Thursday 20 August 2015

O mecanismo prático de combate à censura



Foi refrescante ouvir do Primeiro-Ministro, Carlos Agostinho do Rosário, tal como foi citado pela imprensa, que no seu trabalho, os órgãos públicos de comunicação social obedecem única e exclusivamente os seus protocolos editoriais, livres de qualquer tipo de interferência da parte do poder político.
Claro que o Primeiro-Ministro deve ter estado a tentar dizer aquilo que é o ideal, e não necessariamente o que a realidade nos impõe.
Mas mesmo que esse seja o caso, o importante é que estas declarações tenham vindo a partir desse nível, espelhando um posicionamento formal de que o governo opõe-se à censura, e que à luz da Constituição e da lei de imprensa, apoiará a tomada de medidas contra qualquer tentativa para a imposição da censura.
Isto nunca antes havia sido articulado de forma tão categórica e sem qualquer espécie de ambiguidade por parte de um alto dirigente do Estado, o que é um sinal claro de um esforço para se distanciar de uma prática exercida até muito recentemente com algum excesso de zelo, e que havia tomado os órgãos de comunicação social do sector público reféns de interesses privados, sem qualquer ligação com a agenda de desenvolvimento do país.
Mas à medida que o Primeiro-Ministro vai procurando inteirar-se do estado em que se encontram os órgãos de comunicação social de serviço público, gostaríamos de aproveitar esta oportunidade para lhe lembrar das responsabilidades que o Estado tem para com este sector importante na nossa sociedade.
O termo ‘público’ provém do facto de estes órgãos, contrariamente aos seus pares do sector privado, prosseguirem fins públicos, sem qualquer necessidade de se preocuparem com questões comerciais no sentido empresarial do termo, que é a prossecução do lucro.
Pela natureza da sua missão, os órgãos de comunicação social do sector público devem gozar de um estatuto diferente das demais empresas públicas, cuja finalidade é contribuir para melhorar as receitas do Estado.
Deve ser por isso desencorajada a actual situação em que, na ausência de uma regulamentação apropriada, a comunicação social pública entra numa concorrência desleal com o sector privado para a captação de publicidade comercial como forma de garantir a sua sustentabilidade. Um sector público de comunicação social dependente de interesses comerciais para a sua sobrevivência pode desaguar numa situação em que ele se torna subserviente a interesses comerciais que inevitavelmente o podem desviar da sua responsabilidade de prestação de serviço para todas as camadas da sociedade, independentemente do seu estatuto social.
Em termos práticos, o sector público da comunicação social deve ser devidamente financiado pelo Estado, com o seu orçamento a ser directamente votado pela Assembleia da República. Este sector não pode continuar a ser o parente pobre do Estado, como é a situação actualmente.
Por outro lado, o modelo de gestão destes órgãos públicos deve obedecer a critérios que os tornem protegidos de tentativas de control por parte de interesses que tenham o potencial de os desviar da sua missão de serviço público e interferir desnecessariamente na sua actuação, sejam tais interesses políticos ou comerciais. Muitas vezes, entendemos a censura como sendo invariavelmente exercida por políticos para atingir objectivos políticos, mas na realidade a manipulação comercial pode acabar por ser a pior forma de censura.
Na verdade, a liberdade de gestão de que estes órgãos devem gozar
deve passar necessariamente pela segurança de mandato dos seus gestores, de modo a que estes não tenham de recear que ao contrariar os interesses pessoais da entidade que os nomeia estejam a pôr em risco a manutenção dos seus postos de trabalho e o bem-estar sustentável das suas famílias.
Estes são os mecanismos práticos e eficazes para o combate à censura, seja esta imposta de fora ou assumida pelos gestores como a melhor forma para a sobrevivência. De outro modo, qualquer declaração oficial contra a censura não passará de boas intenções.



Editorial,  Savana 14-08-2015

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