A birra que está instalada na Assembleia da República entre as duas bancadas da oposição, nomeadamente a Renamo e o Movimento Democrático de Moçambique, à volta da indicação das sete personalidades que irão juntar-se às outras no Conselho de Estado revela um antigo e grave problema da oposição: o sectarismo.
O sectarismo exercido de forma anacrónica pelos dois partidos de oposição parlamentar consiste na negação do outro e no esvaziamento contínuo do conceito oposição em relação à situação.
O Artigo 164 da Constituição da República, no n.o 2, determina que fazem parte do Conselho do Estado, para além dos demais, sete personalidades de reconhecido mérito eleitas pela Assembleia da República pelo período da legislatura, de harmonia com a representatividade parlamentar.
Foi criado um debate infantil no parlamento sobre dois conceitos: a representatividade parlamentar, que é a faculdade de estar representado legalmente como bancada no parlamento, e a proporcionalidade parlamentar, que é um critério de atribuição por proporção numérica, ou seja, um degrau acima da representatividade.
Um ofício da presidente do parlamento, posto a circular antes da criação desta celeuma, indicava que a Frelimo deveria indicar quatro personalidades, a Renamo deveria indicar duas e o MDM deveria indicar uma. Esta disposição parece-nos acertada, na medida em que, feitos os cálculos, tendo como universo os 250 deputados e a proporção numérica de cada bancada (Frelimo – 144, Renamo – 89, MDM – 17), teríamos os seguintes resultados: Frelimo: 4,03; Renamo 2,49; MDM 0,47.
Segundo o sistema de coeficiente de Hondt – que é o padrão adoptado pelo quadro legal moçambicano e incorporado na legislação eleitoral para a distribuição proporcional de mandatos –, “no caso de restar um só mandato para distribuir e de os termos seguintes da série serem iguais e de listas diferentes, o mandato cabe à lista que tiver obtido o menor número de votos”.
No caso em apreço, não se trata de votos, mas sim de número de deputados, ou seja, proporção parlamentar.
De resto, o espírito da solução mantém-se intacto. O arredondamento por excesso deverá beneficiar a parte com potencial de ser excluída, que é, neste caso, o MDM, o que pode até colocar em causa o conceito de representatividade definido na Constituição da República.
Tudo indica que a Renamo tem um entendimento diferente sobre estas contas e o conceito que elas encerram. Entende a bancada da Renamo que o MDM deve ser banido do Conselho de Estado, aplicando o arredondamento por excesso em benefício da Renamo.
Ora, esta abordagem – chamemos- lhe “exercício exclusivo e monopolizado” da Renamo – é nefasta, na medida em que quer assumir sozinha o exercício da oposição. Tal postura tem o potencial de colocar a Renamo numa situação difusa de objectivos. Porque, em vez de incluir outras vozes, para melhorar o discurso e a estratégia da oposição, tende a querer fazer tudo sozinha.
Temos a percepção de que a Renamo perde-se, ao querer ao mesmo tempo conquistar o poder e exercê-lo, em resposta aos mais elementares cânones do exercício da política partidária e ao combater todos os aspirantes à oposição. Dá a impressão de que a Renamo quer ser oposição para sempre e desistiu do objectivo primário e principal que é o de conquistar e exercer o poder.
Mas o problema que a Renamo tem, o MDM também o tem e manifesta-o de forma mais cínica.
O MDM também não conta com a Renamo como oposição. O MDM quer ser oposição à parte. Tem estado a imprimir uma versão “light” de oposição. Na sua estratégia, dá prioridade a acordos com a Frelimo, em vez procurar acordos com Renamo.
Ora, que tipo de oposição é essa?
O MDM tem estado a fazer de tudo para não se identificar com a Renamo e ter uma apreciação em alta nas hostes do partido no poder.
Essa abordagem não prejudica a Renamo, prejudica todo um povo que espera do MDM uma postura de oposição de facto e não de “meninos bonitos” da Frelimo.
O episódio da tomada de posse enquanto ainda se discutiam os resultados eleitorais e com forte probabilidade de haver uma contestação popular em larga escala foi, em si, elucidativo. Enquanto estávamos todos a questionar os resultados, os editais, que até nunca apareceram, o MDM armou-se em “menino bonito” e foi tomar posse, distanciando-se da posição da Renamo, que era de boicote ao acto.
Entre juntar-se à Renamo e criar um movimento mais homogéneo e sério de contestação dos resultados, o MDM preferiu o jogo da avestruz e tratou de se distanciar o mais possível da Renamo e foi tomar posse, deixando a Renamo num exercício de “loucura isolada”. Com isso, o MDM ganhou palmadinhas nas costas dadas pela Frelimo, que tratou de fabricar adjectivos elogiosos para o MDM como “partido responsável”, “partido da lei”, “partido lúcido”.
Tudo isso porque a Frelimo compreendeu que, se o MDM tomasse posse, era o fim do barulho. Era só dizer: “E estes que estão aqui porque é que não contestam?”; e logo esvaziava toda a legitimidade e argumento de fraude eleitoral. Por mais que o MDM negue isso, a verdade é que a sua acção foi importante para a consagração dos ladrões de votos como vencedores das últimas eleições.
Nunca o MDM equacionou, por exemplo, os efeitos políticos que poderiam advir de uma situação em que as duas bancadas deixassem que a Frelimo tomasse posse sozinha.
Mesmo que depois viessem a tomar posse mais tarde, o significado de uma tomada de posse solitária da Frelimo teria uma mensagem política forte para a nossa democracia.
Mas o sectarismo falou mais alto, e o MDM preferiu trocar a coerência de um discurso e acção de oposição pelos elogios da Frelimo, que hoje se revelam fúnebres. Hoje, reclama que a Renamo está a ser sectária.
Na nossa modesta opinião, a oposição já devia compreender que é vítima da sua estratégia de falta de estratégia como grupo coerente de pressão. E toda esta postura da oposição está apenas a ajudar a Frelimo a consolidar-se num meio em que a oposição intelectual concertada quase não existe.
O MDM saberá, por acaso, porque é que a Frelimo, com quem tomou posse e validou os resultados, está calada nesta guerra de números?
É que, sem jogar, a Frelimo vai ganhar, se o MDM não indicar ninguém. No seu vício de perseguir pessoas, a Frelimo tem contas a ajustar com a personalidade que o MDM escolheu para o Conselho de Estado, o Dr. Frangoulis. Interessa muito à Frelimo que Frangoulis continue politicamente irrelevante, tal como interessa à Renamo continuar a ser a única oposição no Conselho de Estado, em prejuízo do MDM.
Tudo isto é fruto da falta de concertação, do sectarismo e da falta de objectivos que tem caracterizado a nossa oposição. Não se pode ser oposição sem planos para sair da oposição e dominar a situação. E isso, em si, é um manifesto de descredibilização de uma nobre e secular profissão e ciência que se chama política.
O sectarismo exercido de forma anacrónica pelos dois partidos de oposição parlamentar consiste na negação do outro e no esvaziamento contínuo do conceito oposição em relação à situação.
O Artigo 164 da Constituição da República, no n.o 2, determina que fazem parte do Conselho do Estado, para além dos demais, sete personalidades de reconhecido mérito eleitas pela Assembleia da República pelo período da legislatura, de harmonia com a representatividade parlamentar.
Foi criado um debate infantil no parlamento sobre dois conceitos: a representatividade parlamentar, que é a faculdade de estar representado legalmente como bancada no parlamento, e a proporcionalidade parlamentar, que é um critério de atribuição por proporção numérica, ou seja, um degrau acima da representatividade.
Um ofício da presidente do parlamento, posto a circular antes da criação desta celeuma, indicava que a Frelimo deveria indicar quatro personalidades, a Renamo deveria indicar duas e o MDM deveria indicar uma. Esta disposição parece-nos acertada, na medida em que, feitos os cálculos, tendo como universo os 250 deputados e a proporção numérica de cada bancada (Frelimo – 144, Renamo – 89, MDM – 17), teríamos os seguintes resultados: Frelimo: 4,03; Renamo 2,49; MDM 0,47.
Segundo o sistema de coeficiente de Hondt – que é o padrão adoptado pelo quadro legal moçambicano e incorporado na legislação eleitoral para a distribuição proporcional de mandatos –, “no caso de restar um só mandato para distribuir e de os termos seguintes da série serem iguais e de listas diferentes, o mandato cabe à lista que tiver obtido o menor número de votos”.
No caso em apreço, não se trata de votos, mas sim de número de deputados, ou seja, proporção parlamentar.
De resto, o espírito da solução mantém-se intacto. O arredondamento por excesso deverá beneficiar a parte com potencial de ser excluída, que é, neste caso, o MDM, o que pode até colocar em causa o conceito de representatividade definido na Constituição da República.
Tudo indica que a Renamo tem um entendimento diferente sobre estas contas e o conceito que elas encerram. Entende a bancada da Renamo que o MDM deve ser banido do Conselho de Estado, aplicando o arredondamento por excesso em benefício da Renamo.
Ora, esta abordagem – chamemos- lhe “exercício exclusivo e monopolizado” da Renamo – é nefasta, na medida em que quer assumir sozinha o exercício da oposição. Tal postura tem o potencial de colocar a Renamo numa situação difusa de objectivos. Porque, em vez de incluir outras vozes, para melhorar o discurso e a estratégia da oposição, tende a querer fazer tudo sozinha.
Temos a percepção de que a Renamo perde-se, ao querer ao mesmo tempo conquistar o poder e exercê-lo, em resposta aos mais elementares cânones do exercício da política partidária e ao combater todos os aspirantes à oposição. Dá a impressão de que a Renamo quer ser oposição para sempre e desistiu do objectivo primário e principal que é o de conquistar e exercer o poder.
Mas o problema que a Renamo tem, o MDM também o tem e manifesta-o de forma mais cínica.
O MDM também não conta com a Renamo como oposição. O MDM quer ser oposição à parte. Tem estado a imprimir uma versão “light” de oposição. Na sua estratégia, dá prioridade a acordos com a Frelimo, em vez procurar acordos com Renamo.
Ora, que tipo de oposição é essa?
O MDM tem estado a fazer de tudo para não se identificar com a Renamo e ter uma apreciação em alta nas hostes do partido no poder.
Essa abordagem não prejudica a Renamo, prejudica todo um povo que espera do MDM uma postura de oposição de facto e não de “meninos bonitos” da Frelimo.
O episódio da tomada de posse enquanto ainda se discutiam os resultados eleitorais e com forte probabilidade de haver uma contestação popular em larga escala foi, em si, elucidativo. Enquanto estávamos todos a questionar os resultados, os editais, que até nunca apareceram, o MDM armou-se em “menino bonito” e foi tomar posse, distanciando-se da posição da Renamo, que era de boicote ao acto.
Entre juntar-se à Renamo e criar um movimento mais homogéneo e sério de contestação dos resultados, o MDM preferiu o jogo da avestruz e tratou de se distanciar o mais possível da Renamo e foi tomar posse, deixando a Renamo num exercício de “loucura isolada”. Com isso, o MDM ganhou palmadinhas nas costas dadas pela Frelimo, que tratou de fabricar adjectivos elogiosos para o MDM como “partido responsável”, “partido da lei”, “partido lúcido”.
Tudo isso porque a Frelimo compreendeu que, se o MDM tomasse posse, era o fim do barulho. Era só dizer: “E estes que estão aqui porque é que não contestam?”; e logo esvaziava toda a legitimidade e argumento de fraude eleitoral. Por mais que o MDM negue isso, a verdade é que a sua acção foi importante para a consagração dos ladrões de votos como vencedores das últimas eleições.
Nunca o MDM equacionou, por exemplo, os efeitos políticos que poderiam advir de uma situação em que as duas bancadas deixassem que a Frelimo tomasse posse sozinha.
Mesmo que depois viessem a tomar posse mais tarde, o significado de uma tomada de posse solitária da Frelimo teria uma mensagem política forte para a nossa democracia.
Mas o sectarismo falou mais alto, e o MDM preferiu trocar a coerência de um discurso e acção de oposição pelos elogios da Frelimo, que hoje se revelam fúnebres. Hoje, reclama que a Renamo está a ser sectária.
Na nossa modesta opinião, a oposição já devia compreender que é vítima da sua estratégia de falta de estratégia como grupo coerente de pressão. E toda esta postura da oposição está apenas a ajudar a Frelimo a consolidar-se num meio em que a oposição intelectual concertada quase não existe.
O MDM saberá, por acaso, porque é que a Frelimo, com quem tomou posse e validou os resultados, está calada nesta guerra de números?
É que, sem jogar, a Frelimo vai ganhar, se o MDM não indicar ninguém. No seu vício de perseguir pessoas, a Frelimo tem contas a ajustar com a personalidade que o MDM escolheu para o Conselho de Estado, o Dr. Frangoulis. Interessa muito à Frelimo que Frangoulis continue politicamente irrelevante, tal como interessa à Renamo continuar a ser a única oposição no Conselho de Estado, em prejuízo do MDM.
Tudo isto é fruto da falta de concertação, do sectarismo e da falta de objectivos que tem caracterizado a nossa oposição. Não se pode ser oposição sem planos para sair da oposição e dominar a situação. E isso, em si, é um manifesto de descredibilização de uma nobre e secular profissão e ciência que se chama política.
( EDITORIAL do Canal de Moçambique )
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