A África do Sul atingiu o pico da loucura. No sentido positivo, claro. Chegou a hora do tão esperado Mundial 2010. E para os sul africanos, como anfitriões o entusiasmo só pode ser ultrapassado pela euforia de terem que votar pela primeira vez com base num modelo anti-racial e democrático. Isso foi no dia 27 de Abril de 1994.
Depois em 1995 veio o Mundial de Râguebi, mas a sua notabilidade ficou ofuscada pela percepção de se tratar de um desporto minoritário. Não é o caso com o futebol.
De repente, o patriotismo tomou conta de todos: negros, brancos, mestiços, indianos, chineses, etc. Em cada duas viaturas, pelo menos uma está equipada com aquela bandeira multicolor que representa a Nação do Arco Íris.
Aquele som atroz das Vuvuzelas está em todo o lado. É a marca registada do Mundial 2010; uma versão sul africana do Made in Mozambique.
Costuma-se dizer que a verdade é a primeira vítima da guerra. Mas na verdade é a primeira vítima da febre do futebol. Algumas verdades incómodas serão postas de lado durante o Mundial. Ninguém vai querer saber quem ganhou que concurso para a construção de que estádio ou prestação de que serviço. Ninguém vai querer saber que ministro ou funcionário governamental ficou rico com as chorudas comissões. Este é um momento de paz, uma paz imposta pela euforia do futebol. Até a violência da xenofobia foi adiada para depois do Mundial. O Presidente Jacob Zuma já montou uma equipa especial de monitoria para evitar que a partir do dia 12 de Julho jorre sangue inocente e pessoas sejam queimadas vivas.
A razão? É que os apostadores acreditam que fumando o cérebro do abutre aumentam as suas capacidades de apostar no vencedor certo.
Cá deste lado da fronteira falou-se tanto que se fartou dos “benefícios” que Moçambique iria arrecadar com a realização do Mundial aqui na vizinhança. Mas esses “benefícios” parecem ter ficado mais na língua dos que os pronunciavam do que na realidade. Sem grandes acções de marketing de vulto, nenhuma das selecções que se vislumbrava que viriam estagiar em Moçambique o fez. Até o Zimbabwe, com toda a sua imagem no estrangeiro de tangas, conseguiu atrair o Brasil, uma selecção que tal como Portugal, os entusiastas da “lusofonia” assumiriam a sua vinda a Moçambique como um dado adquirido.
Mas o que esperar de um país onde todas as decisões estão demasiado centradas numa única pessoa, o Presidente da República? Onde qualquer decisão tem que ser tomada em função dos benefícios financeiros que traz para um grupo restrito da nossa elite política? Onde a administração do desporto está na sala de reanimação, à espera de ser recolhida para a morgue?
Um país que não consegue finalizar sem tanto barulho um simples contrato para o treinador da sua selecção nacional de futebol, onde o presidente da Federação Nacional de Futebol só diz asneiras, não pode ambicionar sucessos nos seus esforços de se tornar um país de referência, atractivo a gentes de várias partes do mundo.
Infelizmente temos que reconhecer que não temos a infra-estrutura e o nível de organização que nos permita tirar muito proveito deste Mundial. O Estádio Nacional, que se esperava que estaria pronto para ser usado por qualquer selecção que o quisesse, já vai na sua terceira greve desde que as obras de construção começaram em 2008. E não há garantias de que seja a última greve. O Aeroporto Internacional de Maputo, que seria a porta de entrada para algumas selecções e outros turistas a caminho da África do Sul, tem as obras ainda por concluir. É preciso dizer mais?
Bem, não podemos viver de lamentações, daquilo que na indústria das frases prontas se chamaria de “auto-flagelação”. E se alguma coisa nos falta para impulsionar a nossa auto-estima, pelo menos temos as nossas três gerações e uma só nação, ambas iluminadas pela nossa gloriosa Chama da Unidade. Por agora, durante os próximos 30 dias, deliremo-nos com o talento a ser exibido nos estádios sul africanos.
Fernando Gonçalves no Savana, citado no Diário de um Sociólogo
2 comments:
Estou acompanhando o campeonato e delirando com tudo.
Africa vai surpreender a todos.
A febre só começou, vamos apostar para que seja vencedor quem merecer e fazer tudo para que os não Africanos deixem de pensar em nós só como sendo o "Terceiro Mundo".
Maria Helena
África pode fazer coisas boas e na hora da verdade pode ser unida, temos de capitalizar nisto.
Que vença o melhor e que o Melhor seja África do Sul, Portugal ou Brasil.
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