Monday, 7 May 2012

Pronunciamento da Ordem dos Advogados de Moçambique

DIRECTOR!

(Declarações do Comandante-Geral da PRM)

É pública a recente disputa entre poderes formais e poderes de facto, envolvendo o Comando Provincial da Polícia da República de Moçambique (PRM), o Juiz de Instrução Criminal do Tribunal Judicial da Província de Nampula e a Procuradoria Provincial da República naquela província, no contexto da ordem judicial de soltura do comandante distrital da PRM em Nacala.

Maputo, Segunda-Feira, 7 de Maio de 2012:: Notícias

Neste caso, ao que tudo indica, a ordem de soltura decretada pelo juiz em causa teve de ser "negociada" pela Procuradora Provincial com a Polícia, durante várias horas, para criar condições de cumprimento - um cumprimento, aliás, caracterizado por ameaças de retrocesso, em desafio ao comando contido na ordem judicial.
A sociedade civil e a comunidade jurídica mal tinham digerido a estupefacção causada por esta grave violação da Constituição da República de Moçambique (CRM) e do princípio do Estado de Direito nela ínsito; eis que surge o Comandante-Geral da Polícia - órgão que dirige a PRM (art. 255°/1 CRM) - a proferir declarações incendiárias e de afronta ao poder judicial, reforçando a percepção e a convicção generalizada de que os actos da PRM em Nampula não eram isolados e tinham o respaldo da alta hierarquia do Ministério do Interior.
Na sequência destes acontecimentos, o Comandante-Geral, Jorge Khálau, terá dito publicamente que a PRM conhece a lei e que não irá obedecer a nenhuma ordem judicial que verse a libertação de agentes da Polícia que violem normas internas.
Segundo este dirigente, a PRM obedecerá exclusivamente às suas normas internas quando em confronto com ordens judiciais.
Estas declarações foram, coincidentemente ou não, produzidas no epicentro do conflito, em Nampula.
A Constituição da República não poderia ser mais esclarecedora, e esclarecida, quando pugna pelo seguinte:

A República de Moçambique é um Estado de Direito (art. 3º).

Os tribunais têm como objectivo garantir e reforçar a legalidade como factor da estabilidade jurídica, garantir o respeito pelas leis, assegurar os direitos e liberdades dos cidadãos, assim como os interesses jurídicos dos diferentes órgãos e entidades com existência legal (art. 212°/2).

As decisões dos tribunais são de cumprimento obrigatório para todos os cidadãos e demais pessoas jurídicas e prevalecem sobre as de outras autoridades (art. 215º).
No exercício das suas funções a Polícia obedece à lei (art. 254º/3).

Este cotejo de normas constitucionais - que devem prevalecer sobre TODAS as restantes normas do ordenamento jurídico (art. 2°/4 CRM) - permite entender a dimensão da gravidade das declarações do mais alto dirigente da PRM.
O Comandante-Geral da Polícia dá ordens à sua corporação para não cumprir ordens judiciais sempre que estiverem em causa as ditas "normas internas". Instiga a PRM a desrespeitar os tribunais e orienta a Polícia para, sob seu comando, sobrepor as suas decisões internas às decisões dos tribunais.
A PRM poderia legitimamente não concordar com a ordem de soltura dada pelo Juiz de Instrução Criminal. Mas devia instar a Ministério Público (que representa o Estado junto dos tribunais) a usar os meios legais de impugnação das decisões judiciais para obter anulação da referida decisão. Mas, em situação alguma, deveria proferir tão violentas e graves declarações públicas contra a Constituição da República, o ordenamento jurídico moçambicano e o poder judicial. Em suma: contra o Estado de direito.
Nos últimos tempos têm vindo a avolumar-se exemplos públicos de descaso pela lei por parte das altas estruturas do Ministério do Interior. Primeiro foi o Ministro do Interior a nomear e defender a manutenção de um Director Nacional da PIC que não cumpria com as exigências legais para o cargo (depois teve de o demitir sob pressão dos “media” e da opinião pública e publicada). Depois, foi o Vice-Ministro do Interior a defender publicamente um tratamento de excepção à lei em relação ao uso de viaturas do Estado nas campanhas eleitorais (facto que foi posteriormente censurado pelo Conselho Constitucional no acórdão que validou os resultados eleitorais das eleições intercalares em Cuamba, Pemba e Quelimane) e agora é a vez do Comandante-Geral da PRM publicamente instigar o incumprimento de decisões judiciais pela corporação paramilitar que dirige.
Esta situação é preocupante, geradora de elevado alarme social e consubstancia um considerável retrocesso no processo da construção do Estado de Direito democrático. Constitui ainda um precedente perigoso de desrespeito pela Constituição da República e pelas normas de funcionamento e competências dos tribunais enquanto órgãos de soberania.
Neste contexto, a Ordem dos Advogados de Moçambique, que por dever de ofício não se pode alhear a tão graves violações à legalidade instituída, exorta o Comandante-Geral da Polícia a revogar a sua ordem ilegal, a conformar-se com o seu dever de respeitar e agir de acordo com a lei e a instar os seus subordinados a fazerem o mesmo; a bem do respeito pela Constituição da República e do aprofundamento do Estado de direito democrático.
Concomitantemente, dada a gravidade da situação e a tendência de agravamento que a mesma potência, apela-se à intervenção de Sua Excelência o Presidente da República, na qualidade de Comandante-Chefe das forças de segurança (art. 146°/4 CRM) e de garante da Constituição (art. 146°/2 CRM), no sentido de ordenar a conformação com a ordem constitucional do Estado moçambicano, com a lei e com o respeito pelos princípios orientadores do Estado de direito democrático.

Por uma Ordem empreendedora

Gilberto Correia - Bastonário da Ordem dos Advogados de Moçambique

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