Tuesday, 21 July 2009

Polícia garante “eleição” dos membros do Conselho Constitucional


Em sessão polémica ontem no Parlamento

A divergência entre as duas bancadas parlamentares – Frelimo e Renamo-UE, em torno da designação de Isabel Rupia como Juíza-Conselheira do Conselho Constitucional paralisou os trabalhos da Assembleia da República desde 9 da manhã, hora a que estava previsto o início da sessão, até às 12h00, quando os trabalhos iniciaram efectivamente. Mas tiveram que ser solicitados elementos da Polícia, mais propriamente do esquadrão da Força de Intervenção Rápida (FIR), para cobrir o presidente do Parlamento, Eduardo Mulémbwè, enquanto este dirigia a sessão da votação polémica que ditou a eleição dos membros do Conselho Constitucional, que compete à Assembleia da República designar.


Maputo (Canal de Moçambique) – Foram ontem eleitos pelo Parlamento, João Nguenha, Lúcia Ribeiro, Domingos Cinturão e Manuel Franque, para juízes-conselheiros do Conselho Constitucional, tendo ficado de fora Isabel Rupia, por a sua candidatura ter sido rejeitada pela bancada da Frelimo. Os três primeiros foram propostos pala Frelimo, e Manuel Franque e Isabel Rupia pela Renamo. Entretanto, a sessão de ontem foi marcada por confusão entre os deputados, devido à rejeição da candidatura de Rupia pelos deputados da Frelimo. Só a presença da Força de Intervenção Rápida na sala do plenário viria a garantir a polémica eleição. A Renamo diz que vai recorrer ao Conselho Constitucional para anular os resultados da votação.

A história da primeira sessão plenária da AR com presença da FIR


Cedo se previu que a sessão de ontem da Assembleia da República seria marcada por polémica. Na edição de ontem do Canal de Moçambique já escrevíamos que a sessão de eleição dos membros do Conselho Constitucional podia ser marcada por desavenças entre os proponentes de Isabel Rupia e os do partido Frelimo. E foi o que aconteceu. Pela primeira vez na história da democracia partidária em Moçambique, o presidente do Parlamento teve que solicitar a Força de Intervenção Rápida para garantir a sua segurança enquanto dirigia sessão plenária do órgão. Já noutras legislaturas houve incidentes do mesmo género em que a Polícia entrou no Plenário do Parlamento, mas acabava por sair antes dos trabalhas prosseguirem. Ontem Eduardo Mulembwe fez funcionar o plenário tendo ele sido escoltado por forças policiais armadas. Inédito e a reflectir o clima de forte tensão política que se começa a desenhar no País.

Atraso do início da sessão e alteração da agenda


A sessão de ontem estava prevista para iniciar 9 horas, com dois pontos na agenda, nomeadamente o debate e aprovação da Lei da Violência Doméstica contra a Mulher, na especialidade, e debate e aprovação da resolução que elege juízes conselheiros do Conselho Constitucional, designados pelo Parlamento.
Entretanto, houve uma longa reunião da Comissão Permanente, que se convocou antes do início das actividades do dia para se tentar ultrapassar o impasse em torno da designação de Isabel Rupia para Juíza Conselheira do CC. Só depois é que o presidente da AR viria a declarar aberta a sessão. Isto aconteceu quando faltavam 3 minutos para as 12h, isto é, com duas horas e 57 minutos de atraso.
O primeiro ponto da agenda foi suprimido dos trabalhos da AR. Passou para hoje. Ficou como ponto único a aprovação da resolução que designa membros do Conselho Constitucional.

O âmago da questão


A alínea b.) do número 1 do artigo 242 da Constituição da República de Moçambique (CRM) estabelece que “cinco juízes Conselheiros (do Conselho Constitucional) são designados segundo critério de representação proporcional das bancadas”. A Frelimo indicou três candidatos, nomeadamente João Nguenha e Lúcia Ribeiro - para continuidade e Domingos Cintura, para primeiro mandato. Por seu turno, a Renamo indicou Manuel Franque – para continuidade, e Isabel Rupia – para primeiro mandato.
É exactamente a indicação de Isabel Rupia que não agrada ao Partido Frelimo. As alegações são várias e já escrevemos aqui (vsff Canal 846 de 22.06.09), mas de uma forma resumida é o seguinte: a comissão dos Assuntos Jurídicos, Direitos Humanos e de Legalidade (CAJDHL) presida pela Frelimo produziu um parecer (n.º 295/05/06/2009), atinente à proposta de eleição dos membros do Conselho Constitucional, no qual refuta a indicação de Isabel Rupia para o cargo, alegadamente por esta “não ser idónea para ocupar o cargo de Juíza-Conselheiro do Conselho Constitucional”.
O parecer da comissão dirigida por Ussumane Aly Dauto, antigo ministro da Justiça no governo de Chissano, refere que “Isabel Rupia já foi sancionada em 3 processos disciplinares, pelo CSMJ, sendo o primeiro em 1994, onde sofreu pena de multa (...) por negligência ou desinteresse no cumprimento dos deveres do cargo”; e os restantes dois processos foram apreciados conjuntamente tendo sido aplicada a pena de inactividade por um período de 90 dias, por acumulações de infracções disciplinares...”.
É devido a estes alegados processos disciplinares que os deputados da Frelimo na CAJDHL – que constituem a maioria – recomendaram que “Isabel Rupia não pode ser eleita membro do CC”.

“É inconstitucional”


Porém, acontece que a argumentação dos deputados da Frelimo carece de cobertura legal, uma vez que não existe lei que impede a cidadãos que tenham sofrido processos disciplinares em funções anteriores, de ocupar cargo de juíza conselheiro do CC. Até o próprio parecer da CAJDHL reconhece este facto. No entanto, os deputados da Frelimo arranjaram manobras para passar por cima e de certo modo “inventar” Lei. “Embora não constando na lei orgânica (do CC) a lista de impedimentos a qualquer candidatura, a comissão considerou, ponderados os antecedentes disciplinares da Sra. Dra. Isabel Rupia que por questões de ética profissional e de deontologia não deve ser eleita a ocupar tão alto cargo na magistratura constitucional”, lê-se no parecer da comissão presidida pelo deputado da Frelimo Aly Dauto.
Quem considera inconstitucional e infundada a alegação dos deputados da Frelimo é a Renamo, que em resposta ao parecer supracitado produziu uma comunicação dirigida ao plenário da Assembleia da República com o seguinte teor:
“A Constituição não remete para a lei ordinária a regulamentação dos requisitos previstos no n.º3 do art. 242 da CRM, e muito menos a previsão de outros requisitos fora dos que a Constituição determina”. Mais adiante os deputados da Renamo acrescentam: “Para ser designado juiz conselheiro do CC não se exige nenhum comportamento específico do candidato em qualquer esfera da sua vida pública ou privada, como se depreende do estipulado pelo n.º3 do art. 242 da CRM”.

Violação do artigo 36 da CRM


Os deputados da oposição entendem ainda que a recusa da Frelimo em admitir a eleição de Isabel Rupia é também violação do n.º3 do artigo 61 da Constituição que estipula que “nenhuma pena implica a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos, nem priva o condenado dos seus direitos fundamentais, salvo as limitações inerentes ao sentido da condenação e as exigências específicas da respectiva execução”.
A Renamo-UE fundamenta que “o direito de ocupar cargos políticos é um direito fundamental que não pode ser limitado fora do que a constituição prevê”. “Os efeitos das penas aplicadas disciplinarmente a Isabel Rupia repercutem-se apenas na sua carreira como juíza de direito, sendo uma incongruência jurídica transpor esses efeitos para exclui-la como candidata a juíza-conselheira do CC”, lê-se na comunicação da Renamo.

Frelimo recorre a ditadura de voto


Vendo-se sem espaço de manobra legal para rejeitar a designação de Isabel Rupia para juíza-conselheira do CC, os deputados Frelimo forçaram a votação para a aprovação da resolução que designa os membros do CC. Aliás, sempre que houve anteriormente que indicar nomes para o Conselho Constitucional a matéria nunca foi aprovada por votação. Sempre foi com base em consenso e baseado no princípio da proporcionalidade que por via do voto acaba por ser aparentemente violado porque permite a imposição da maioria sobre a maioria. Na nomeação das comissões parlamentares o princípio que funciona é o mesmo da proporcionalidade pelo que nunca houve votação para impedir este ou aquele nome da Renamo para os cargos. Sabe-se porém que os deputados da Renamo e vice-versa até são considerados pelos respectivos opositores como muito mais indisciplinados do que Isabel Rupia. Uns chegaram até já ao ponto de chamar assassinos aos outros, epíteto que a Renamo costuma colocar aos da Frelimo, ou “bandidos armados”, a réplica da Frelimo. Nunca tais desavenças serviram para se chegar a extremos como neste caso de Isabel Rupia, a magistrada que há anos atrás quis fazer sentar no banco dos réus o próprio actual chefe de Estado, a própria 1.ª Ministra e o actual secretário executivo da SADC, por suspeita de envolvimento em caso de corrupção entretanto simplesmente arquivado, relacionado com apartamentos no Polana Shopping em Maputo, de uma cimenteira portuguesa.
Dizer ainda que a Constituição e o Regimento da Assembleia da República não estabelecem em nenhum artigo que os juízes conselheiros do Conselho Constitucional provenientes da AR são eleitos com base em voto. A alínea b) do número 1 do artigo 242 da Constituição estabelece que “cinco juízes Conselheiros do Conselho Constitucional são designados segundo critério de representação proporcional das bancadas”.
E foi o que estava acontecer até ao momento que o presidente da Assembleia da República entendeu que devia chamar o plenário para votar pelos candidatos designados pelas bancadas. Este foi a primeira manifestação da “manobra ilícita da Frelimo”, e o autor deste artigo aproximou-se do deputado da Frelimo e presidente da CAJDHL, Ussumane Aly Dauto, para lhe pedir esclarecimentos, isto é, pedir-lhe que explicasse aos leitores do «Canal de Moçambique» porque razão o plenário devia recorrer à eleição de candidatos que a lei diz que são designados. Dauto explicou que a designação “podia ser, dentre outras formas, por eleição, nomeação ou captação”. E naquele momento, o que a Frelimo queria era que os membros do Conselho Constitucional fossem designados por eleição.
A Renamo não aceitou esta situação por não estar prevista claramente, quer na Constituição, quer no regimento da AR, e mais ainda por nunca ter acontecido isso na AR, disse Máximo Dias, deputado da Renamo e jurista, ao Canal de Moçambique. Ainda mais, a Renamo sabia que a Frelimo detêm a maioria dos deputados, pelo que, recorrer ao voto seria garantir que a Frelimo excluísse Isabel Rupia ou qualquer outra que não lhe convenha da corrida para o cargo de juiz do Conselho Constitucional método que por si só viola o princípio da proporcionalidade.
A discussão estava quente. Já eram 14 horas, e não se chegava a consenso. Açucena Duarte, Hermenegildo Gamito e Ussumane Aly Dauto, deputados da Frelimo que são juristas, reuniram-se com o presidente do AR durante 20 minutos aparentemente para estudar que contornos dariam à situação. A seguir foi a vez de Máximo Dias, e José Monteiro, deputados juristas do lado da Renamo, que se reuniram com Mulémbwè para explicar que a posição da Frelimo de forçar “a votação dos membros do CC não tinha cobertura legal”, segundo disse Máximo Dias depois ao Canal de Moçambique.
Mas Mulémbwè não aceitou, disse que a designação dos candidatos do CC devia ser por votação e propôs ainda que “fossem separadas as resoluções que elegesse os membros do CC, cada candidato com uma resolução que aprovasse a sua eleição”.

O atiçar da confusão


A Renamo não concordou com a proposta do presidente da AR, argumentado que o que Mulémbwè estava a propor, “nunca havia acontecido na AR, para além de que carecia de fundamentação legal”.
Como deputado da Frelimo que é, e membro da Comissão Política do Comité Central do seu partido, Mulémbwè não quis ouvir a justificação da oposição e avançou com a proposta de votação das resoluções que aprovam a designação dos juízes conselheiros do CC, em separado. A “manobra” era permitir a reprovação da resolução referente a indicação de Isabel Rupia, aprovando as resoluções dos restantes.

“Fora a ditadura”


Os deputados da Renamo não se conformaram com a situação. Quando Mulémbwè mandou encerrar as portas da sala do plenário da AR para se proceder à votação, os deputados da oposição começaram a gritar perturbando o decurso normal da sessão. E quando o presidente do órgão chamou um deputado para proceder a leitura das resoluções que aprovam a eleição dos candidatos, antes deste se levantar para o local foram todos os deputados da oposição que ocuparam o local onde normalmente se cumpre a praxe dos oradores na AR – o púlpito. “Fora a ditadura” era o refrão que repetiam os deputados da Renamo, entre assobios e danças, desligando microfone que deveria se usar para a leitura da resolução. Não usaram a violência.
Mas o facto fez com que os trabalhos ficassem paralisados. O presidente da AR solicitou reforço de segurança, tendo entrado mais de 20 elementos da Força de Intervenção Rápida para o interior da sala do plenário. Os deputados da Renamo não paravam de cantar e gritar “foram a ditadura”. Quando todos presentes na sala, incluindo presidentes dos tribunais Administrativo, Supremo e Conselho Constitucional estavam perplexos sobre o que iria acontecer, eis que Mulémbwè decide avançar com a aprovação dos resultados por votação.
Num ambiente de extrema confusão, entre cânticos de protestos dos deputados da Renamo que já estavam mesmo no limiar do banco do presidente da AR, este ia dirigindo um processo de votação sem que ninguém ouvisse o que se estava a falar. Certamente que para além dos deputados da Frelimo a quem qualquer coisa que não contrariasse a sua vontade valia, ninguém mais conseguiu perceber quem foi eleito para membro do CC e quem foi excluído. Ninguém pode se quer perceber se algum deputado da Frelimo terá preferido abster-se ou mesmo até votar contra o seu próprio partido. A algazarra era tal que só percebeu que ali houve uma eleição quem de facto quis impor a sua vontade à força mesmo contrariando prática corrente e que em vezes anteriores já se constituíra como método de resolução deste mesmo assunto.

Rupia ficou de fora


Entretanto, o presidente da CAJDHL, Ussumane Aly Dauto, disse que todos os candidatos a juízes conselheiros do CC foram eleitos, com excepção de Isabel Rupia. Orlando da Graça, que devia ser substituído por Rupia “irá permanecer no cargo até quando a oposição entender que deve eleger o seu substituto, disse Dauto, acrescentando que “isso só pode ser na próxima legislatura”, já que o encerramento da presente sessão está previsto para hoje, o que coincide com o encerramento da legislatura. Orlando da Graça em contacto com o «Canal de Moçambique» a partir de Lisboa, confirmou-nos isso mesmo.

A Renamo vai recorrer ao CC


Eduardo Namburete, deputado da Renamo, disse que a bancada da qual faz parte tenciona interpor recurso ao Conselho constitucional para anular a votação inconstitucional promovida pela Frelimo, na designação dos membros do CC. No entanto, Namburete ressalvou que é ele o porta-voz da bancada, daí que a informação que estava a dar não é oficial, mas sim a pretensão da bancada. Na altura em que a AR decidiu ontem como decidiu, estava a decorrer em Nampula o Congresso da Renamo.

( Borges Nhamirre, Canal de Moçambique, 21/07/09 )

NOTA: É lamentável este triste espectáculo originado pela intransigencia da Frelimo que por vingança manipulou a rejeição de Isabel Rupia.
De salientar que os motivos da Renamo em querer substituir Orlando Graça são também questionáveis.

1 comment:

Anonymous said...

A Frelimo nao precisa de gente competente, com sentido de etica e intransigente, mas sim de 'bonecos' que possam manipular e corromper a seu bel prazer. Isabel Rupia teve a audacia de querer fazer sentar no banco dos reus o actual Chefe de Estado, a Primeira-Ministra e o Chefe Executivo da SADC por suspeita em caso de corrupcao, por isso, ela tem de pagar o preco. No entanto, Mocambique precisa de mais pessoas como ela, pois para progredirmos na luta pelo progresso do nosso pais, precisamos de acabar com o flagelo chamado corrupcao.
Maria Helena