(“Mais de 40% do salário da mulher vai para beleza”, diz o autor da foto, Santos F. Vialnculos)
Por Luís Loforte
De flagrância em flagrância, lá vamos nós na terceira. Hoje, em primeiro lugar, trago à estampa algo de positivo, algo que tem a ver com a tão propalada auto-estima.
Nesta correria ligada à procura atempada de produtos para a quadra natalícia, vislumbro à distância um amontoado de sacos de batata e dois jovens circundando-o e apregoando o seu conteúdo a quem por ali passava. Comprei um saco convencido de que se tratava de batata sul-africana. Para meu espanto, porém, verifico, pouco depois, quando a acondicionava, que estava perante um produto moçambicano. As inscrições não deixavam dúvidas: “Batata de Moçambique, Qualidade de Exportação, Produto Nacional”.
Pergunto e responde-me positivamente quem recebia o dinheiro: “Sim, vem da Moamba!”. Pela quantidade e falta de bicha, fico com a franca impressão de que há batata a dar com o pau, e também de que só compra a da África do Sul quem não sabe da existência da nossa, por capricho ou até por alienação. Tinha eu ganho o dia, não só por ter comprado algo com que matar a fome, como também por um pormenor que nos enche de orgulho. Afinal, podemos!
E agora, uma flagrância do quotidiano.
Na rua, nas escolas, nos chapas, no Parlamento, por todo o lado é praticamente impossível encontrar uma mulher negra com o seu cabelo natural. O normal é ela andar com cabelo importado, corrido e não raras vezes loiro ou ruivo, percorrendo-lhe as costas até à cintura. O gesto para controlá-lo ou ampará-lo, quando lhe perturba a visão, é o das novelas; é um movimento aprendido de adulto e, por isso, carregado do mais puro ridículo. Daí a concluir que os paradigmas estéticos da mulher negra urbana acabaram e, em seu lugar, ficaram as caricaturas, ficou aquilo que parece, não aquilo que é, é um pequeno passo. E o panorama é tal que muitas vezes as vemos descalças, dentes por escovar, queixando-se na televisão da falta de dinheiro para matricular os filhos, de recursos para melhorar a dieta, de proventos para comprar medicamentos, mas a cabeça exibindo cabelos que custam os olhos da cara.
Mais palavras para quê, senão apenas o reconhecimento de que morreram as belas raparigas do Chamanculo e do Xipamanine, da Munhava, Macurungo e Chipangara, de Kumilamba e Kumissete, com as suas reluzentes cabeleiras a Angela Davis, dando lugar a autênticos espantalhos. E tudo isso tem um nome: alienação. Trinta e seis anos depois da Independência, aí estão as mentes completamente destruídas, a pensar-se que o que é nosso não vale nada, o nosso é secundário, que o nosso é cavalo do que é dos outros, que dos outros é para pendurar em cima do que é nosso, só assim seremos belos, competitivos. E ainda falamos de auto-estima?
E cada vez que me deparo com tudo isto, e particularmente quando me ocorre a palavra alienação, fico a pensar que talvez a tenhamos combatido com mais determinação no passado do que hoje, o mesmo que dizer que a alienação está mais presente nos dias que correm do que quando éramos colonizados. E para sustentar o meu raciocínio, vou transcrever aqui a estrofe de uma canção que remonta a 1968, composta e cantada por um amigo pessoal, infelizmente já falecido: Teta Lando. Um angolano.
Negra de carapinha dura
Não estraga o seu cabelo, me jura
Faça tranças corridinhas com missangas a cair
Carrapitos pequenitos como vovó fazia para você.
Você é africana, tem beleza natural
Vai mostrar para todo o mundo essa sua carapinha
O seu acabamento de uma obra sem igual
Vovó deixou, você vai guardar
Você não vai estragar aquilo que vovó deixou para você!
Radio Moçambique
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