Em duas ocasiões num espaço de menos de um mês, este jornal deu destaque especial aos elevados custos que representam para as finanças públicas deste país duas instituições que têm como missão garantir o cumprimento das leis.
Depois de alguma investigação, o jornal trouxe a público as entranhas de como o Tribunal Supremo tem estado a consumir elevadas somas de dinheiro com o arrendamento de casas para os seus magistrados, despesas relacionadas com viaturas de afectação pessoal e outras mordomias.
Na semana passada, o assunto teve um cariz de certo modo diferente. Não se tratava de regalias legítimas e apenas questionáveis para um público ignorante sobre o sacrifício que esses magistrados consentem no seu trabalho em nome do povo, mas de vergonhosos actos de corrupção cometidos por altos funcionários da Procuradoria Geral da República (PGR), na contratação de bens e serviços para a instituição, sem seguir os protocolos de concurso público estabelecidos na lei.
Com o recorrente argumento de que é preciso criar “condições condignas” para os titulares de cargos públicos e de direcção na administração do Estado, as nossas finanças públicas têm estado a ser saqueadas de uma forma criminosa, contribuindo para um défice que num future não muito distante fará da actual crise económica na Grécia um piquenique de domingo à tarde.
Só as adjudicações directas feitas pela PGR, sem concurso público, totalizam quase 100 milhões de meticais. E estamos aqui a falar apenas daquilo que é do domínio público, porque foi publicado em jornais da praça. E que não se enganem os que acreditam que tal publicitação tenha sido um acto de transparência. O anúncio publicitário foi apenas resultado de um erro de procedimento administrativo.
A verdadeira dimensão desta acção criminosa, se multiplicada pelas várias dezenas de outras instituições públicas, deve ser assustadora. Talvez o suficiente para cobrir o défice de medicamentos nos hospitais públicos, tirar uma boa quantidade de crianças da subnutrição crónica, e quem sabe, o que mais se pode fazer.
Quando o governo aprovou o Decreto sobre a contratação de empreitadas de obras públicas, fornecimento de bens e prestação de services ao Estado, impondo a obrigatoriedade de concurso público, o objective era estabelecer regras claras e objectivas que permitissem racionalizar os recursos públicos. Ou seja, obrigar o Estado a comprar bens e services a preços competitivos, numa base em que todos os fornecedores participam em igualdade de circunstâncias.
É um modelo que em última análise, por um lado estimula a concorrência na economia incentivando a eficiência, enquanto por outro permite racionalizar os cada vez mais escassos recursos do Estado.
Mas se a PGR, com a sua função de garante da legalidade no país, pode deliberadamente ignorar e violar as mesmas leis que ela é suposta defender, não há razão para que outras instituições do Estado sejam obrigadas a respeitá-las. E é isso que tem estado a acontecer um pouco por todo o lado. É neste ambiente de despesismo desregrado e de avidez dos nossos servidores públicos que a nossa economia, de tanto pressionada, irá cedo entrar em colapso.
As despesas com dirigentes e funcionários públicos do topo são simplesmente incomportáveis para uma frágil economia como a nossa. É no mínimo imoral que alguém tenha em casa três viaturas, todas elas compradas, mantidas e movimentadas com combustível às expensas do Estado. Numa situação normal, com os seus salários, as pessoas devem estar em condições de irem ao banco e pedir um empréstimo para comprar quantas viaturas quiserem para o seu uso pessoal.
Em muitos países, as pessoas precisam de muita persuasão para se juntarem ao governo ou assumirem posições como funcionários do Estado. Em Moçambique, é justamente o contrário. As pessoas vão literalmente à guerra para serem membros do governo ou funcionários do Estado. Quem quer ser rico não vai ao banco; luta por ter um lugar no Estado, mesmo que para isso tenha de viciar as suas qualificações ou comprar uma vaga.
Não é o seu fervoroso patriotismo que atrai as pessoas para cargos no governo ou na administração pública. É porque o Estado virou uma vaca leiteira muito gorda a que todos lutam para sugar, e nessa capacidade estarem melhor posicionados para o rápido enriquecimento ilícito.
Só que a este ritmo, muito cedo esta vaca já não terá mais leite.
Editorial, Savana 21-08-2015
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