Wednesday 27 July 2011

Esperar melhor oportunidade ou a “montanha pariu um rato?

Paulo Portas em Moçambique na continuação de uma novela de cooperação

Afinal José Sócrates fez mal as contas? Prometeu “muitos e fundos” para agora ficar dito que Portugal ou o seu governo já não tem fundos para honrar os compromissos? Era só vontade de aparecer e fazer show-off ou era mais uma daquelas jogadas que os “socialistas portugueses se tem mostrado exímios nos últimos anos na sua cooperação com as ex-colónias?
Portugal com “as calças nas mãos”, depois de muitos anos de consumo superior ao que produzia, vivendo à custa dos dinheiros de Bruxelas, União Europeia, entrou numa jogada de engenharia financeira sem ter o suporte financeiro para fazê-lo.
Os moçambicanos ou a parte que entrou nas negociações de vultuosos projectos que contavam com injecções de importantes volumes de fundos foram apanhados de surpresa. Se já se antevia que a queda de Sócrates teria implicações na cooperação económico-financeira entre Portugal e Moçambique a visita do novo ministro de Negócios Estrangeiros de Portugal, Paulo Portas, veio a confirmar aqueles vaticínios. Portugal não pode nos tempos mais próximos honrar suas promessas.
Moçambique precisa de executar os grandes projectos de infra-estruturas contando com fontes alternativas de fundos numa altura que a crise financeira internacional é uma realidade indisfarçável na maioria dos países do mundo. As implicações directas disso tudo são óbvias e as consequências também importantes.
Mas há mal que vem por bem como diz o ditado popular.
Os grandes projectos de infra-estruturas embora benéficos para o país são executados de tal forma que acabam por constituir um factor concreto de promoção da corrupção. Atendendo que muitos dos projectos de infra-estruturas são executados sob uma fiscalização sofrível e com processos de aprovisionamento viciados em benefício dos integrantes torna-se em certa medida um alívio para os moçambicanos que estes não se realizem como havia sido programado. Queremos projectos de infra-estruturas públicas mas que isso não signifique o nascimento repentino de empresas pertencentes a nomenclatura moçambicana para beneficiarem de tais projectos. Não estamos contra o enriquecimento de alguns dos nossos compatriotas nem contra o “empoderamento económico negro”. Mas estamos contra o conluio de interesses financeiros de socialistas portugueses com a elite moçambicana. Isso na medida que tais compadrios le-sam o desenvolvimento nacional e constituem-se em factores que só aumentam a dívida pública nacional. Foram acções cobertas por uma suposta cooperação bilateral que promoveram a venda ao desbarato de importantes empresas pertencentes ao estado moçambicano. Foi através de manobras inscritas nas recomendações de instituições financeiras internacionais que Moçambique de produtor e exportador de certos bens agora tem que importar. Geleiras, cabos eléctricos, rádios, pneus e muitos outros bens são totalmente importados porque uma cooperação que deveria surtir efeitos positivos foi transformada num instrumento para aumento da dependência externa.
Embora relativamente atrasados, há empresários portugueses ligados ao PS tiraram benefícios devido a “vista grossa e cegueira” ou questões de colocação do interesse individual à frente do interesse nacional. Há projectos de cooperação entre empresários dos dois países que são manifestação caricata de um modo de estar e proceder estranho e que denota a existência de uma agenda de enriquecimento ilícito entre as partes. Os famosos casos e escândalos de natureza financeira que abalaram e derrubaram eventualmente o governo de José Sócrates foram transferidos para Moçambique. O modus operandi foi transmitido aos moçambicanos que ocupam posições de relevo no governo.
De outro modo, o nosso Parlamento já teria recebido informações sobre importantes dossiers que o governo repetidamente se nega a dar.
Moçambique precisa de cooperar com os outros países numa base mais estruturada e com uma definição estratégica de objectivos que coloque os verdadeiros interesses nacionais acima de tudo.
A febre de enriquecer ou de recuperar o tempo perdido deve se subordinar ao que realmente interessa a todos os moçambicanos. Paulo Portas ou seu Primeiro-Ministro português não podem fazer milagres.
Embora possa parecer sadismo isso é benéfico para o governo moçambicano pois assim vai ter que repensar toda uma série de assuntos e maneiras de proceder. Os projectos previamente desenhados contando com fundos portugueses podem ser temporariamente adiados mas não abandonados.
Fundos para a sua concretização podem ser conseguidos através de um posicionamento que valorize os recursos naturais que o país possui e através de uma maior disciplina financeira bem como austeridade governativa. Com o que o país possui em termos de riqueza mineral muita coisa se pode fazer desde que quem governa o faça com responsabilidade e sentido patriótico. Governar é mais do que negociar ou obter vantagens financeiras de cada acordo que se assina.
Governar ultrapassa a maneira de estar a que infelizmente nos habituaram muitos dos nossos governantes, luxo e fausto, mordomias e impunidade.
A estratégia de cooperação governamental e empresarial precisa de reformulação urgente. As contrapartidas pela exploração de nossos recursos naturais têm de ser a base para financiar os projectos de infra-estruturas públicas nacionais e para o fomento da actividade económica no país. A transparência de que tanto se fala tem de significar isso mesmo e não um artifício verbal apresentado para enganar os cidadãos e a comunidade doadora.
O esforço interno de definição de prioridades orçamentais e de responsabilização são a única via para diminuir a dependência externa e avançar para a criação de um Moçambique estável política, social e economicamente . Precisamos de cooperar com Portugal mas essa cooperação tem de ser redireccionada. Se está provado que Moçambique sofre de carências tecnológicas em áreas como as de engenharias, saúde e educação porque não usar os poucos fundos disponíveis para importar professores universitários portugueses para essas áreas? Mas do que importar produtos acabados todos os dias porque não aproveitar da experiência e conhecimentos que existem em Portugal para produzir o que for possível no país? Porque não avançar para a criação de joint-ventures que cubram cidadãos de todo espectro político do país e que não se limitem a proponentes de uma só cor política?
Tem sido uma arreigada teimosia por parte de determinados governantes de nossos países que travam a possibilidade de emergência de um ambiente novo e salutar nas relações entre cidadãos de ambos países com vantagens mútuas.
A génese complicada da cooperação entre Portugal e Moçambique precisa de receber um tratamento adequado e isso só pode ser feito se houver vontade de promover a abertura, os interesses mútuos e o fim dos complexos de parte a parte.
Abrir as portas para a cooperação e alargar o âmbito do que se faz pode ser feito com vantagens mútuas e de uma maneira acelerada.
Imaginem o que aconteceria através de uma transferência de tecnologias entre os dois países no domínio agrário?
Imaginem o que seria aproveitar da experiência portuguesa no estabelecimento de bancos de fomento e sua gestão?
A Caixa Geral de Depósitos tem muito mais a transmitir do que o simples facto de ser o accionista maioritário do BCI ou não é assim?
Esperamos que Paulo Portas volte à Moçambique com bagagem diferente e que a cooperação entre Moçambique e Portugal conheça novos rumos que beneficie os cidadãos de ambos os países.
Outro tipo de cooperação segmentada, com vantagens diferenciadas e fundada em compadrios de ética e objectivos abertamente suspeitos não interessa a Portugal nem a Moçambique.
Não se pode escolher o passado mas pode-se deve-se construir o futuro que desejamos.

Noé Nhantumbo, O AUTARCA – 26.07.2011, citado no Moçambique para todos

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