O dia 1 de Maio, em Moçambique, para nada mais serve do que o desfile colectivo da nossa imbecilidade. Trabalhadores esqueléticos, munidos de cartazes com palavras de ordem, repetem até à náusea pedidos que os empregadores sistematicamente ignoram. É assim de ano para ano. O Governo ouve e aplaude. Aliás, ouvia e aplaudia a marcha dos enteados da pátria.
Hoje, é tudo diferente. Não há pachorra, diz o Governo do altar da sua ausência, que já não tem estômago para participar na farsa. Ou seja, de que adianta reivindicar algo a que não se está disposto a incentivar? O que traz de novo a marcha? O que melhora na vida do trabalhador moçambicano? Ela faz, como num passe de mágica, que o orçamento da sua empresa seja maioritariamente consumido pelos seus salários como na Assembleia da República, por exemplo?
Que é que se faz na marcha? Pensa-se? Trata-se das injustiças laborais com palavras de ordem? Obtém-se um aumento de salário com coreografia decorada? Resolve-se algum conflito com as goelas escancaradas? Ou, pelo contrário, fomenta-se a irracionalidade?
Uma marcha justamente reivindicativa teria sentido se os trabalhadores conhecessem os seus direitos. Se as G4S da vida não atropelassem, diante do olhar impávido e sereno do Executivo, os direitos elementares dos trabalhadores. Se o direito à greve não só fosse respeitado como encorajado.
Se os trabalhadores conhecessem uma coisa chamada dignidade, no seu mais amplo sentido, ou seja, a efectiva posse do seu poder de trabalho, a inteira responsabilidade, a posse de si mesmos. Eis o que não querem e nem pretendem consentir os empregadores deste país.
Marchar, protestar e reivindicar melhores condições, no dia 1 de Maio, em Moçambique, não passa de um teatro. Só que desta vez o Ministério do Trabalho furtou-se à apresentação da peça. Helena Taipo, acérrima “defensora” dos direitos do trabalhador moçambicano, preferiu fazer outras coisas do que participar da peça teatral. O povo (leia-se trabalhador) ficou reduzido à sua insignificância. Marchou e gritou as mesmas palavras que repete há anos sem que nada mude.
Porém, uma coisa ficou clara: a mentalidade dirigista acredita piamente na letargia da classe trabalhadora. Não crê, de forma nenhuma, que ignorar os seus queixumes pode, um dia, representar um tiro no próprio pé.
Ignoram os trabalhadores mas depois são eles que enchem a boca para falar em nome do povo e pedir votos. Porém, o povo pode escolher entre a acção e a letargia. Entre protestar e ruminar. Mas protestar no verdadeiro sentido do termo. Sem palavras de ordem, mas com acções concretas. Não votar é uma forma de protesto. Aliás, até já foi posta em prática, mas não surtiu o mínimo efeito. Os níveis de abstenção assim o dizem.
É urgente agir para mostrar aos que julgam que são donos de isto e mais aquilo que sem a vontade popular não só o país cessa de produzir como as vidas abastadas de um grupo de pessoas perdem sentido.
Eles não podem, de forma nenhuma, falar em nome do povo. Embora saibamos, falam assim porque está na moda falar-se assim. Porém, a utilização do nome do povo, quando não se vive os seus problemas, constitui um crime degradante, que o povo deveria, um dia, castigar. Ou melhor: já teria castigado não fosse a nossa imbecilidade colectiva.
Editorial, A Verdade
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