Wednesday 14 December 2011

Auto (in)estima1

Auto estima é provavelmente a palavra mais presente nos discursos políticos e nas intervenções com ou sem caixas de ressonância (neste caso batuques). Não me parece mal. A auto estima, segundo os psicólogos, é o gosto e o amor que cada um tem consigo próprio, individual ou colectivo, assente nas suas identidades, percurso, mérito e diferenciação dos restantes indivíduos ou colectivos. Este é o olhar de um sobre si próprio. É necessário também conhecer o olhar do(s) outro(s) sobre o auto estimado.
No caso em apreço, a construção da auto estima tem sido utilizada principalmente como forma de criar patriotismo, nacionalismo, unidade nacional. Mas em redor a que valores, objectivos, ideais, etc.(?).É indesejável tentar criar-se auto estimas com base em exercícios de culto de personalidade, criação de figuras emblemáticas e ícones, isto é, imagens simbólicas e voláteis no tempo. A manipulação de informação e a sobre valorização ou a distorção de fenómenos para a criação da auto estima torna-se perigosa e contra producente.
É difícil a auto destruição da estima individual ou colectiva. Seria não gostar de si próprio, individual ou colectivo, a possibilidade de instabilidades emocionais que, a se agravar, poderia conduzir-se à categoria que os psicólogos designam de bi-polarismo e, com maior agravamento, ao possível suicídio. Naturalmente que isso não acontece a um país e a um povo. É assim mais acertado falar de confiança. Confiança de um povo em si mesmo, assente na história, na capacidade de ultrapassar dificuldades e de promover desenvolvimento. Confiança na economia e nos sistemas políticos que assegurem a liberdade dos cidadãos, a participação nos desígnios da pátria, na criação de riqueza com aproximação de oportunidades. Confiança nas elites e nos políticos e destes com os povos a que pertencem e a quem devem prestar serviços com responsabilidade social do que a sociedade lhes permitiu ser o que são. Confiança no Estado na condução do país e em políticas ajustadas, inclusivas, equitativas e que seja solidário em relação aos grupos sociais mais vulneráveis. Confiança na construção de uma sociedade assente em valores duradouros da ética, justiça, igualdade, do universalismo e da modernidade. Confiança em ambientes de liberdade, respeito pelas diferenças e tolerância pelas diversidades.
São estas e outras confianças que poderão configurar a auto estima individual.
Este artigo apenas se refere à confiança (auto estima) nas e das elites políticas, particularmente da governação. Este texto foi motivado pelos índices económicos e sociais internacionais que têm sido dados a conhecer nas últimas semanas.
O doing business de 2012, indica o retrocesso de Moçambique no ranking internacional e no contexto da África Austral. Pretendia-se que Moçambique fosse o país com melhor ambiente de negócios na SADC. Era uma ambição aparentemente alcançável considerando a posição da penúltima avaliação. A queda de Moçambique no ranking não foi uma boa notícia.
Seguiu-se o anúncio do Índice de Desenvolvimento Humano que refere que Moçambique se localiza na 184ª posição entre 187 países avaliados. O índice melhorou mas a posição de Moçambique comparativamente com outros países piorou, o que significa que outros países estão melhorando a um ritmo superior que Moçambique.
Foi um violento golpe na confiança (isto é, na auto estima) de grande parte da elite moçambicana, sobretudo da que envolve o sistema do poder e dos menos informados. Saltaram para o palco das televisões técnicos de alguns organismos governamentais, contestando as estatísticas e o método de cálculo. O IDH possui realmente lacunas e não representa, como qualquer outro índice sintético existente ou a construir, a globalidade das realidades. Mas o IDH está reconhecido como um dos indicadores menos imperfeitos e tem sido utilizado por diversas organizações internacionais. O método de cálculo e as fontes utilizadas para Moçambique são similares para os restantes países avaliados e, por isso, como indicador relativo, coloca todos os países em igualdade comparativa.
Surgiram depois os resultados do Índice de Percepção da Corrupção, indicando que em Moçambique a situação não melhorou. Várias vozes moçambicanas têm referido de forma fundamentada o que a Transparência Internacional confirma no seu último relatório.
Um último relatório Regional Economic Outlook do Fundo Monetário Internacional (Outubro de 2011) que, além de elogiar o comportamento da economia moçambicana pela persistência do crescimento económico e o acerto (na perspectiva do FMI) das politicas económicas conjunturais para fazer face à crise internacional, volta a sublinhar que o tão elogiado crescimento económico gera mais pobreza e agrava as desigualdades sociais. Nada do que, desde 2008, não seja mencionado consistentemente por diversos estudos realizados em Moçambique e por moçambicanos.
Simultaneamente, o governo de Moçambique reafirma que a economia está saudável (novo slogan). Que é necessário ter-se paciência porque os resultados dos mega projectos chegarão. Em ciclos fechados e em reuniões a vários níveis da governação, alguns dos chamados críticos são tidos como anti patriotas, reaccionários e que só sabem criticar e nada contribuem de positivo. Por coincidência de resultados dos estudos, as organizações serão designadas de quê? Anti patriotas, pelas suas próprias condições não o podem ser.
Reaccionários? Neo-liberais, aliados do capitalismo? Inimigos externos? Complot internacional?
Quando uma governação ganha elevados níveis de autismo e a isso se junta o autoritarismo, a incapacidade de gerir o país de forma planificada e com gestão previsional e pró activa, a falta de ideias (apesar dos “planos” quinquenais do governo), a utilização de métodos repressivos e outros comportamentos, então pode-se pensar que se está perante sinais que perigam os pilares da democracia. Estes são comportamentos que não criam credibilidade e confiança (auto estima). Há cada vez mais cidadãos formados e informados. A comunidade internacional sabe o que se passa e tem apontado situações que é necessário melhorar ou evitar.
Seria dignificante que se reconhecesse que apesar do crescimento, do investimento estrangeiro e de algum controlo macroeconómico mesmo que com indicadores não favoráveis ao desenvolvimento, a economia vai mal.
Este assunto está mais que fundamentado em trabalhos de moçambicanos, de estrangeiros e de organizações internacionais. Menos para o governo.
É desejável que a governação, aos diferentes níveis, tome nota dos resultados dos estudos sérios e fundamentados. Sobretudo quando vários estudos indicam as mesmas ou semelhantes conclusões. Sugere-se que não se diga que “esse estudo aí está mal… porque basta andar por aí para ver que a pobreza não aumentou”. Que não se guardem estudos nas gavetas durante meses e que só são tornados públicos por imperativos de uma reunião internacional. É saudável evitar que se chamem pessoas para se lhes perguntar “de que lado é que você está”. Que não se rotule de reaccionários a cidadãos que apresentam estudos sérios e fundamentados, mesmo que os resultados não sejam cómodos para ninguém, nem para os próprios pesquisadores. Cidadãos que não só não são anti patriotas, como não têm nada mais a provar quanto ao seu patriotismo. E o mesmo se poderia dizer relativamente a serem progressistas e não reaccionários. Quem é reaccionário? Os que defendem a equidade, um crescimento inclusivo e mais democraticidade, ou os que praticam ou deixam praticar um capitalismo selvagem, corrupto, com crescentes níveis de desigualdade, elites que ficam endinheiradas por vezes de forma pouco transparente?
É urgente a criação de um clima de diálogo aberto e franco por mais duro que seja o debate, na única condição de ser honesto e fundamentado. Debate para se ouvir e não para fingir que se ouve. Participação em vários níveis num exercício de democracia inclusiva. Assim se contribuirá para a confiança (auto estima) individual e colectiva.
Caso contrário, haverá cada vez menos confiança (auto estima) por mais ressonância que os batuques façam.

João Mosca, SAVANA – 09.12.2011, citado no Moçambique para todos

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