Saturday, 19 June 2010

Jornalismo vergonhoso

Maputo (Canalmoz) – Evito, sempre que possível, criticar publicamente os erros dos colegas, porquanto entendo que somos uma classe e “roupa suja não se lava fora”. Mas, quando um comportamento desonesto e deliberado de um colega se confunde com o “modus operandi” de toda a classe e atira areia aos olhos do povo, é preciso repudiá-lo publicamente.
Escrevo a propósito da peça apresentada no telejornal da TVM, do dia 10 de Junho de 2010. Escuso-me a citar o nome do seu autor, pois não é meu objectivo atacá-lo pessoalmente, mas sim criticar o seu trabalho. E, neste, partilha as responsabilidades com a direcção editorial da TVM.
No mesmo dia em que o director do Gabinete de Controlo de Bens Estrangeiros do Departamento do Tesouro dos EUA, Adam Szubin, concedeu uma vídeo-conferência na Embaixada norte-americana em Maputo, para explicar os contornos do “caso MBS”, o jornalista da TVM exibiu uma peça produzida na sala de estar do empresário Momade Bachir Sulemane – ressalvo que não tenho nada contra nem a favor dele. Na peça, Bachir aparece a chorar perante as câmaras da TVM, com os membros da sua família reunidos. Até se confundia com uma telenovela ou comédia televisiva!
Com toda a naturalidade, o jornalista dizia, no primeiro “RM” da sua peça, qualquer coisa como o seguinte: “Surpreendemos o empresário na sua residência a chorar pela degradação da sua imagem”.
Tenho imensas dificuldades de escrever se aquilo foi uma peça jornalística ou um vídeo de comédia passado num programa informativo.
O jornalista tentou fazer acreditar aos telespectadores da TVM, que ele e o seu “camara-man” invadiram a mansão do empresário Momade Bachir Sulemane, foram até à sala de estar, e apanharam de surpresa ele e a sua família a chorarem. Será isso possível? Mesmo quem não conhece a residência de Bachir, julga possível um jornalista invadir uma residência de um cidadão e pôr-se a filmar tudo e todos, sem autorização prévia dos donos da casa?
Como se a casa do tal empresário não fosse protegida por armas e canhões. Como se o jornalista se tivesse deslocado à casa do tal empresário sem prévio contacto entre ambos. Como se todos os moçambicanos fossem tolos e acreditassem nas histórias de almanaques “Tio Patinhas”.
O que o jornalista da TVM, com o beneplácito da sua direcção editorial, apresentou, foi uma verdadeira vergonha para ele como profissional que se preze, vergonha para a televisão onde trabalha – a qual, para piorar a situação, é pública e funciona com contribuições de cidadãos.
Não posso afirmar que aquilo foi vergonha para todos jornalistas, mas foi, para alguns, grande angústia. Uma revelação pública da indignidade da profissão. Foi burla para os contribuintes que pagam impostos para o funcionamento da televisão pública.
E o choro diante das câmaras?! Não estou a dizer que Bachir não sofre pela situação que está a passar. Seja ele inocente ou “narcotraficante”, tem motivos para chorar. Ninguém gosta de ser acusado por algo que não fez, assim como ninguém gosta de ver os seus actos ilícitos tornados públicos. Estou simplesmente a duvidar da originalidade do choro de Bachir.
É que quem chora de verdade não o faz nos telejornais. Quem chora de verdade não interrompe o pranto para falar perante as câmaras.

(Borges Nhamirre, CANALMOZ, 18/06/10)

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