais me convenço de que é uma grande verdade, confirmada dia-a-dia pela observação da vida política (...): não há nada mais assustador do que os decisores desatarem a tomar decisões que ninguém lhes pediu.”
Também me convenço cada vez mais de que as decisões que o Governo tem vindo a tomar enquadram-se perfeitamente no perfil de dirigentes que desatam a tomar decisões que nem eles sabem porque, para que as tomam. É o problema de decidirem sem que antes tenham solicitado um estudo para apurar a viabilidade dessas decisões. Ora vejamos: aceitámos organizar os jogos africanos, sem antes termos feito o estudo do que isso representava para as finanças de um país que consome acima do que produz. Resultado: o dinheiro é insuficiente; introduzimos os 7 milhões para combater a pobreza sem antes definirmos as regras de jogo. Hoje, descobrimos que mais de 90% dos mutuários não devolvem o dinheiro, além de que mesmo com esse dinheiro as pessoas ficaram mais famintas do que eram há seis anos; criámos os cargos de secretários permanentes provinciais e distritais e governos das cidades, onde já existem governos municipais, além das Assembleias Provinciais cujos membros são pagos por fazer nada, hoje, descobrimos que essas estruturas são fardo pesado; criámos a cesta básica em resposta às manifestações populares de 1 e 2 de Setembro de 2010. Em Março anunciámos que a cesta básica tinha de ser reformulada, porque nos moldes em que era aplicada era insustentável para o Estado. Trouxemos uma nova fórmula. Questionou-se a sua viabilidade. A resposta foi de que tudo tinha sido estudado. Hoje, viemos descobrir que afinal a decisão desta cesta básica é mais pior que a que vigora. Congelámos, ainda, em nome de vitórias eleitorais, os preços dos produtos durante um ano. Quando os críticos avisaram que a decisão iria levar o Estado à falência, o Chefe do Estado chamou-os de “Apóstolos de desgraças” que “sentados no muro do comodismo aplaudem, cultivam e sentem-se realizados com a desgraça do povo”. Hoje, a Estado pode estar falido.
2. Segundo o “Canal de Moçambique” do dia 17 deste mês, Guebuza voltou a descarregar sobre os “Apóstolos de desgraça”. Desta vez deu-lhes outros: preguiçosos, tagarelas e intriguistas que andam a dizer que “a pobreza não está a ser vencida” para “nos desanimar”, quando na verdade – sem apresentar resultados – “a pobreza está a sofrer duros golpes” do Governo. No entanto, a realidade mostra um cenário contrário: nós é que sofremos duros golpes de pobreza que, em 5 anos, subiu 0.8%.
Esta resposta aos críticos revela o nível do desespero e o desnorte do Governo. É que não conseguindo apresentar resultados que façam calar a massa crítica, o Chefe do Estado vê-se obrigado a responder ao críticos pela mesma via (palavras), não propriamente pelo trabalho. Na verdade, o Chefe do Estado não está a entender que o que os críticos querem é que apresente resultados claros da sua governação e não discursos adornados, que transforme as suas promessas eleitorais em resultados palpáveis.
Deveria o Presidente da República questionar-se porque em 18 anos o seu antecessor, apesar de ter governado em piores momentos este país, não enfrentou tanta crítica como ele está a enfrentar hoje? Veja-se que foi nesse período que se empreendeu uma das maiores e arriscadas reformas políticas e económicas da nossa história – o abandono do comunismo para o capitalismo e a introdução do Programa de Reabilitação Económica, deixando para traz o mercado centralmente planificado –, o que se acabou reflectindo, por efeito dominó, nos restantes sectores da sociedade. Foi nessa altura em que o país viveu a mais prolongada e mortífera guerra da sua história – a guerra dos 16 anos. Terminada a guerra, o país viria a conhecer o seu melhor momento em termos de crescimento económico e social. O PIB andava acima de 10% anuais, o que fazia com que o país fosse exemplo a nível mundial; a taxa do desenvolvimento humano crescia exponencialmente; os índices de pobreza foram reduzidos, de 1992 a 2003, em pouco mais de 16%. Hoje, os crescimento económico está abaixo de 7%, se calhar por razões óbvias; os índices do desenvolvimento humano crescem de forma trémula, o que nos faz estarmos abaixo do falido Guiné-Bissau; a pobreza urbana está a crescer; e a pobreza no geral subiu ligeiramente, nos últimos cinco anos, segundo as estatísticas do Instituto Nacional de Estatística. Não estou a dizer que a governação de Chissano foi imaculada. Não.
Na verdade, Guebuza pode estar a pagar a factura das expectativas criadas em torno da sua pessoa e, sobretudo, pelo facto de ter usado o lado negativo da governação de Chissano como bandeira do seu manifesto eleitoral: o combate aos males que Chissano tinha “implatado”, como o espírito que o próprio Guebuza atribuiu o nome de “Deixa andar”, o fenómeno de corrupção, problema que o apelidou de “burocratismo” ou o “venha amanhã” . Hoje, se fizermos um estudo, talvez os resultados nos façam contundir de trombose – que a corrupção não só cresceu como também se sistematizou e modernizou-se; que hoje, o tráfico de influência representa um cancro para o país. Daí a razão prosperidade espectacular dos nossos governantes, os seus filhos e familiares em tão curto espaço de tempo.
Também me convenço cada vez mais de que o burocratismo ou o “venha amanhã”, não só se mantém, como também evoluiu para o “venha no próximo mês”.

Lázaro Mabunda, O País

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