Saturday 21 January 2012

"Enfim, talvez um dia os nossos governantes percebam que os moçambicanos já não são crianças e podem-se fartar de serem tratados como tal"


MARCO DO CORREIO

Por Machado da Graça

Meu caro Leopoldo
Espero que estejas bem de saúde, assim como toda a tua família. Do meu lado tudo normal.
Estou-te a escrever por me lembrar daquele procedimento que, muitas vezes, os adultos têm quando acontece alguma coisa que perturba uma criança. Nesses casos é normal o adulto dizer: “pronto, pronto, não foi nada!”.
E sabes que me lembrei disso ao ler, no Canal de Moçambique, o trabalho que eles dedicam ao relatório final do dossiê Madeiras de Nacala.
Sim, é o relatório final sobre o enorme escândalo da apreensão de 565 contentores de madeiras valiosas, que estavam prestes a ser exportadas para a China, ilegalmente. Isto para não falar numas tantas pontas de elefante, que iam misturadas com a madeira.
Pois, do que percebi, este relatório também se pode resumir naquela mesma frase: “Pronto, pronto, não foi nada!”.
Voltando ao reino da infância, quando eu era pequeno e se queria referir alguma transformação mágica, nas histórias infantis, dizia-se que foi “por artes de berliques e berloques”.
Pois agora, “por artes de berliques e berloques” a exportação da madeira, que era ilegal, passou a ser legal e grande parte dela já seguiu para a China.
Não me perguntes se o marfim continuou lá misturado que a isso não sei responder.
Quem é que está a exportar legalmente a madeira? Pois são exactamente as mesmas empresas, moçambicanas e chinesas, que a pretendiam exportar ilegalmente. Vais-me perguntar se a madeira não tinha sido confiscada pelo Estado. Tinha sim, mas aquelas empresas compraram-na ao Estado.
E como “não foi nada!” também ninguém foi preso.
Há 14 funcionários que, solidariamente, devem pagar uma multa de pouco mais de 1 milhão de meticais e a quem serão abertos processos disciplinares. Se forem, porque, se calhar, nem isso acontece.
Como, muito provavelmente, os autores do relatório são pessoas modestas e tímidas, não o deram a conhecer ao público, embora esteja pronto desde meados de Novembro passado.
Mas eu acho esta modéstia exagerada. Creio que existem, no nosso país, prémios para literatura infantil e este relatório devia ser galardoado com um desses prémios, dividido pelos seus autores, os Ministros das Finanças e da Agricultura e o Presidente da Autoridade Tributária. Seria mais do que merecido, não achas?
Enfim, talvez um dia os nossos governantes percebam que os moçambicanos já não são crianças e podem-se fartar de serem tratados como tal. Mas, diz a experiência dos meus cabelos brancos, normalmente isso só acontece quando já é tarde demais.

Um abraço para ti do

Machado da Graça

Citado no Moçambique para todos

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