Wednesday 19 August 2015

Moçambique – enxertar uma crosta saudável não cura a ferida



Nem “Jogos Escolares” nem Visitas de Estado curam as feridas.



O PR, Filipe Jacinto Nyusi, inaugurou os Jogos Desportivos Escolares, cujo lema é sobejamente conhecido em Moçambique.
De unidade propalada a unidade vivida, os moçambicanos estão ainda esperando.
Deslocações de Estado ao estrangeiro têm sido várias, mas isso não traz dividendos, se considerarmos que perdões de dívida diminutos e promessas de investimento que não se concretizam não é o que o país quer ou deseja neste momento.
Ao mesmo tempo que o PR faz o seu trabalho segundo uma agenda aconselhada e decidida nos altos círculos do seu partido e assessoria, o líder da Renamo faz as suas visitas internas na região centro-norte do país e transmite as suas mensagens com teor cada vez mais bombástico e mediático.
São duas forças remando em direcção diferente, e isso obviamente que não é bom para o país e os moçambicanos.
O PR avança com mensagens de conteúdo misto, ora dizendoque é pela inclusão, ora dizendo que autonomia ou autarquias provinciais são contra a unidade nacional, e que só irá fazer aquilo a CRM prescreve.
Afonso Dhlakama afina e refina o seu discurso numa clara perspectiva de agradar ao seu eleitorado e ganhar capital político. As últimas novidades referem-se à construção de quartéis provinciais, e isto, em si, não é novidade, porque num passado recente já havia falado de reorganização das suas estruturas de comando ao nível do país. O que é novidade e uma preocupante realidade é que as hostilidades estão regressando de forma concreta e já ceifando vidas, conforme tem sido noticiado ou revelado principalmente nas redes sociais.
Há uma manifesta teimosia mútua e uma incapacidade de enxergar o que interessa realmente ao país e aos moçambicanos.
Será mediocridade na análise?
Será um “forcing” para empurrar o “inimigo” para fora do barco? Será ingenuidade ultrapassando o senso comum?
Quando se assiste ao que as diferentes estações televisivas apresentam, um desconhecedor pode pensar que em Moçambique está tudo normal e que o país respira saúde. Anormalidade e normalidade são situações visíveis sem necessidade de artifícios de defesa.
Quando se reproduz a inauguração dos Jogos Escolares com enfoque na participação do PR e se apresenta este relaxado jogando futebol, difícil será pensar que há confrontações militares ceifando vidas em Tete.
Logo em seguida, o PR desloca-se a Gaborone para uma cimeira ordinária da SADC, e mais uma barragem de artilharia mediática privilegia o assunto nos noticiários, mas obviamente não se refere que AMMD visita Tete e as suas novas ideias ou decisões de natureza militar.
As linhas de passe para os estrategas das partes estão-se afastando ou revelando-se…
O cenário é medonho, mas há quem teime e diga que tudo está normal.
Estamos com estratégias apontando directamente para a confrontação e um processo negocial insípido e inodoro.
Estamos face a adversários que dão a entender que são inimigos, quando na verdade não são nada disso.
É a defesa do que tenho contra quem quer alterar o estado de coisas em seu benefício.
No lugar de observarmos inteligência política, diligência e capacidade de construção, vemos as partes endurecendo posições, esperando que a cedência seja unilateral.
Os moderadores dos debates televisionados fazem as perguntas circunstanciais com pendor paliativo e evitam entrar naquilo que alguns chamam “questões estruturantes”.
E mais uma vez se evidenciam os esforços de alguns comunicadores sociais e fazedores de opinião em abraçar a tese dos “factos consumados”, como se essa fosse a tábua de salvação política de Moçambique.
Moçambique está doente, e não há análise honesta que não o descubra.
Quando a razoabilidade e responsabilidade patriótica fogem da mesa, abrem-se caminhos para a confrontação bélica e a violência gratuita.
Existem temores fundamentados de que a IV República será regada de sangue, porque os seus mentores jogam na perspectiva de que “agora é a sua vez”. Foi-lhes entregue a rédea do país e a responsabilidade política de não alterar os termos e regras de engajamento.
Ter-lhes-á sido dito que, independentemente do teor das reivindicações políticas dos opositores, a linha a não ser atravessada é aquela que coloca em risco as vantagens patrimoniais dos elementos que alavancavam a II e III Repúblicas.
A ferida nacional que muitos se negam a reconhecer e aceitar a “falta de inclusão política e económica”. Paliativos e manobras cosméticas podem parecer úteis para travar ímpetos temporários, mas, em última análise, não são a terapia recomendável para levar o país a bom porto.
Qualquer estratégia eleita que não tenha como objectivo a busca de uma solução duradoura sólida é um contra-senso, porque não passa de algo que adia por algum tempo a crise aberta.
Enquanto se ignora que os factores de rotura existem e crescem, enquanto não se dá espaço para um diálogo genuinamente aberto e patriótico, visando abarcar os interesses mais alargados dos moçambicanos, fomentam-se os factores de clivagem.
Se um diz que está criando quartéis provinciais, e se o outro já os possui e desdobra militares no terreno, para onde leva esse caminho?
Se outro, antes de dizer, também revitalizava as suas forças em espaços concretos a coberto de actividades políticas ou outras, para onde aponta isso? Este estado de prontidão combativa e de existência concreta de dois exércitos é uma ave de mau agoiro para as aspirações de paz e segurança no país.
Se o que faz diferença e constitui o cerne de um Estado é o Exército e a Polícia actuando num território concreto, crescem os sinais de que estamos em rota de colisão e, porque não?, de secessão.
Parece que cada uma das partes joga com “cartas na manga” que se tornam claras a cada dia que passa.
Sem querer adiantar cenários, parece por demais evidente que para o Governo da Frelimo a posição é a recusa permanente das autarquias provinciais ou qualquer fórmula que ponha em perigo os interesses de um determinado grupo de moçambicanos. Nesse sentido, a preparação objectiva de condições para a eclosão das hostilidades está explicada. Para a Renamo, o desejado é uma situação que signifique uma saída airosa,  com o seu capital político intacto e as suas aspirações políticas cimentadas e fortalecidas. Uma guerra seria um factor desestruturando estratégias e promovendo pontos de vista secessionistas.
O que realmente querem os políticos e quais são as suas reais intenções?
Quando se está em presença de políticos reactivos, que se apressam a assinar consensos que realmente não são, isso é perigoso e revelador da qualidade do debate político existente em Moçambique.
O momento não clama por políticas de “encosto à posição ou à oposição”.
As consequências de qualquer derrapagem são demasiado reais e tenebrosas.
Há que chamar à razão os políticos para que, de maneira realista, se coloquem em defesa da agenda de paz e da moçambicanidade real e concreta.
Os espectáculos mediáticos não trarão a paz, e urge estruturar um diálogo político cada vez mais alargado e aberto, de modo a que todos os sectores políticos e sociais se revejam nos seus resultados e conclusões.
Basta de lavagens e de malabarismos aparentemente intitulados “política”.

Haja coerência e responsabilidade, que o “caldo nacional” não se entorne. 



(Noé Nhantumbo)


CANALMOZ,  18 de Agosto de 2015

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